O anúncio de Lula, em Joanesburgo, de que pretende assinar o Acordo Mercosul–União Europeia em 20 de dezembro, recolocou na agenda um tema discutido há mais de 25 anos. Depois de avanços em 2019 e paralisações por pressões ambientais e agrícolas na Europa, o acordo voltou a ganhar força em 2024 e 2025, com o Brasil na presidência rotativa do Mercosul.
O contexto internacional favorece essa retomada: os EUA vivem um ciclo de tarifas imprevisíveis sob Donald Trump; a China amplia influência na região; e a Europa busca parceiros confiáveis para a transição verde. Para o Brasil, o acordo é uma chance de diversificar mercados e ampliar investimentos, especialmente em produtos de maior valor agregado.
O pacto prevê:
- eliminação de tarifas em mais de 90% do comércio bilateral;
- quotas para carnes, açúcar e etanol;
- redução gradual de tarifas industriais europeias;
- compromissos ambientais vinculados ao Acordo de Paris.
Potenciais ganhos
- Expansão das exportações de proteína animal, etanol, café, frutas e celulose.
- Acesso a tecnologias europeias avançadas.
- Mais segurança para investimentos estrangeiros.
- Chance de posicionar o Brasil em cadeias globais de valor.
Riscos reais
- Competição assimétrica com a indústria europeia em setores sensíveis.
- Forte pressão de agricultores da França, Irlanda, Polônia e Áustria.
- Receio de movimentos sociais sobre impacto na agricultura familiar.
- Dependência de monitoramento ambiental consistente, ponto sensível para Bruxelas.
Para o agro brasileiro, o acordo abre portas importantes, mas exige competitividade, rastreabilidade e organização. O mercado europeu paga bem, mas cobra padrão.
A política pode travar o processo
Mesmo com o otimismo de Lula, Mauro Vieira e Ursula von der Leyen, o ambiente continua instável.
Na União Europeia:
- temores de competição agrícola persistem;
- ambientalistas consideram o acordo insuficiente;
- A disputa entre metas climáticas e interesses agrícolas ameaça o cronograma.
No Mercosul:
- Argentina e Paraguai apoiam, mas exigem salvaguardas;
- No Brasil, o debate virou arma política, quando deveria ser política de Estado.
Se o tema for capturado pela ideologia, o prejuízo recairá sobre o setor produtivo, que precisa de previsibilidade, não de palanque.
A data coincide com a Cúpula de Líderes do Mercosul e carrega forte peso simbólico. Se o acordo escorregar para 2026, eleições na Europa e no Brasil podem congelar tudo outra vez.
Mas assinar não é implementar: o texto ainda precisará passar pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho Europeu e pelos Congressos do Mercosul. A assinatura apenas destrava o caminho final, sem ela, o acordo simplesmente não avança.
A assinatura em 20 de dezembro pode marcar uma virada histórica para o Brasil. Mas nada está garantido. É um processo aberto, sensível e sujeito a pressões políticas dos dois lados do Atlântico.
O país precisa tratar o acordo como um instrumento estratégico, não como troféu partidário. E, para o agro, a lógica é simples: acesso a novos mercados só vale se vier acompanhado de competitividade interna, crédito, logística, tecnologia e sanidade.
O Mercosul–UE não resolve tudo. Mas, assinado com responsabilidade, pode ser uma das maiores portas de entrada do Brasil para o futuro.

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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