Ives Gandra – 24/02/2025 11h30

Formei-me em 1958 em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) e desde o início da década de 60, quando cinco dos atuais ministros ainda não tinham nascido, atuo perante a Suprema Corte.
À época, o Poder Judiciário só podia dizer se uma lei era ou não constitucional, mas jamais elaborá-la e, mesmo no regime de exceção (1964-1985), sempre assim agiu.
Sendo assim, a característica maior do Supremo Tribunal Federal (STF) era ser um poder técnico e, portanto, um legislador negativo, em absoluta consonância com o previsto no artigo 103, §2º da Constituição Federal de 1988, de acordo com o qual nem nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão poderiam os ministros elaborar a lei, no máximo podendo declarar sua omissão inconstitucional e pedir ao Legislativo para fazê-la:
§ 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias (…).
Hoje, entretanto, a Suprema Corte adota uma linha diferente, atuando também como legislador positivo e, até mesmo como corretor de rumos do Executivo, legisla e administra. Segue, pois, linha doutrinária cujo nome varia de neoconstitucionalismo, consequencialismo a jurisdição constitucional.
Significa dizer que, repetidas vezes, o STF tornou-se poder político, legislando em matérias que deveriam ser exclusivamente do Congresso, como no marco temporal, no aborto, na internet, casamento entre pessoas do mesmo sexo, drogas, anencefalia, etc.
Ocorre que o Judiciário, por não representar o povo, mas apenas a lei, ao exercer funções legislativas e administrativas, condena o país a ter três poderes políticos e não dois políticos e um técnico, gerando, a meu ver, insegurança jurídica, com eliminação do juiz natural, inquéritos intermináveis, alargamentos do foro privilegiado para um universo de cidadãos comuns, o estabelecimento de uma única instância sem via recursal, dificuldades de acesso às acusações, banalização das prisões provisórias e preventivas.
Por esta razão, os ministros só podem sair cercados de seguranças, recebendo do povo o mesmo tratamento dos políticos, com apoio daqueles que representam a linha por quem o STF demonstra preferência no cenário político e críticas daqueles que não.
Lembro-me quando, nos 43 Simpósios de Direito Tributário que coordenei no Centro de Extensão Universitária, sempre trazendo ministros do STF, STJ e desembargadores para palestrarem, que saia com os ministros Moreira Alves, Oscar Corrêa, Sydney Sanches, Cezar Peluso, Cordeiro Guerra e outros para jantar, às vezes, andando sozinhos pela rua, sem necessidade de nenhum segurança.
Com todo o respeito que os eminentes ministros da Suprema Corte, que são grandes juristas, merecem, entendo não ter sido tal atuação a vontade do monstituinte claramente expressa em dizer que caberia ao Legislativo zelar por sua competência normativa perante os Poderes Judiciário e Executivo:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
XI – zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes.
Nunca discuti o nível dos ministros, sua idoneidade moral e competência, mas permito-me, como um velho professor, divergir doutrinariamente da linha por eles adotada, lembrando que minha palavra serve, no máximo, para reflexões acadêmicas, enquanto que suas decisões têm força de lei.
No entanto, no momento que, uma vez examinados os Poderes Judiciários de 142 países, ficamos em 80º lugar no Rule of Law Index (Índice de Estado de Direito), publicado pelo WJP (World Justice Project), creio que muito há para meditar.
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Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP e ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp). |
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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