Dentro da arquitetura austera de uma antiga capela em São Francisco, a luz dourada do fim de tarde penetra pelos vitrais, iluminando servidores que compõem o coração da maior biblioteca digital do mundo, o Internet Archive. Criada com a missão de preservar o vasto e efêmero conteúdo cultural da internet e além, essa iniciativa agora enfrenta um desafio existencial: uma batalha judicial que questiona quem, de fato, detém os direitos sobre o passado musical.
O Internet Archive, fundado em 1996 por Brewster Kahle, é frequentemente descrito como a “Biblioteca de Alexandria da Era Digital”. Com mais de 145 petabytes de dados, a plataforma não apenas preserva versões arquivadas da web, através de seu famoso Wayback Machine, mas também armazena uma vasta coleção de livros, filmes, programas de rádio e, mais recentemente, gravações de áudio em 78 rotações por minuto — discos de goma-laca que dominaram o mercado até serem superados pelo vinil.
No entanto, a preservação cultural realizada pela organização há tempos incomoda poderosos detentores de direitos autorais. Recentemente, essas tensões resultaram em duas ações judiciais, movidas por editoras literárias e, mais recentemente, por grandes gravadoras musicais, como Universal Music Group e Sony Music. O litígio ameaça a própria existência do Archive, enquanto as corporações acusam a organização de “pirataria em massa” de músicas que, segundo elas, ainda possuem valor comercial.
O que está em jogo?
A mais recente batalha judicial gira em torno do “Great 78 Project”, uma iniciativa do Archive que busca preservar discos de 78 rpm, muitos dos quais foram gravados antes da década de 1950. A maioria dessas músicas está fora de catálogo, pertencendo a gravadoras extintas ou pequenas prensagens que desapareceram com o tempo.
No entanto, as gigantes da indústria musical argumentam que digitalizar e disponibilizar essas músicas sem pagamento de royalties constitui uma violação de direitos autorais. Para elas, o projeto é visto como uma “loja ilegal” de música.
Ken Doroshow, diretor jurídico da Recording Industry Association of America (RIAA), declarou que o processo busca combater “infrações em escala industrial de algumas das gravações mais icônicas já feitas“. Para as gravadoras, o que está em jogo não é apenas a preservação cultural, mas também a receita gerada por essas músicas, mesmo as mais antigas. Elas alegam que o Archive está oferecendo um substituto gratuito aos serviços de streaming, que pagam royalties aos detentores dos direitos.
Preservação ou pirataria?
Para defensores da preservação digital, como George Blood, um especialista em áudio envolvido no Great 78 Project, a questão é muito mais profunda do que os aspectos comerciais. Ele argumenta que 95% ou mais das gravações preservadas pelo projeto não estão disponíveis em nenhuma outra plataforma. “Essas músicas poderiam ser esquecidas para sempre se não fossem preservadas“, disse Blood em entrevista à revista Rolling Stone. “Estamos falando de preservar o registro cultural, algo que transcende interesses econômicos“.
Entre as gravações digitalizadas pelo projeto estão canções folk, jazz, blues, além de óperas, hinos religiosos e até esquetes de comédia. Muitas dessas obras pertencem a um passado que precede as convenções modernas de direitos autorais e, sem iniciativas como o Internet Archive, podem nunca ser redescobertas.
O resultado dessas ações judiciais poderá definir os rumos da preservação digital nas próximas décadas. Se o Archive for forçado a encerrar suas atividades ou restringir suas coleções, isso poderá criar um precedente perigoso para outras iniciativas de preservação cultural. Se as gravadoras vencerem, o acesso a vastas partes do passado musical poderá ser perdido ou restringido.
No fim das contas, a questão permanece: quem deve possuir o passado cultural? As “gravadoras” ou o “público”?
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