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‘A filantropia na educação superior’

(*) por Danilo Dupas

Segundo o último Censo da Educação Superior (2023), elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), foram ofertadas mais de 25 milhões de vagas, sendo aproximadamente 21% em instituições de ensino superior (IES) públicas e 79% em IES privadas. No entanto, apenas 4.993.992 novos alunos efetivamente preencheram essas vagas, dos quais 11% se matricularam em IES públicas e 89% em instituições privadas.

Esse cenário evidencia a urgência de medidas diante da insustentabilidade do setor: recursos continuam sendo aplicados em estruturas que operam abaixo da capacidade, comprometendo a formação de profissionais e empreendedores em um mercado cada vez mais competitivo.

Proporção de vagas novas ocupadas, por categoria administrativa – Brasil 2023¹ | Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

No censo superior, ao consultar o gráfico de vagas novas ocupadas, por categoria administrativa, nota-se que a maior ociosidade está nas IES privadas sem fins lucrativos. Por outro lado, as IES públicas apresentam a melhor taxa de ocupação pela gratuidade e pela excelente qualidade no ensino ao analisarmos os rendimentos no Enade e no ranking mundial de universidades.

A experiência na educação

Como educador e executivo em educação atuo em IES nas categorias pública, privada com fins lucrativos e privada sem fins lucrativos. Já como economista, formado na linha da liberdade econômica, creio que as IES privadas com fins lucrativos, além da regulação estabelecida pelo Ministério da Educação (MEC), são pressionadas pela eficiência na formação com qualidade para sua efetiva sustentabilidade. Como consequência, devem buscar alternativas para diversificar a receita financeira, ou seja, diminuir a dependência das mensalidades. Aqui vale um futuro artigo sobre oportunidades existentes e perspectivas.

Por causa da fragilidade econômica no Brasil, irei focar sobre a alocação do recurso público na educação superior. Noto diversas matérias sobre o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade para Todos (ProUni). Ambos os programas são geridos pelo governo federal, por meio do MEC, e atravessam um período de decadência, resultado do excesso de recursos destinados a essas iniciativas frente à queda na demanda de alunos. Torna-se necessária, portanto, uma revisão desses investimentos, redirecionando o saldo para a melhoria das IES públicas, que enfrentam fragilidades e alta ociosidade nas vagas ofertadas. No Gráfico 2, observa-se a redução do interesse dos estudantes em ingressar no ensino superior privado por meio do Fies e do ProUni, o que confirma os efeitos nocivos do excesso de oferta de cursos diante da baixa demanda.

Número de alunos matriculados na rede privada de educação superior que possuem FIES ou Prouni – Brasil 2013-2023 | Foto: Inep Censo Superior 2023

Carreira no ensino

Iniciei minha carreira na administração da educação como estagiário no departamento de bolsas de estudos de uma universidade centenária e filantrópica, durante meus dois primeiros anos como graduando em ciências econômicas. Nesta atividade, consegui compreender a importância social de uma instituição filantrópica e sua responsabilidade perante a sociedade.

Nos anos de 2020 e 2021, estive como secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres), vinculado ao MEC, e dentre as diversas atribuições fui gestor da Certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social e Educação (Cebas) com foco nas entidades vinculadas à educação.

As IES sem fins lucrativos são isentas de contribuição para a seguridade social desde que atendam às exigências estabelecidas na Lei Complementar nº 187/2021. Essa legislação regula a certificação dessas entidades e define as condições para usufruir da imunidade prevista na Constituição. Assim, essas instituições filantrópicas ganham competitividade ao não pagarem tributos como INSS patronal, PIS e Cofins, além de receberem prioridade em parcerias com o poder público. Em contrapartida, devem conceder bolsas a alunos em situação de vulnerabilidade, respeitando critérios legais.

As instituições filantrópicas

É inquestionável a importância social das instituições filantrópicas na sociedade, quando bem geridas, e incentivo o leitor a consultar os relatórios emitidos pelo Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (Fonif). Mas a narrativa de diminuir as isenções fiscais voltou ao cenário perante ao elevado gasto do governo federal, em relação ao recurso recolhido através dos impostos — o que uma decisão política, sem a devida análise técnica para separa o “joio do trigo”, poderá penalizar as entidades filantrópicas competentes e que seguem fielmente a lei e as normas estabelecidas pelo governo.

Temos de ser realista: a maior ociosidade de vagas ofertadas no Sistema da Educação Superior se encontra nas IES sem fins lucrativos, onde somente 17,4% das vagas são efetivamente ocupadas no início do curso, sem considerar a taxa de evasão ao longo da jornada dos alunos. Há oportunidade para o governo federal otimizar as isenções concedidas para diminuir consideravelmente esta ociosidade e realocar o saldo projetado pelas isenções para fortalecer efetivamente a qualidade no ensino superior. O cidadão está sendo onerado pela ineficiência na oferta deste serviço.

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O papel da educação

O Ministério da Educação deveria exigir qualidade mínima dos cursos das instituições filantrópicas e impedir mensalidades acima da média regional. No Enade 2022, observei curso de Direito em IES sem fins lucrativos com nota 3, mensalidade superior a R$ 3 mil e aprovação abaixo de 35% no Exame da OAB. A imunidade deve zelar pela qualidade e inclusão social, não ser escudo para ineficiência.

A situação das entidades é geralmente revisada apenas durante a renovação do Cebas, com fraudes descobertas anos depois. São necessárias auditorias por amostragem, para preservar a lisura do benefício concedido pela Lei Complementar nº 187.

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É imperativo que o Ministério da Fazenda, e os órgãos de controle como Ministério Público Federal (MPF), a Controladoria-Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas da União, desenvolvam uma inteligência para monitorar, atuar e penalizar, visando a assegurar a aplicação plena da lei. O foco deve ser o Art. 3º, que detalha os critérios para a imunidade fiscal, em especial as restrições rigorosas sobre a remuneração de seus dirigentes e as proibições de vínculo familiar (nenhum dirigente remunerado poderá ser cônjuge ou parente até o terceiro grau, inclusive afim, de instituidores, de associados, de dirigentes, de conselheiros, de benfeitores ou equivalentes da entidade). É crucial auditoria para verificar a idoneidade dos proprietários das empresas contratadas, por instituições filantrópicas, para ratificar a inexistência de vinculo familiar, visando a combater a “Lei do Gérson” ³.

E os salários?

Para os dirigentes estatutários, a remuneração é aceita desde que seu valor bruto seja inferior a 70% do limite de remuneração dos servidores do Poder Executivo Federal. Sendo que o valor total destinado à remuneração de dirigentes pelo exercício de suas funções estatutárias deve ser inferior a cinco vezes o limite individual de remuneração dos servidores do Poder Executivo Federal. O valor do limite de remuneração dos servidores do Poder Executivo Federal não é um número fixo único para todas as carreiras, mas sim um teto geral que se refere ao subsídio de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). A partir de 1º de fevereiro de 2025, o subsídio mensal dos ministros do STF é de R$ 46.366,19 e a remuneração bruta dos dirigentes estatutários de entidades filantrópicas deve ser inferior a R$ 32.456,33. Será que não tem dirigentes estatutários com super salários?

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Em momento de rever a carga tributária sobre a população, é fundamental o Estado buscar aprimorar o monitoramento e ações efetivas para garantir a devida alocação dos recursos gerados pela sociedade. O peso, cada vez maior, nas empresas privadas com fins lucrativos se tornou insustentável, pois a falta de gestão profissional sobre as entidades imunes gera distorções e incentiva a concentração de agentes incompetentes na gestão dos seus recursos.

As isenções não podem ser tratadas como “fundo perdido” e sim a responsabilidade da instituição em utilizar com maior eficiência este recurso em prol da sociedade, com as melhores práticas de gestão. Uma entidade filantrópica tem o dever de profissionalizar o quadro de colaboradores e otimizar seu atendimento, seguindo plenamente a lei, pois é repugnante a baixa taxa de ocupação das vagas ofertadas no Sistema de Ensino Superior. A fiscalização efetiva é crucial para coibir irregularidades.

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 ¹ APRESENTAÇÃO DO CENSO SUPERIOR 2023 (Gráfico 22): https://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2023/apresentacao_censo_da_educacao_superior_2023.pdf

² APRESENTAÇÃO DO CENSO SUPERIOR 2023 (Gráfico 43): https://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2023/apresentacao_censo_da_educacao_superior_2023.pdf

³ LEI DO GERSON: é uma expressão popular brasileira que se refere à atitude de obter vantagem em tudo, mesmo que isso implique em desrespeitar regras, ética ou honestidade. O termo surgiu de um famoso comercial de cigarros dos anos 1970, onde o jogador Gérson dizia: “Eu gosto de levar vantagem em tudo, certo?”.


Danilo Dupas é executivo, educador, economista, mestre em administração pela Fecap, ex-secretário da SERES/MEC e ex-presidente do INEP

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