O dólar vem perdendo força em relação a diversas moedas, inclusive o real, e isso tem desencadeado uma série de efeitos em cadeia na economia global. A moeda norte-americana, que ainda é o principal referencial de preços das commodities e representa a maior parte das reservas internacionais dos países, está sob pressão em razão de fatores fiscais, políticos e estruturais.
Essa movimentação mexe com os mercados de câmbio, com os títulos da dívida pública dos Estados Unidos e com a competitividade comercial de países como o Brasil.
Ainda mais, que o congresso dos EUA aprovou o pacote de ampla reforma fiscal que estende cortes de impostos, reduz benefícios sociais e aumenta o teto da dívida, com impacto estimado de US$ 3,3 a 3,8 trilhões de déficit adicional nos próximos.
Por que isso enfraquece o dólar?
- Maior desconfiança dos investidores em relação à sustentabilidade da dívida americana
- Desvalorização dos títulos do Tesouro, que são considerados a âncora de segurança do sistema financeiro global
Com maior risco fiscal, o dólar perde atratividade como reserva internacional, intensificando a busca por alternativas como o ouro, o euro, o yuan e, em menor grau, ativos digitais.
Por um lado, o dólar mais fraco pode estimular as exportações norte-americanas, tornando seus produtos mais baratos no exterior. Isso ajuda a equilibrar a balança comercial.
Impactos globais e nos EUA
- Pressão inflacionária com insumos e bens importados mais caros
- Custo maior da dívida pública, pois o Tesouro terá de pagar mais para financiar seu déficit
- Risco à hegemonia global do dólar, com impactos geopolíticos e estratégicos a médio prazo
Desdobramentos para o Brasil
Lado positivo:
- Importações mais baratas: fertilizantes, defensivos, combustíveis e máquinas agrícolas chegam ao país com menor custo, o que pode aliviar a inflação.
- Redução de custos na produção agropecuária: especialmente relevante para um setor altamente dependente de insumos dolarizados.
- Atração de capital financeiro: a combinação de juros altos no Brasil com menor risco percebido estimula a entrada de dólares.
Lado negativo:
- Exportações prejudicadas: commodities como soja, milho e carne ficam mais caras no mercado internacional, afetando a competitividade do agro brasileiro.
- Risco à balança comercial: com importações em alta e exportações desacelerando, o superávit comercial pode cair.
- Redução da arrecadação em reais para estados e empresas exportadoras que faturam em dólar.
A teoria por trás dos movimentos
- Triffin Dilemma: conflito de interesses para um país cuja moeda é usada como moeda de reserva global. A ampliação do déficit americano reforça esse dilema, ameaçando a sustentabilidade da moeda como referência mundial.
- Paridade do Poder de Compra (PPC): com inflação mais baixa no Brasil e inflação interna crescente nos EUA, o real tende a se fortalecer.
- Fluxo de capitais e diferencial de juros: o juro real brasileiro, um dos mais altos do mundo, atrai especuladores e investidores, fortalecendo o real.
Conclusão: o mundo em transição cambial
A aprovação de cortes de impostos nos Estados Unidos, em meio a um cenário de dívida elevada, acelera um processo de perda de confiança na economia norte-americana. A fragilidade fiscal do país, combinada com mudanças geopolíticas, está redesenhando o papel do dólar no mundo.
Para o Brasil, o real valorizado exige equilíbrio: se por um lado alivia custos e segura a inflação, por outro ameaça a competitividade externa e a renda dos exportadores. É um momento que exige cautela, estratégia comercial e política monetária firme.
O mundo assiste, talvez pela primeira vez em décadas, ao início de uma nova era monetária global, e o Brasil, como grande player do agro e do comércio internacional, precisa estar atento a cada movimento.


*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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