Ayrton Senna. A menção de seu nome evoca uma mistura de glória e tragédia, genialidade e paixão. Mas antes de se tornar o ícone global que conhecemos, ele era apenas o “Ayrton Senna da Silva” que um fotógrafo na Europa teve a sorte — e o desafio técnico — de acompanhar.
Mark Sutton, fotógrafo da Getty Images que testemunhou 635 GPs, compartilha ao ESPN.com.br as memórias de uma carreira ligada ao brasileiro desde os dias de £50 por corrida até o silêncio fúnebre de Ímola.
O batismo de fogo: uma colisão inacreditável e a fuga do filme
A saga de Senna para conquistar o mundo começou no sufoco, e a lente de Sutton estava lá para registrar o caos. O fotógrafo relembra o primeiro encontro com a intensidade do brasileiro na Fórmula 3, onde a rivalidade com Martin Brundle culminou em uma cena que prenunciava a força do piloto.
“Meu primeiro ano fotografando foi em 1983. Senna e Martin Brundle bateram na minha frente. O carro de Senna pousou em cima do carro de Brundle. Muito parecido com o acidente entre Lewis Hamilton e Max Verstappen em Monza em 21″, contou.
A adrenalina da imagem contrastava com os desafios arcaicos da fotografia da época. Capturar a velocidade furiosa da Fórmula 1 exigia mais do que sorte: era um jogo de tentativa e erro, com apenas 36 chances por rolo de filme.
“A velocidade é muito, muito, muito diferente. Você está saindo de cerca de 140, 150 quilômetros por hora para mais de 200 quilômetros por hora… Eu tinha um rolo de filme colorido dessa vez. De um rolo inteiro de 36 frames, eu provavelmente consegui 12 frames que eu diria serem aceitáveis”, relembrou Mark Sutton.
Mas o resultado final era inquestionável, pois Senna demonstrava um domínio raríssimo: “O controle do carro, as 60 pole positions, é irreal.”
O contrato secreto de £50 e o telefone que chocou Bernie Ecclestone
O que começou como um pedido despretensioso da mídia brasileira transformou-se no primeiro contrato de ‘marketing’ profissional de Ayrton Senna.
“O motivo pelo qual meu irmão [Keith] realmente fechou o acordo com Senna foi porque Ayrton estava trabalhando para uma revista brasileira. Ele fechou um acordo de £50 por corrida… e na corrida seguinte, Ayrton venceu. Keith ficou em uma situação ‘ganha-ganha'”.
A partir daí, o trabalho não era apenas tirar fotos, mas construir a marca que o mundo logo conheceria. O sucesso era tanto que a eficiência do “serviço de imagem” dos irmãos Sutton invadiu a casa dos gigantes da Fórmula 1.
“Foi por isso que Bernie Ecclestone [dono da equipe Brabham e contato principal de Senna] acabou ligando para nossa casa em Manchester, por causa desse serviço.”
O Brasil não apenas impulsionou a carreira do piloto, mas era a própria alma de seu pódio. Essa paixão profunda e sincera diferenciava Senna e o povo sul-americano, trazendo um espetáculo à parte para as lentes.
“O Brasil como país… Os fãs são muito apaixonados! Eu via Rubens [Barrichello] ir ao pódio, ele costumava fazer a ‘dança do samba brasileiro’ no pódio. Isso era ótimo para fotos”, relembrou.
Imola ’94: O Olhar Assombrado e o Gesto Final de Caridade
Ímola em 1994 foi o ponto de inflexão mais doloroso da carreira de qualquer profissional presente. Sutton revela que a decisão de não fotografar a cena do acidente não foi apenas uma escolha profissional, mas um ato de respeito.
“Eu não fui para onde Ayrton bateu e ver aquela cena. Aquilo não parecia certo para mim.”
O fotógrafo compartilha um detalhe arrepiante do clima que antecedeu a largada, uma imagem que revela a angústia dos pilotos diante da tragédia que havia ceifado Roland Ratzenberger no dia anterior.
“Minha última foto de Ayrton… A foto que tenho [de Senna e Schumacher no pit lane] é bastante assombrosa, para ser honesto. Você pode ver nos olhos deles, acho que eles não queriam correr.”
A memória de Senna, no entanto, é encapsulada em um gesto final de humanidade, que sobrevive através de fotos autografadas.
“Lembro de ter ido ver Ayrton para um projeto de caridade em 1993, e ele perguntou: ‘Para qual caridade é?’ A caridade estava sempre na mente dele.”
Mark Sutton, cujas imagens de Senna e da Fórmula 1 agora residem no vasto arquivo da Getty Images, testemunhou o arco completo da lenda. Ele lembra do gênio vitorioso, com “os dois braços estão no ar” após sua última vitória em 1993, e afirma: “A memória de Senna, no entanto, é de um gênio na pista.”


