Diretor de Megalópolis, o cineasta defende a ousadia de ser criativo na indústria do cinema e abre, em bom português, a influência do Brasil em seu novo filme: ‘Alegria’
Quando faço filmes, sinto que sou um dos personagens, quase como se a minha vida fosse um grande filme.
Quando converso com Francis Ford Coppola, não há passeios por sua vinícola na Califórnia, viagens por antigas memórias de Hollywood ou dicas de como revolucionar a produção de vinhos. Francis, como me pede para chamá-lo, senta-se no que parece ser o seu escritório, ladeado de prêmios conquistados ao longo de uma carreira de sucesso de mais de meio século, e tenta manter a conexão de internet estável:
“Opa, acabamos de perder o Francis!”, diz uma das assessoras presentes na ligação de vídeo, segundos antes de o cineasta voltar à tela.
Já haviam se passado alguns meses desde a estreia de Megalópolis na 77ª edição do Festival de Cinema de Cannes, em maio, e a resposta divisiva da mídia ainda ameaçava o lançamento do grande épico do cineasta nas semanas seguintes. Peter Debruge, da Variety, havia afirmado que Megalópolis era “uma alegoria profundamente pessoal, mas desleixada” da relação do cineasta com a arte, acrescentando que, embora muitas ideias não funcionem como esperado, o longa ainda é “uma declaração esperada aos fãs de um homem que nunca perdeu a sua fé no cinema”.
Damon Wise, do Deadline, definiu Megalópolis como uma “bagunça – indisciplinada, exagerada e atraída pela pretensão como uma mariposa pela chama”, mas também “uma verdadeira obra-prima moderna, do tipo que indigna pela sua audácia”. Wendy Ide, do The Guardian, foi um pouco mais dura: “Apesar de toda a ambição visual de grande impacto, a vitrine filosófica e as referências literárias aleatórias, essa é uma obra de um vazio gritante”.
Porém, Francis continua otimista sobre a sua criação:
“Eu sabia que seria como Apocalypse Now (1979), que pessoas o amariam e outras odiariam. Sabe de uma coisa? O filme é muitas coisas, mas não é entediante”, declara. “E é o tipo de filme que você pode assistir uma segunda vez. Eu quero que você o veja duas, três vezes, porque toda vez que você assistir, ele irá mudar em você, da mesma forma que Apocalypse Now mudou. Quarenta anos depois, Apocalypse Now ainda é assistido. Eu prevejo a mesma reação com Megalópolis.”
Um arquiteto de histórias
Invertendo momentaneamente os papéis de entrevistado e entrevistador, Francis é quem faz a primeira pergunta:
De onde você é? O Brasil é um lugar grande!.
Respondo que sou de São Paulo e ele me questiona se conheço Curitiba. Digo que sim e Francis, parecendo animado, me surpreende com a informação de que a capital paranaense foi uma das inspirações para a cidade idealista de Megalópolis. A principal conexão da obra com Curitiba, ele me explica, está em seu protagonista, Cesar Catalina, um arquiteto com o desejo de criar uma cidade utópica. Para Francis, ele é como o também arquiteto e urbanista Jamie Lerner, que foi prefeito da cidade em três ocasiões, entre as décadas de 1970 e 1990, reimaginando seu planejamento:
“Curitiba é como uma utopia, porque teve um grande prefeito. Ele fez coisas maravilhosas”, elogia.
Era um arquiteto comandando a cidade, então é muito parecido com Megalópolis.
Mais parecido com Cesar do que Lerner, no entanto, é o próprio Francis, que há mais de 40 anos vem pensando no futuro e trabalhando na construção de sua própria utopia, trazida à vida na forma de sua nova obra:
“Quando faço os meus filmes, sempre sinto que sou um dos personagens. É quase como se eu estivesse fazendo a minha vida, sabe? Como se a minha vida fosse um grande filme”, explica.
Megalópolis surgiu do desejo de Francis de saber quem seria no futuro:
Eu percebi que os meus filmes eram muito diferentes uns dos outros. O Poderoso Chefão era muito clássico. Apocalypse Now era muito surrealista. O Fundo do Coração era muito teatral. Então, imaginei qual seria o meu estilo quando fosse mais velho e guardei anotações”, conta.
Rebelde sem causa
Apesar da poderosa mensagem embutida no filme, Megalópolis vem sendo recebido com inconsistência, longe da unanimidade de outras produções de Francis, como O Poderoso Chefão (1972) e O Poderoso Chefão II (1974). Porém, isso não preocupa o cineasta, que não acredita em uma recepção tão negativa do longa por parte do público:
“Há quem não queira que o filme seja um sucesso, porque contradiz os seus próprios métodos de fazer filme”, afirma.
Eles dizem aos cineastas que eles não podem fazer filmes do jeito que gostariam. Você precisa fazer filmes que tenham super-heróis, por exemplo. Em outras palavras, eles têm uma fórmula de continuar fazendo [cinema] e vendendo a mesma Coca-Cola ao público.
“Mas o cinema não é uma Coca-Cola. O cinema muda, e há um novo cinema a cada geração”, continua. “Você vai ter um filho e o seu filho, provavelmente, vai ter um filho. O cinema do seu neto será algo que nós nem podemos imaginar. Não será uma Coca-Cola.”
Nós precisamos ser maiores que a política. Temos que exigir o que é nosso por direito, a alegria, a felicidade e a criatividade.
Alegria e legado brasileiro
“Nós, seres humanos, precisamos ser maiores do que a política. Nós temos que exigir o que é nosso por direito, que é a alegria, a felicidade e a criatividade, e fazer isso juntos”, afirma.
“É isso que eu sinto que Megalópolis está dizendo. É para artistas como Babenco. Nós temos que ser livres para sermos criativos e, então, teremos felicidade. Não teremos essa tragédia.”
“Muitos filmes estão em Megalópolis. Eu me inspirei em O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969) [de Glauber Rocha], me inspirei em Cidade de Deus (2002) [de Fernando Meirelles], me inspirei em todos os grandes filmes do mundo, porque o cinema pertence às pessoas, e deveria dar prazer e felicidade para elas. Em uma palavra que os brasileiros entendem melhor do que qualquer um: ‘alegria’”, conclui Francis.