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Agricultores lutam contra o fogo para não queimar dinheiro

Na região de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, combater o fogo é uma questão de sobrevivência para os agricultores. O eventual incêndio na lavoura gera prejuízos enormes e multas pesadas. Para reduzir os danos, as propriedades rurais com plantações de cana-de-açúcar, por exemplo, têm brigadas contra incêndio em sintonia com os vizinhos de cerca e com as usinas que utilizam essa matéria-prima para fabricar açúcar e etanol.

Paulo Junqueira, produtor de cana e presidente do Sindicato Rural de Ribeirão Preto, conhece essa realidade como poucos. Ele mantém caminhões-pipas na fazenda para situações de emergência. Os tanques sempre estão com muita água, misturada a um aditivo para potencializar o combate ao fogo. A mistura faz o veículo funcionar como uma espécie de extintor gigantesco, com flexibilidade para se movimentar por toda a propriedade. E essa é apenas uma das práticas adotadas.

A contenção dos riscos

Prevenir é melhor e muito mais barato do que remediar. Por esse motivo, a limpeza incessante das áreas de plantio e suas imediações, além da constante vigilância, são indispensáveis. As plantações são cortadas por ruas distribuídas de modo a distanciar lotes para dificultar o alastramento eventual do fogo. Essas áreas são chamadas de aceiros. Para aumentar as chances de eficiência, elas passam por constante manutenção — o objetivo é evitar o acúmulo de material combustível, como galhos, folhas secas e a palha da cana.

Paulo Junqueira, presidente do Sindicato Rural de Ribeirão Preto e produtor de cana-de-açúcar | Foto: Artur Piva/Revista Oeste

“São várias as causas que dão início aos incêndios”, explica Junqueira. “Uma fagulha que é gerada pelo atrito das rodas de ferro dos trens com os trilhos, principalmente nas frenagens, atingem as margens das ferrovias e dão início a grandes incêndios, essencialmente onde não há manutenção nessas áreas.”

O agricultor se mantém vigilante em toda a propriedade e ainda monitora a parte da ferrovia que está nas proximidades, limpando-a quando necessário para impedir o acúmulo de vegetação seca — que é combustível para uma faísca causar o desastre. “Mas quem deveria cuidar disso é a empresa que tem a concessão dos trilhos”, reclama. “A responsabilidade é deles, quando eles não fazem, assumimos a frente porque o fogo causa um prejuízo enorme.”

Outro grande problema é o descuido das pessoas comuns. Alguns dos incêndios que Júlio Tozatto, gerente da fazenda de Junqueira, combateu começaram por causa de rituais religiosos. “O camarada acende uma vela na encruzilhada e esquece de apagá-la quando vai embora”, explica. “Aí fica o risco do vento levar a fagulha para a palha seca, e a situação sair do controle.”

Júlio Tozatto, gerente de produção | Foto: Artur Piva/Revista Oeste

Ele também já encontrou pessoas não autorizadas nas lavouras sob efeito de drogas, álcool ou algum distúrbio psicológico que, longes do melhor juízo, decidiram atear fogo em algum arbusto sem se dar conta do risco de causar uma tragédia. Também existem os casos de quem começa um incêndio intencionalmente por questões pessoais, como uma vingança. Além disso tudo, há o fator mais difícil de controlar: a queima espontânea.

Para que o fogo surja, três elementos são necessários: combustível, oxigênio e calor. Um longo período de estiagem com altas temperaturas, como as que ocorreram em Ribeirão Preto neste ano, geram as condições perfeitas para incêndios surgirem sem nenhuma intervenção do homem. Quanto mais seco o tempo, mais vegetação morta e inflamável — e o oxigênio está em todo o lugar. Quando o calor acima da média encontra todos esses fatores, a natureza pode queimar sozinha.

A união faz a força

Com tantas variáveis para monitorar, os agricultores mantêm um esquema de colaboração para compartilhar os recursos na luta contra as queimadas. Os grupos de WhatsApp e os canais de rádio amador são grandes aliados para que os alertas aconteçam, quando necessário. A ideia é se mobilizar ao menor sinal de fumaça para evitar grandes estragos e sempre trocar informações sobre os pontos de risco.

A preocupação em agir o mais rapidamente possível é tão latente que até mesmo os menores carros das usinas que circulam pelos canaviais são equipados com reservatórios de água para serem usados contra pequenos focos que por desventura surjam no caminho. E, quando um incêndio começa, não importa quem é o dono da propriedade, o único caminho é unir forças.

Área de preservação devastada por incêndio em Ribeirão Prero (SP) | Foto: Artur Piva/Revista Oeste

As chamas não respeitam as cercas, e a direção muda ao sabor do vento. Isso pode carregar fagulhas por centenas de metros, espalhando o caos por pontos distantes entre si. Em setembro deste ano, quando incêndios varreram canaviais inteiros e chegaram no limite da área urbana de Ribeirão Preto, o clima seco e quente potencializou a convergência de vários fatores.

Tozatto passou vários dias do mês no combate às chamas nas imediações da propriedade onde trabalha.

“Tudo começou na segunda-feira 12 setembro, 5h da tarde”, conta. “No primeiro dia, precisamos de sete caminhões-pipa. Trabalhamos até 10 horas da noite para controlar as chamas. Três dias depois, aconteceu o incêndio maior, que se alastrou sem controle. Começou às 10h da manhã, e a gente teve de combater as chamas por três dias seguidos. Até a noite, tudo estava apagado, mas os focos voltavam na manhã seguinte, à medida que o tempo esquentava.”

As causas ainda estão sob investigação. Há sim, o registro de incendiários — criminosos que começaram pequenos focos que se espalharam. A Polícia Civil tenta desvendar os motivos. Contudo, a falta de chuvas e a vegetação seca multiplicaram o potencial de devastação e os fatores para as fagulhas começarem. Uma coisa é certa: os produtores rurais foram os maiores prejudicados.

Fogo, um prejuízo bilionário

Grande parte da cana queimada se tornou imprestável para as usinas. A planta viva e cheia da valiosa matéria-prima para fabricar açúcar e o álcool se transformou em varas secas, carbonizadas e quebradiças — que ainda precisaram ser cortadas e retiradas do solo para uma nova safra ser possível. É um trabalho que se assemelha a retirar os escombros de uma fábrica, depois de um grande incêndio.

Segundo Rafael Kalaki, superintendente da Associação dos Fornecedores de Cana de Guariba, o custo médio para fazer o plantio de cana-de-açúcar é de R$ 14 mil a R$ 16 mil por hectare. “O agricultor terá de plantar novamente onde o fogo matou a planta”, comenta. “Se a planta não morreu, e o produtor tiver feito a aplicação de defensivos, corretivos e fertilizantes, terá de refazer. Ou seja: prejuízo de cerca de R$ 4 mil por hectare.”

De acordo com a Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil, 414 mil hectares de canaviais queimaram em outubro em todo o Brasil. O prejuízo foi estimado em R$ 2,6 bilhões. Agora, os agricultores terão de arcar com anos de trabalho duro e investimentos para recompor áreas de preservação queimadas que estavam dentro das propriedades. Além disso, vão precisar gastar muito dinheiro com advogados para tentar se proteger da aplicação de pesadas multas ambientais por um problema que eles não causaram.


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