Candidato do Brasil a uma vaga no Oscar de Melhor Filme Internacional em 2025 estreia nos cinemas brasileiros em 7 de novembro
A ditadura militar foi um dos capítulos mais tristes da história brasileira e o nosso cinema sempre tratou de representar o período, marcado pelo autoritarismo e a repressão, das mais variadas formas, seja em formato documental, a exemplo de Cabra Marcado Para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho, ou em ficções baseadas em fatos, como em Marighella (2019), de Wagner Moura.
Centrado no efeito do poder aterrorizante, onipresente e sem rosto definido dos militares, Ainda Estou Aqui, novo trabalho de Walter Salles (Central do Brasil) — que chega aos cinemas brasileiros no próximo dia 7 de novembro e é baseado na história real da família do escritor Marcelo Rubens Paiva —, nos convida a abrir um álbum de recordações manchado pelos horrores do período.
Como uma ironia triste, Ainda Estou Aqui começa com uma reunião quente e calorosa entre familiares e amigos. Alguns momentos dão pistas de que algo não está correto, mas o momento é afetuoso e amistoso, uma pulsação de vida e diálogo. A cena da fotografia em família, que estampa o pôster, será ressignificada até o fim do longa, mas não sem antes ser sucedida por um ponto de virada claro, que ocorre quando Rubens Paiva (Selton Mello, O Auto da Compadecida) é levado para interrogatório para nunca mais ser visto.
No lar, ficam Eunice Paiva, interpretada por Fernanda Torres (Terra Estrangeira), e seus cinco filhos, entre eles um ainda jovem Marcelo Rubens Paiva, que viria a se tornar o autor do livro homônimo utilizado para desenvolver o roteiro escrito por pelo próprio Walter Salles em conjunto com Murilo Hauser e Heitor Lorega — dupla vencedora do prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Veneza.
Com a tragédia da perda do patriarca, pai e marido, há uma quebra naquele mundo idílico dos Paiva. A casa se fecha, representando a chegada da opressão. A presença da música, tão vibrante no início, dá lugar ao silêncio e à angústia, exigindo uma nova abordagem na filmagem, com câmeras mais fixas e espaços escuros, que refletem a tensão do período.
Vale destacar a forma com que os agentes da ditadura são retratados. Em vez de serem mostrados como brutais, Walter Salles opta por apresentá-los como seres complexos, tornando as cenas de violência ainda mais perturbadoras. Não que Ainda Estou Aquiexplore a violência física; ela é trabalhada de forma mais psicológica, ganhando ares de um terror angustiante. Diante da presença constante deste inimigo “amigável” na casa, resta a Eunice represar sentimentos e esconder a verdade dos filhos.
Fernanda Torres está no auge de sua carreira em uma atuação arrebatadora e assustadoramente emocionante. Através de olhares e gestos, a atriz consegue transmitir sentimentos e dor, além de viver momentos de dar calafrios. Suas cenas no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) são sufocantes e revoltantes. Os sons ao fundo lembram algo já feito em Zona de Interesse, longa vencedor do Oscar de Melhor Som no Oscar 2024, em que nós sabemos o que acontece por ali, embora nunca sejamos testemunha ocular daquele terror.
Apesar da história trágica, o longa de Salles não força uma resposta emocional do público; ao contrário, a contenção nas atuações e na direção cria uma cumplicidade com os personagens, permitindo que o público sinta a arbitrariedade da vida e do poder.
O filme também se destaca por sua abordagem única, que contrasta com a fragmentação da narrativa típica das produções modernas. Em tempos de streaming e conteúdo rápido, Ainda Estou Aqui propõe uma experiência cinematográfica que valoriza o tempo e a profundidade, permitindo que o público se conecte verdadeiramente com os personagens e suas histórias. É realmente como se estivéssemos sentados diante de algum membro dos Paiva que está nos contando essa história manchada pela ditadura militar.
No entanto, Ainda Estou Aqui não se limita a contar a história de Eunice ou o desaparecimento de Rubens, refletindo também sobre uma era marcada pela luta e a busca por um Brasil mais justo. Em suma, o longa é mais do que uma obra cinematográfica sobre um período sombrio da história brasileira, é uma reflexão profunda sobre a dor, a perda e a resiliência humana diante da opressão.
Walter Salles, com sua sensibilidade característica já conhecida por nós brasileiros, transforma a história real da família Paiva em um retrato íntimo e, ao mesmo tempo, universal, resgatando memórias dolorosas da ditadura militar e reiterando a importância de não esquecermos os erros do passado, propondo que a dor das vítimas de regimes autoritários seja compreendida e respeitada, evocando ainda a necessidade de se lutar pela preservação da democracia de forma que essa mancha que, infelizmente, nunca irá sumir, ao menos nunca mais ganhe novas doses de tinta.
Especial de cinema da Rolling Stone Brasil
O cinema é tema do novo especial impresso da Rolling Stone Brasil. Em uma revista dedicada aos amantes da sétima arte, entrevistamos Francis Ford Coppola, que chega aos 85 anos em meio ao lançamento de seu novo filme, Megalópolis, empreitada ousada e milionária financiada por ele próprio.
Inabalável diante das reações controversas à novidade, que demorou cerca de 40 anos para sair do papel, o cineasta defende a ousadia de ser criativo da indústria do cinema e abre, em bom português, a influência do Brasil em seu novo filme: “Alegria”.
O especial ainda traz conversas com Walter Salles, Fernanda Torres e Selton Mello sobre Ainda Estou Aqui, um bate-papo sobre trilhas sonoras com o maestro João Carlos Martins, uma lista exclusiva com os 100 melhores filmes da história (50 nacionais, 50 internacionais), outra lista com as 101 maiores trilhas da história do cinema, um esquenta para o Oscar 2025 e o radar de lançamentos de Globoplay, Globo Filmes, O2 Play e O2 Filmes para os próximos meses.
O especial de cinema da Rolling Stone Brasil chega às bancas de jornais em novembro, mas já pode ser comprada em pré-venda na loja da editora Perfil por R$ 29,90, com envios a partir de 6 de novembro.
LEIA A CRÍTICA ORIGINAL EM: Ainda Estou Aqui reabre álbum de família manchado pela ditadura militar
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