O Brasil assiste a um crescimento alarmante dos pedidos de recuperação judicial, salto de cerca de 70% em 2024, que vem inquietando bancos, credores e investidores. O fenômeno extrapola setores tradicionais e atinge com força o agronegócio, onde o aumento já supera 50%. Que vem gerando desconfiança na sua cadeia. É um movimento que, longe de ser apenas conjuntural, revela fragilidades estruturais e expõe a economia a novos riscos.
Ao suspender temporariamente o pagamento de dívidas, a recuperação judicial cumpre o papel de dar fôlego a empresas em crise real. Mas, quando usada em massa, pode comprometer a liquidez do sistema financeiro. Os bancos deixam de receber, encarecem o crédito e alimentam um ciclo de desconfiança que atinge toda a cadeia produtiva. O peso dos juros altos agrava o quadro: margens apertadas e endividamento elevado tornam a insolvência quase inevitável para muitas companhias.
O alerta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vai exatamente nesse ponto. Ele admitiu que já se percebe um “abusozinho” no uso do mecanismo em “um ou dois setores da economia”, sem nomeá-los. Não é difícil imaginar que o agronegócio, por sua exposição ao câmbio e ao clima, e o varejo, pressionado pelo consumo fraco e custos elevados, estejam sob o radar. Mais do que apontar culpados, a fala expõe um risco concreto: a transformação da recuperação judicial de ferramenta emergencial em estratégia de mercado.
O problema não é o instrumento em si, mas o mau uso. Se empresas relativamente saudáveis passam a recorrer a esse expediente para renegociar dívidas em condições mais favoráveis, abre-se uma distorção que penaliza credores, encarece o crédito e mina a confiança no ambiente de negócios. Para o agro, isso pode significar não apenas margens mais estreitas, mas a asfixia de pequenos e médios produtores que dependem de linhas de financiamento.
É hora de rigor na concessão de crédito, revisão regulatória e, sobretudo, responsabilidade das empresas. A recuperação judicial deve ser o último recurso, não atalho. Essa tendência tem que ser contida, se não a conta cairá sobre toda a sociedade, principalmente no agro,em menos crédito, mais risco e crescimento mais lento.

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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