Pode parecer roteiro de novela, mas a trajetória de Gabi Portilho no futebol feminino é real: tem decepções, alegrias, dificuldades e superações. O capítulo mais recente é um dos mais bonitos. Na última quarta-feira (4), a atacante foi uma das 30 indicadas ao prêmio Bola de Ouro de melhor jogadora do mundo.
O fato de Gabi estar entre as principais atletas do planeta não é nenhum absurdo para os torcedores. Ela foi destaque nas Olimpíadas de Paris, com gols contra a França, nas quartas de final, e contra a Espanha, na semifinal. Voltou ao Brasil com dois gols e a medalha de prata no peito.
Para a Gabi de alguns anos atrás, porém, ser uma das melhores do mundo é algo para ser muito comemorado. Ela passou por momentos difíceis entre 2015 e 2016, quando foi para o Madrid CFF, da Espanha, teve que se submeter a uma cirurgia e, depois, encarou percalços para bancar a fisioterapia.
A Gabi de hoje também precisa se superar. Com problemas respiratórios desde sempre, precisa usar a famosa “bombinha” de ar ao menos duas vezes ao dia. O passado e o presente fazem tudo valer a pena para o futuro, que reserva uma possibilidade de disputar a Copa do Mundo de 2027 em solo brasileiro.
“Eu quero trabalhar muito para chegar lá e poder participar. A gente sabe que são três anos pela frente. Minhas escolhas precisam ser boas. Eu quero iniciar uma Copa do Mundo em casa, poder ter minha família na arquibancada, mas o futuro a Deus pertence. É só trabalhar para poder me manter bem até lá”, disse, em entrevista à ESPN.
O drama vivido na Espanha
A experiência de Gabi Portilho no futebol europeu não foi como ela esperava. Quando chegou ao Madrid CFF, no meio da década passada, uma grave lesão em um dos joelhos a afastou dos gramados. Foi difícil suportar a pressão.
“Naquela época eu não tinha ajuda psicológica, e o clube também não tinha. Mas depois que eu passei por tudo o que eu passei, lesionar lá, ficar sem contrato, não ter dinheiro para pagar fisioterapia… Isso mexe muito com a gente”, disse.
“Depois disso eu passei a procurar ajuda, porque é muito importante não só para quem é atleta, mas para o ser humano, porque a gente vive muitas coisas nesse mundo que às vezes não conseguimos suportar a pressão”, completou.
A ajuda psicológica foi importante para passar pelo momento complicado. Ela retornou ao Brasil e passou por São José, Osasco Audax e 3B da Amazônia antes de chegar ao Corinthians e empilhar títulos. Já são 15 taças levantadas, com destaque para duas Libertadores (2021 e 2023) e quatro Brasileiros (2020, 2021, 2022 e 2023). Neste domingo (8), às 16h (de Brasília), o Alvinegro vai encarar o Palmeiras pelo jogo de volta da semifinal do campeonato nacional. As ‘Brabas’ venceram na ida por 3 a 1.
“O futebol é assim: é muita pressão. Você tem que jogar bem o tempo inteiro, você é cobrado o tempo inteiro, as lesões acabam te desmotivando um pouco. É muito importante a gente ter essa ajuda, para a gente fazer terapia, seguir, desabafar às vezes, conversar com pessoas fora que possam te entender. Todo mundo deveria fazer, porque a gente se sente mais leve, a gente consegue seguir a vida, seja como for”, afirmou.
Agora, mais preparada psicologicamente, ela teria de avaliar uma possível volta à Europa.
“Não dá para negar que surgiram algumas propostas. Tenho que ver o que é melhor para a minha carreira. Eu tenho que pensar na Copa do Mundo, que não está tão longe. Então eu tenho que saber o que vai ser melhor para eu continuar evoluindo, não me acomodar no que eu já fiz. Posso melhorar muito mais. Vou terminar o ano, as competições, me dedicar e depois no futuro a gente vê”, ponderou.
Problemas respiratórios
Gabi Portilho começou a se destacar no futsal do Olympia, em Santa Catarina. Já no futebol de campo conquistou o bicampeonato catarinense (2013 e 2014) jogando pelo Kindermann. Nessa época, pela seleção brasileira de base, disputou os Mundiais Sub-17 e Sub-20. Em 2022, veio a primeira convocação para a seleção principal e também o primeiro título: a Copa América. Tudo isso antes do Madrid CFF.
Em todos esses períodos, ela precisou lidar com problemas respiratórios para conseguir jogar em alto nível.
“Eu sempre tive problemas e minha mãe sempre cuidou de mim, e isso fez muita diferença. Na época de Covid-19, o meu quadro acabou piorando e eu passei a usar bombinha. Uso com corticoide de manhã e à noite. No jogo, assim, que eu preciso respirar melhor. Minha mãe passava remédio no peito e até hoje eu uso isso, porque faz diferença para poder correr, senão eu fico muito sem ar. Esse cuidado é importante para que eu possa manter meu físico”, revelou.
Prata nas Olimpíadas
Quem viu Gabi Portilho jogar nas Olimpíadas de Paris pode nem ter reparado nos cuidados respiratórios que ela precisa tomar. A medalha de prata, mesmo após a derrota para os Estados Unidos na final, foi muito celebrada.
“Eu confesso que ainda não caiu a ficha de tudo o que a gente viveu. Foi muito especial, inesquecível, e eu sou muito feliz por ter feito disso, dessa história. A gente deu o máximo, fizemos tudo o que poderíamos. Vivemos um sonho, não são todas que têm essa oportunidade. Eu estou muito feliz por ter feito história com a camisa da seleção”, afirmou.
“[A prata] Representa um sonho, representa que tudo vale a pena. Em um esporte, ou em qualquer área da vida, é muito difícil chegar em patamares altos. Precisa ter muita resiliência, muita força, porque não são só coisas boas que a gente vive. Atleta, principalmente, passa por lesão, pressão, então isso aqui para mim é um sonho realizado e tudo o que eu fiz na minha vida valeu a pena”, completou.
O elenco do Brasil também precisou se superar: das críticas na primeira fase até eliminar a França, dona da casa, e a Espanha, atual campeã do mundo.
“Essas coisas motivam, sabe? Pelo menos para mim motivam muito. Falaram que foi uma classificação culposa [na primeira fase], sem intenção de se classificar… Logo a gente que trabalhou tanto, dedicou tanto. Nos apresentamos na Granja, treinamos muito, fizemos de tudo pra chegarmos lá bem”, desabafou.
O desempenho contra a Espanha, na vitória por 4 a 2 na semifinal, foi um dos marcos da campanha.
“A gente estava na fila para entrar no jogo, e elas estavam dando risada e falando que estávamos com medo e nervosas. Fomos cumprimentá-las e elas nem olhavam na nossa cara. A goleira, então, jogou nossa mão lá embaixo, aí o sangue subiu. A nossa estratégia era manter o que a gente sempre vem fazendo, pressão o tempo inteiro, porque as zagueiras tinham dificuldade. E foi o que eu escrevi: ‘A soberba precede a queda’. A gente fez um jogo muito consciente, muito forte, e fazer quatro gols na Espanha foi histórico também”, disse, antes de comentar a fala da espanhola Jenni Hermoso, que disse ter perdido para um time que “não joga futebol”.
“As pessoas arrumam desculpas para se isentarem dos erros. Ela foi muito infeliz no que falou, em todos os sentidos. Tentou se desculpar, mas ficou pior ainda. Eu acho que futebol é assim, você tem que aceitar perder, por mais que tenha sido como foi. Eu acho que ela precisa dar uma repensada”, completou.
A ideia é que a prata também abra ainda mais as portas para o crescimento do futebol feminino.
“Uma Copa logo em seguida [da prata], em casa, vai ser muito importante. Então eu imagino que venham mais patrocinadores, mais apoio, mais investimento para os clubes brasileiros. Para que vire uma vitrine mesmo”, projetou.
“Até lá, a gente pode melhorar em muita coisa, como categoria de base para que as meninas possam evoluir e crescer, o que a gente não tinha na nossa época. Acho que tem muita coisa para melhorar”, disse.
“Acredito que o Brasil vai chegar bem. Espero que seja uma mudança sensacional para que a gente possa vivenciar [a Copa] e que as novas gerações vivam melhor”, finalizou.