Às vésperas da COP30, o governo federal dá sinais de que não compreende os efeitos do clima extremo sobre a agricultura. O Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), criado em 2004, atravessa o pior momento de sua história. Se o ano terminasse hoje, menos de 4% das áreas agrícolas estariam protegidas com seguro rural. É o pior resultado dos últimos 10 anos.
Em 2021, o programa possibilitou a cobertura de cerca de 14 milhões de hectares no Brasil. Em 2024, o número caiu para 7 milhões de hectares, uma redução de 50%. Agora, em 2025, com orçamento efetivamente disponível de R$ 567 milhões, a estimativa é de apenas 2,5 milhões de hectares segurados — um novo tombo, justamente no momento em que os produtores mais precisam.
Desmonte do orçamento
O PSR começou o ano com R$ 1,060 bilhão previsto. No entanto:
- R$ 67 milhões foram destinados a pendências de 2024;
- R$ 72 milhões foram cancelados;
- R$ 354 milhões foram bloqueados às vésperas do Plano Safra e seguem sem explicação até o momento.
Com isso, o orçamento disponível foi reduzido a R$ 567 milhões, já praticamente todo comprometido com a safra de inverno e operações do primeiro semestre. Restam hoje apenas R$ 8 milhões, destinados a um projeto-piloto do Zoneamento Agrícola de Risco Climático em Níveis de Manejo.
Comparações que revelam prioridades


Em 2024, os recursos executados pelo governo federal foram:
- Pronaf: R$ 9,68 bilhões
- Investimento (máquinas, equipamentos e tecnologias): R$ 6,74 bilhões
- Custeio agrícola: R$ 1,93 bilhão
- Proagro: R$ 6,61 bilhões
- Seguro rural (PSR): R$ 947 milhões
- Total: R$ 25,9 bilhões
O contraste é evidente: enquanto os demais programas recebem bilhões e nunca sofrem cortes — pois contam com execução obrigatória e previsível — o PSR tem o menor orçamento da política agrícola, representa somente 3,7% em 2024, e segue sendo o único totalmente vulnerável a bloqueios, atrasos e contingenciamentos.
Paradoxalmente, é também o programa mais eficiente: cada real aplicado no PSR gera resultados seis a sete vezes superiores ao crédito rural, ao Proagro e às renegociações de dívidas. Ou seja, custa muito mais caro sustentar as outras políticas do que investir em seguro rural.
De 2006 a 2025, o PSR custou ao Brasil, em valores atualizados, R$ 11,1 bilhões. No mesmo período, apenas nos últimos cinco anos, as seguradoras pagaram aos produtores mais de R$ 20 bilhões em indenizações.
Enquanto isso, o governo edita uma MP prevendo R$ 12 bilhões em renegociações de dívidas, e o Proagro sozinho consumiu quase R$ 10 bilhões em apenas um ano (2023).
Não é preciso muito cálculo para perceber a urgência de readequar os gastos fiscais da política agrícola. Alô, TCU?
Área protegida mínima
Com apenas 2,5 milhões de hectares previstos em 2025, o seguro rural cobre menos de 4% da área agrícola nacional. O Brasil não precisa segurar 100% da produção, mas carece de uma política robusta e estável, capaz de proteger parcela significativa da área cultivada, oferecendo previsibilidade aos produtores e segurança ao sistema financeiro do agro.
Além da redução orçamentária, os atrasos nos repasses desorganizam o setor. Historicamente, os subsídios eram pagos em até 90 dias. Em 2024, o pagamento foi adiado para o exercício seguinte.
Agora, em 2025, a situação se repete: mais de R$ 500 milhões comprometidos ainda não foram quitados. Muitos contratos já ultrapassaram os 90 dias e se aproximam do limite legal de 180 dias.
O impacto é devastador:
- Seguradoras ficam descapitalizadas e reduzem operações;
- Resseguradoras internacionais perdem confiança no mercado brasileiro;
- Corretores enfrentam dificuldade para pagar salários;
- Peritos e reguladores perdem volume de trabalho em campo;
- Empresas de tecnologia que fornecem sistemas de gestão e monitoramento satelital sofrem retração.
Efeitos perversos
Sem apoio, a área segurada diminui, aumentando a exposição dos produtores e concentrando o risco. Isso gera seleção adversa, encarece o seguro e reduz a eficiência do gasto público. Agricultores atingidos por secas, enchentes ou geadas ficam desamparados e acabam forçados a renegociar dívidas — soluções paliativas que apenas empurram o problema para o futuro.
O paradoxo é inevitável: foi no governo Lula 1 que o PSR nasceu, pela Lei 10.823/2004. Agora, no Lula 3, o programa corre o risco de viver seu pior momento, justamente quando as mudanças climáticas se intensificam.
O desafio político
A decisão está nas mãos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, responsável pela área orçamentária. A continuidade do seguro rural depende de recomposição de recursos e da previsibilidade nos repasses. Caso contrário, o Brasil chegará à COP30 com um modelo de proteção fragilizado, em contradição com o discurso de sustentabilidade e resiliência climática.
Será que continuaremos sendo um país que insiste em respostas apenas emergenciais? Se assim for, o governo arcará com custos sociais e fiscais cada vez maiores, ampliará a vulnerabilidade de um setor vital e colocará em risco a própria segurança alimentar. Paradoxos não faltam sobre a mesa.


*Pedro Loyola é consultor em gestão de riscos agropecuários e financiamento sustentável e coordenador executivo do Observatório do Seguro Rural da FGV Agro.
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