Os bastidores do Parque São Jorge fervem com o avanço de uma auditoria interna que apura possíveis irregularidades envolvendo materiais esportivos fornecidos pela Nike, patrocinadora do Corinthians.
O documento, que foi entregue a Osmar Stabile, presidente do clube, e Romeu Tuma Júnior, presidente do Conselho Deliberativo, aponta aumento de 24% em relação ao volume de itens recebidos pela fornecedora entre 2024 e 2025, chegando a 41.963 peças, além de R$ 6,4 milhões em Notas Fiscais não lançadas em sistema entre 2024 e 2025 e uniformes oficiais comercializadas dentro das dependências do próprio clube por um funcionário.
Há ainda a citação à retirada de 131 itens registrados pelo Vice-Presidente do Corinthians, Armando Mendonça, entre 06 de junho e 30 de outubro de 2025, além de “ocorrências relevantes” em relação a “membros da diretoria” que, segundo relatório, “caracterizadas por comportamentos inadequados, incluindo atos de intimidação e situações configuradas como assédio moral.
Sobre falhas no planejamento de estoque dos materiais, o relatório da auditoria cita que foram solicitados à Nike 17.529 itens em janeiro. Ainda assim, “em setembro não havia a camisa principal para a partida contra o Fluminense”.
“Na partida realizada em 13 de setembro de 2025, pelo Campeonato Brasileiro, entre Fluminense x Corinthians, no Estádio do Maracanã, estava previamente definido que ambas as equipes utilizariam seus uniformes principais”, cita a auditoria interna realizada pelo clube, a qual a ESPN teve acesso.
“Às vésperas da partida, o Clube percebeu que não havia em estoque a quantidade suficiente de camisetas brancas para compor o uniforme principal do Corinthians. Diante da situação, Rafael Salomão entrou em contato com a Nike, solicitando a entrega do material com caráter de urgência; entretanto, devido aos prazos logísticos, a entrega não pôde ser efetuada a tempo. Como alternativa, o Corinthians entrou em contato com a Diretoria do Fluminense, solicitando autorização para que a partida ocorresse com ambas as equipes utilizando seus segundos uniformes. O Fluminense gentilmente atendeu o pedido”.
Veja outros pontos de destaque do relatório da auditoria realizada sobre materiais esportivos da Nike:
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Aquisições paralelas de itens licenciados: compra de 13.503 itens para uniformização, totalizando R$ 776 mil, apesar do fornecimento Nike não gerar custo ao Clube.
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Uniformes sem condições de uso: somando Nike e licenciados, o Clube recebeu até 30/10/2025, 55.466 itens de materiais esportivos. Volume expressivo, contudo, diversos atletas seguem com uniformes deteriorados, ou como na maioria dos casos, sequer possuem uniformes.
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Estoque de coleções antigas (desde 2014): almoxarifado do Parque São Jorge, com condições precárias de limpeza e organização.
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Retiradas sem solicitação formal: movimentações de materiais realizadas por dirigentes sem registro em sistema.
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Camisas para “relacionamento” da Diretoria: até 11 camisas por jogo são utilizadas para esse fim, resultando em mais de 700 camisas por ano. Contudo, são registradas no sistema em nome da rouparia, sem controle ou identificação dos destinatários.
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Inventário formal: no almoxarifado do Parque São Jorge não se realiza há mais de 4 anos, desde setembro/2021.
Os riscos apontados pelo relatório citam quatro pilares como fundamentais:
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Operacional: perda, extravio ou deterioração de materiais por má gestão de estoque;
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Financeiro: potencial prejuízo, por falhas de planejamento;
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Reputacional: risco à imagem institucional pela má distribuição de uniformes;
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Governança: fragilidade nos controles e no cumprimento das normas internas.
Comércio irregular de peças do Corinthians
A análise aponta ainda um caso de desvio de materiais que, segundo relatório, foi analisado após denúncia recebida durante a execução dos trabalhos da auditoria. Segundo documento, “o autor relatou a ocorrência de comércio irregular de materiais pertencentes ao Clube, tanto dentro quanto fora de suas dependências”.
“Com o objetivo de confirmar a veracidade das informações, em 11 de outubro de 2025 foram adquiridas duas camisetas Nike, ao valor de R$ 150,00 cada, totalizando R$ 300,00, sendo o PIX de pagamento vinculado a conta bancária do próprio funcionário do Clube”, citou a análise interna.
“Posteriormente, em 13 de outubro de 2025, foi realizada nova aquisição, pertencente à coleção 2025 (modelo roxo), reforçando os indícios da comercialização indevida de materiais institucionais. As três peças foram analisadas e confirmou-se que se trata de uniformes originais e de propriedade do Clube”.
A conclusão apontou a comercialização de materiais pertencentes ao clube, participação direta de funcionário na transação e realização da atividade ilícita dentro das dependências.
“Devido à gravidade dos indícios, um representante da equipe de auditores comunicou imediatamente o Presidente da Diretoria, Sr. Osmar Stabile, a fim de assegurar tratamento urgente e institucional ao ocorrido. O Presidente, ao ser informado, acionou os responsáveis pelas áreas competentes e dirigiu-se pessoalmente ao local para colher informações adicionais e acompanhou a apuração preliminar dos fatos”.
“O funcionário, ao ser questionado por seus superiores, reconheceu a participação no ato, confessando seu envolvimento no ocorrido. O caso foi encaminhado internamente aos departamentos competentes do Clube para a realização de apuração detalhada, visando à identificação das responsabilidades individuais e à adoção das medidas administrativas cabíveis”.
“Ocorrências de condutas inadequadas”
Em outro ponto do documento, o relatório cita “ocorrências de condutas inadequadas por parte de uma pessoa vinculada ao objeto auditado direcionadas à equipe de trabalho” durante o período da execução da auditoria interna, fato que é apontado como “pressões e tentativas de interferência na independência técnica dos auditores com indícios de ameaças”.
“O Vice-Presidente, Sr. Armando Mendonça, manteve duas conversas com o Sr. Marcelo Munhoes, nas quais demonstrou tom de preocupação em relação ao andamento dos trabalhos de auditoria”, citou o documento. “Em determinados momentos, contudo, o diálogo assumiu caráter mais incisivo, com expressões de natureza agressiva e alusões interpretadas como ameaças, dirigidas ao auditor”.
O relatório cita uma reunião entre o diretor de tecnologia Marcelo Munhoes e Rodrigo Garrote, representante da Nike, que contou inesperadamente com a presença de Armando Mendonça.
“Na data de 29 de setembro de 2025, o Sr. Rodrigo Garrote, responsável pelo atendimento da Nike ao Sport Club Corinthians Paulista, compareceu ao Parque São Jorge a convite da equipe de trabalho, para participar de uma entrevista. O encontro ocorreu na sala do Sr. Marcelo Munhoes, localizada no terceiro andar. Logo no início da conversa, o Sr. Armando Mendonça, adentrou a sala, após ter sido informado sobre a presença do Sr. Garrote no Clube pelo Gerente Administrativo, Sr. Rafael Salomão, que o havia encontrado no andar e avisou instantaneamente o Vice-Presidente”.
“Embora o Sr. Armando Mendonça não estivesse convidado para participar da reunião, ele permaneceu no local durante toda o encontro. Foi observada postura tendenciosa e tentativa de condução unilateral por parte do Sr. Armando Mendonça, que formulava perguntas e respondia-as ele próprio, gerando constrangimento e intimidação aos demais presentes. Diante do ocorrido, a reunião foi considerada pouco produtiva, motivo pelo qual, dias depois, uma nova conversa foi agendada com o Sr. Rodrigo Garrote”.
O documento cita ainda um “episódio relevante” envolvendo Ricardo Okabe, superintendente administrativo do Corinthians, e Reginaldo Nascimento, um dos auditores.
O trecho abaixo é retirado de uma possível conversa entre os dois sobre a auditoria realizada em relação aos materiais esportivos da Nike.
“Qualquer tipo de vínculo com ele (Munhoes), poderia lhe causar sérios problemas no Clube. O Munhoes tem incomodado alguns diretores da atual gestão. Ele precisa ser constantemente vigiado”, teria dito Ricardo Okabe a Reginaldo Nascimento.
Procurado pela ESPN através de sua assessoria de imprensa, Armando Mendonça negou que tenha ingerência sobre a manipulação de materiais esportivos da Nike nos almoxarifados do Corinthians.
“É falsa a informação de que sou o responsável pelas diretrizes de distribuição dos materiais da Nike no Corinthians e administração dos almoxarifados. Por conta do caos encontrado em junho deste ano, quando a gestão Augusto Melo não fazia o necessário controle e, em janeiro de 2025, já havia estourado em muito a cota anual, resolvi pessoalmente ajudar no sistema de cadeia de aprovações de retirada de material, justamente para dar maior transparência e controle à destinação do patrimônio do clube e evitar prejuízos e malfeitos. Desde então, solicito constantemente melhorias no sistema para o fluxo de controle de retirada de materiais Nike”.
“É preciso salientar que não é nem nunca foi de minha responsabilidade a definição de política de distribuição interna por departamento, o que normalmente é feito a cada ano. Minha função é a de analisar os pedidos extras e autorizá-los de acordo com as necessidades, juntamente com o departamento administrativo. Lamento profundamente informações desconectadas da verdade e desamparada de qualquer material probatório. No mais, sempre prestigiarei melhorias, maior controle e apuração correta de irregularidades”.
Sobre a citação envolvendo Marcelo Munhoes, Mendonça respondeu:
“Mais uma mentira. Internamente, tenho discordâncias em relação a processos do clube, o que é normal dentro de uma gestão. Nunca houve falta de respeito da minha parte, essa foi uma das razões para que eu entrasse com uma notificação extrajudicial”.


