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balanço do 1º mês e impactos no agronegócio

Em pouco mais de sete meses na Casa Branca, o presidente Donald Trump transformou profundamente a posição dos Estados Unidos no tabuleiro geopolítico global, assim como suas relações com outros países. A estratégia é clara: impor tarifas alfandegárias elevadas em setores estratégicos para pressionar parceiros comerciais, forçar concessões e fortalecer a indústria americana.

A tática já elevou a arrecadação tarifária a mais de US$ 100 bilhões em um ano fiscal, mas também trouxe efeitos adversos dentro do próprio país, como aumento de preços de bens de consumo e tendência de elevação inflacionária.

No caso do Brasil, a decisão mais dura foi anunciada em 9 de julho: tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, em vigor desde 1º de agosto. Trump justificou a medida alegando “relações injustas” e citou ainda fatores políticos, como o apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro, além da irritação com a agenda dos Brics e a defesa da desdolarização. Paralelamente, ordenou ao Representante de Comércio dos EUA (USTR) uma investigação com base na seção 301 da Lei de Comércio de 1974, instrumento que pode abrir caminho para novas retaliações unilaterais contra o Brasil.

O impacto já aparece nos números. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), as exportações brasileiras para os EUA caíram 18,5% em agosto, o equivalente a US$ 600 milhões a menos em relação ao mesmo mês de 2024.

A retração não se limitou aos produtos diretamente taxados: aeronaves, óleos e combustíveis, celulose e minério de ferro também sofreram quedas expressivas, reflexo da insegurança gerada pela medida. Entre os itens mais atingidos, destaque para minério de ferro (-100%), aeronaves (-84,9%), açúcar (-88,4%), carne bovina fresca (- 46,2%) e máquinas (-45,6%).

Vale notar que agosto ainda refletiu embarques programados anteriormente, o que sugere que os efeitos negativos podem se aprofundar nos próximos meses.

Apesar da perda nos EUA, o comércio exterior brasileiro mostrou resiliência. Houve alta de 3,9% nas exportações em agosto, puxada por maiores vendas para China (+29,9%), Argentina (+40,3%) e México (+43,8%). O superávit de US$ 6,13 bilhões foi garantido, sobretudo, pela agropecuária (+8,3%) e pela indústria extrativa (+11,3%), com destaque para soja, carne bovina, minério de ferro e açúcar. A diversificação de mercados é, portanto, um fator-chave para mitigar os efeitos do tarifaço.

Do lado diplomático, o setor privado se mobilizou rapidamente. Uma comitiva da Confederação Nacional da Indústria (CNI), com 130 empresários, esteve em Washington para participar da audiência pública da seção 301. Apesar da boa argumentação técnica, não houve resposta do USTR sobre possíveis exceções setoriais ou sobre a suspensão de sobretaxas adicionais. O sentimento predominante é de que o impasse não deve ser resolvido no curto prazo.

O cenário político também pesa. As tensões aumentam com o julgamento de Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) e com as críticas de Lula a Trump durante a presidência temporária do Brics. O governo brasileiro evita anunciar retaliações imediatas, mas avalia medidas sob a Lei de Reciprocidade Econômica, que autoriza restrições às importações, suspensão de concessões de propriedade intelectual e revisão de obrigações em acordos internacionais. Caso tais medidas sejam aplicadas, é provável que os EUA endureçam ainda mais, gerando uma escalada tarifária de difícil controle.

A experiência de outros países mostra que a saída passa pela negociação. China, Reino Unido, Vietnã e Indonésia conseguiram acordos comerciais mesmo sob pressão tarifária americana. O Brasil, embora disponha de maior poder de barganha que Vietnã e Indonésia, enfrenta um contexto político conturbado e menos espaço para concessões. Uma redução significativa das tarifas, para antigo patamar de 10%, parece improvável no curto prazo; alcançar uma alíquota média, que alivie parte do setor exportador, seria um cenário mais realista.

O balanço do primeiro mês é claro: o tarifaço já provoca perdas relevantes, especialmente no agronegócio, mas também escancara a importância da diversificação comercial brasileira.

A resposta precisa ser pragmática: buscar novos mercados, negociar com firmeza em Washington e avançar em acordos bilaterais. Ainda que o mercado americano seja estratégico para o Brasil, superar os desafios impostos pelas tarifas exige persistência diplomática e coordenação com o setor privado.

O caminho passa por manter canais de diálogo abertos, inclusive com o empresariado dos EUA, e por reforçar a capacidade de adaptação do agronegócio brasileiro diante de um cenário internacional cada vez mais instável.

* Rebeca Lucena é diretora de Relações Governamentais da BMJ Consultores Associados. Cofundadora da rede Women Inside Trade (WIT), é formada em Relações Internacionais pelo UniCEUB, com pós-graduação em Comércio Exterior e Negócios Internacionais pela FGV, e em Análise Política e Políticas Públicas pela UnB.


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