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Banco Master usa terreno em bairro pobre da Bahia como garantia

O bairro Geraldão, na periferia do município Santa Cruz Cabrália, na Bahia, está longe do cenário das praias sofisticadas da região. O local abriga barracos improvisados, tem terrenos reivindicados por famílias indígenas da tribo Pataxó e muros marcados por pichações do PCC, o que afasta qualquer interesse de investidores tradicionais. No entanto, o local é palco de mais um capítulo na história do Banco Master.

Apesar da precariedade, um terreno de 541 mil m² na área foi alvo de transações imobiliárias suspeitas. Inicialmente vendido por R$ 500 mil em junho de 2022 pela Mar Azul Construção para a FXF Empreendimentos Imobiliários, o imóvel foi repassado à Taipe Empreendimentos, do mesmo grupo, por R$ 900 mil em junho de 2023. Pouco depois, o valor do terreno saltou para cerca de R$ 100 milhões, conforme avaliação da Newmark, escritório de São Paulo.

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Esse aumento de 11.000% em apenas 25 dias surpreendeu o mercado e permitiu que a Griffood Brasil Alimentos, pertencente ao mesmo grupo, oferecesse o terreno como garantia para um empréstimo de R$ 356 milhões com o Banco Master, conforme apuração da revista Piauí. A própria Griffood afirmou que o banco recomendou a contratação da Newmark para a avaliação. Em dezembro de 2023, a operação foi aprovada, e o terreno ficou alienado ao banco até a quitação da dívida.

Daniel Vorcaro, dono do Banco Master | Foto: Reprodução/Redes sociaisDaniel Vorcaro, dono do Banco Master | Foto: Reprodução/Redes sociais
Daniel Vorcaro, dono do Banco Master | Foto: Reprodução/Redes sociais

Para determinar o valor, a Newmark utilizou referências de terrenos à beira-mar, localizados até 23 km do Geraldão, e ignorou as disputas fundiárias locais. Segundo a avaliação, a venda imediata do imóvel renderia R$ 71,2 milhões. No entanto, corretores e imobiliárias da região consideram o valor irreal e apontam que o terreno jamais atingiria tal cifra em uma negociação real.

A operação levantou dúvidas no Banco Central, que ainda não aprovou a compra bilionária do Banco Master pelo Banco de Brasília (BRB), anunciada em 28 de março, devido a questionamentos sobre ativos e práticas do Master. O CDB do banco, que já chegou a oferecer 130% do CDI, acima do mercado, também está na mira da autarquia.

Toda a história do Banco Master é envolta por suspeitas, conforme detalhou o jornalista Carlo Cauti, em reportagem para a Edição 263 da Revista Oeste. O banco “sempre deixou muita gente perplexa, especialmente pelo seu crescimento meteórico, pelos gastos faraônicos com suas sedes, pela ostentação de seu diretor-presidente, Daniel Vorcaro, pelos investimentos com retornos duvidosos e pela inexplicável generosidade nos juros oferecidos em seus papéis”.

O terreno em Santa Cruz Cabrália abriga casas revestidas por lona onde moram famílias da tribo Pataxó | Foto: Reprodução/Revista Piauí

A compra do Banco Master pelo BRB, por R$ 2 bilhões, seria a primeira vez em 40 anos um banco público adquire um particular. “No Brasil sempre ocorreu o oposto, com instituições financeiras privadas que absorviam entidades públicas privatizadas”, destacou Cauti.

Contexto local e reações do mercado imobiliário

Santa Cruz Cabrália, com cerca de 30 mil habitantes, integra a Costa do Descobrimento e enfrenta altos índices de violência. Em 2022, o município figurou entre as cidades brasileiras com maior número de mortes violentas, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O terreno, longe de áreas valorizadas, nunca despertou interesse para empreendimentos de luxo, o que torna a valorização ainda mais questionável.

Em julho de 2023, um corretor de imóveis foi contratado para viabilizar um loteamento popular no terreno. Ele receberia 6% do valor da revenda e alguns lotes. O profissional estimou o valor em R$ 10 milhões, já considerando potencial de construção e indicadores do mercado.

Fachada do Ministério Público Federal, órgão que investiga compra do Banco Master pelo BRBFachada do Ministério Público Federal, órgão que investiga compra do Banco Master pelo BRB
Fachada do Ministério Público Federal, órgão que investiga compra do Banco Master pelo BRB | Foto: Andrevruas/Wikimedia Commons

Pouco tempo depois, descobriu que o imóvel havia sido usado como garantia para um empréstimo de R$ 356 milhões, o que o deixou surpreso e motivou uma ação judicial para cobrar comissão de R$ 23 milhões.

A juíza Tarcísia de Oliveira Fonseca Elias, da Vara de Relações de Consumo, Cíveis e Comerciais de Cabrália, reconheceu indícios de fraude financeira e bloqueou o imóvel, além de determinar o bloqueio de R$ 23 milhões das contas da Taipe e remeter o caso aos Ministérios Públicos Estadual e Federal. O processo segue tramitação na Justiça local.

De acordo com Cristina Helena de Mello, professora de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, usar terras ocupadas por indígenas como garantia é um gesto grave. “Terras ocupadas por povos originários têm proteção constitucional e não podem ser livremente negociadas”, disse à Piauí.

João Jacques Galvão Lima, responsável pela Griffood, aparece em registros oficiais como “pescador artesanal” e declarou ser “pobre na forma da lei” em um processo no Ceará. A revista apurou que Lima não reside no endereço declarado e é pouco conhecido localmente.

Ele confirmou o empréstimo do Master, mas alegou que a operação envolveu outros investidores e fundos, sem detalhar os termos, citando sigilo bancário.

Empresas do grupo, como Taipe e Griffood, trocam de sócios e endereços frequentemente, com mais de 80 firmas ligadas ao conglomerado, a maioria do ramo alimentício. O empresário Edson José Bandeira Braga Filho, associado ao grupo, responde a 133 processos judiciais e afirmou à Piauí que Lima é o dono da Griffood, sem comentar sobre o empréstimo.

Pichação do PCC em muro do bairro Geraldão | Foto: Reprodução/Revista Piauí

Lima negou ser pescador e disse que seu negócio é a produção de alimentos congelados, gerando emprego para mais de 700 famílias. Ele atribuiu à filha a falta de conhecimento sobre suas atividades e explicou ter usado seu nome na sociedade para ajudá-la.

Lima defendeu a lisura da operação com o Master. “O Banco Master, detentor do recurso, me emprestou dizendo que acatava aquilo como parte das garantias. Independentemente do valor, ele acatou e me liberou”, disse à Piauí.

Questionado sobre as suspeitas de irregularidades, Lima afirmou que eventuais falhas “devem ser apuradas no banco”. Ele declarou ter investido parte do empréstimo na Griffood e o restante aplicado no próprio Master, embora documentos apontem dificuldades financeiras e pedidos de falência contra a empresa, que possui R$ 1,53 milhão em dívidas protestadas.

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Banco Master se defende

O Banco Master respondeu que a operação “foi realizada em total conformidade com as regras previstas no Manual de Crédito da Instituição”, afirmando que o crédito já foi quitado e não há pendências com a Griffood. A instituição não detalhou como ocorreu a quitação nem forneceu datas.

Segundo o economista Roberto Luis Troster, ex-chefe da Federação Brasileira de Bancos, “se o crédito for usado em um empreendimento rentável e lícito que gere recursos para pagar o empréstimo, é uma operação inteligente. Se não for assim, é uma operação estranha, suspeita, e causa prejuízos.”

Para Lima, pegar o empréstimo “valia a pena”. No encerramento da entrevista à Piauí, ao ser perguntado se tudo não seria muito estranho, Lima respondeu: “Tem muita coisa estranha no Brasil”.

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