Tornozeleiras eletrônicas funcionam como uma espécie de prisão sem grades. Quem as usa até consegue transitar por alguns lugares, mas não pode sequer se aproximar de tantos outros. Via de regra, também há uma hora certa para chegar em casa. O nome do ex-presidente Jair Bolsonaro entrou, nesta sexta-feira, 18, para a lista das mais de 100 mil pessoas no Brasil com essas restrições.
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Se, literalmente, algum deles pisar fora da linha ou resolver sair para comprar uma dipirona depois do horário limite, é provável uma viagem direta para a cadeia. O monitoramento acontece 24 horas por dia. Nessas horas, o aparato estatal sabe, segundo a segundo, onde o tornozelado está. Porém, há um outro rastreador que monitora a vida de todos os Brasileiros.
Rastreador de bolso
De fato, quase todos os smartphones também fazem o mesmo serviço — e isso sem nenhuma determinação da Justiça. A diferença é que, ao menos em tese, os dados ficam sob sigilo. Mas há uma lista de agentes com acesso a essas informações.
Entre eles: as companhias que administram as torres de celular, as donas dos sistemas operacionais dos aparelhos, as gestoras de aplicativos, os administradores dos servidores. E não para por aí.
Até um adolescente pentelho que tenha dado um jeito de burlar o sistema conseguiria essas informações. Pode ser, por exemplo, o vizinho de parede ou o namorado desconfiado. A vida virou um big brother tão indiscreto que nem sequer George Orwell, autor de 1984, poderia imaginar.
Tornozeleiras no sistema penal do Brasil
Em seu levantamento público mais recente, o governo federal registrou 122 mil pessoas usando tornozeleira eletrônica por determinação da Justiça em todo o país. São os números do balanço da Secretaria Nacional de Políticas Penais para o segundo semestre de 2024.
Desse total, cerca de mil monitorados são de Brasília. A capital também abriga o endereço onde a Polícia Federal instalou o equipamento em Bolsonaro. Há somente uma central responsável pelo monitoramento em todo o Distrito Federal — o mesmo número disponível em Goiás, Estado que o cerca. Ao mesmo tempo, existem 166 locais como esse espalhados por todo o território nacional.
Ao todo, 26 Estados e o Distrito Federal formam a União. Em setembro de 2022, o sistema penal brasileiro contava com cerca de 172 mil tornozeleiras. Ou seja, havia por volta de 50 mil em capacidade ociosa.
Livres, leves e soltos em Brasília
Quando houve a prisão de Lula, em abril de 2018, menos de 10 mil equipamentos constavam no sistema. Havia uma boa fila de espera para enfeitar a perna com o dispositivo. O déficit passava de 700.
Naquela época, o sistema penal não mantinha esses equipamentos no Distrito Federal. Apenas oito Estados contavam com o dispositivo: Acre, Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte, Roraima, Rio Grande do Sul, Sergipe e Tocantins.
Somente no relatório do primeiro semestre de 2020 começou a aparecer capacidade ociosa no sistema. Na época, eram quase 52 mil aparelhos instalados e por volta de 13 mil em capacidade ociosa. Eles estavam espalhados por 25 Estados e o Distrito Federal. Só Goiás e Minas Gerais ficaram de fora.
Fase de testes
Em 2007, cinco sentenciados foram os primeiros a usar tornozeleiras eletrônicas em todo o Brasil. No começo, era um teste da Justiça na Paraíba. Os monitorados eram voluntários. O caso aconteceu por meio do programa-piloto “Liberdade Vigiada — Sociedade Protegida”, criado e implantado em Guarabira, por Bruno Azevedo, na época juiz da comarca no interior do Estado.
A tecnologia utilizada? Os chips de celular, adaptados para as tornozeleiras no Brasil. A tecnologia recebia o nome de GSM. Naquele ano, os primeiros smartphones já ficavam em muitos bolsos. Porém, o preço ainda os mantinha restritos a poucos abastados. Hoje, os celulares com tantas funções quanto os computadores fazem parte da vida de praticamente todos os Brasileiros — até dos que não têm um tento para dormir. Todos, sob a vigia dos data centers.