Depois de um primeiro dia de negociações sem grandes anúncios, muitos imaginaram que o “tarifaço” de 50% imposto pelos Estados Unidos contra produtos brasileiros continuaria a travar o comércio entre os dois países por muito tempo. Mas os bastidores mostram o contrário: há um movimento coordenado para resolver o impasse rapidamente, e o agronegócio pode ser o maior beneficiado.
As sobretaxas sobre carnes, café, açúcar e etanol representam perdas anuais estimadas em US$ 5,8 bilhões, segundo a CNA. Só a carne bovina viu as vendas aos EUA caírem quase 50%, e o açúcar, 74%. Esses números explicam por que o tema virou prioridade máxima em Brasília: num cenário de crédito caro e margens apertadas, qualquer barreira extra atinge em cheio milhões de famílias do campo.
O que esperar daqui para frente
Apesar do impasse inicial, o Itamaraty e o Departamento de Estado americano definiram um cronograma de reuniões técnicas para as próximas semanas, com foco nos setores mais afetados. Isso mostra que as negociações não são protocolares: há um roteiro concreto e vontade política dos dois lados.
Tanto Lula quanto Donald Trump já sinalizaram disposição para encerrar a “guerra tarifária”. Trump, em plena corrida eleitoral, vê no Brasil um parceiro estratégico. Lula quer provar que pode destravar barreiras sem abrir mão da soberania nacional.
Os EUA enfrentam inflação persistente em alimentos e precisam de fornecimento estável de carne, café e açúcar. O Brasil, por sua vez, quer o mercado dos Estados Unidos de alto valor agregado e diversificar destinos além da Ásia.
O que muda no campo
O que pesa para o produtor brasileiro também encarece a mesa do consumidor americano.
Esse interesse convergente torna o acordo não apenas possível, mas provável em curto prazo.
Enquanto diplomatas negociam, o setor produtivo precisa se antecipar. Empresas exportadoras devem revisar contratos, ajustar estoques e manter diálogo com autoridades comerciais. Quando o acordo sair, tudo indica que será em breve, quem estiver preparado sai na frente.
O Brasil já redirecionou parte das exportações para outros mercados, como a China, que aumentou em 38% as compras de carne brasileira em setembro. Ou seja, o país negocia em posição de força, não de dependência.
O primeiro dia pode ter sido morno, mas o enredo é promissor. Há vontade política, agenda em andamento e pressão econômica de ambos os lados. O diálogo avança, e com ele vêm a correção da injustiça da qual fomos vítimas. Não se trata de esperar, mas de se preparar. Quando a porteira abrir, quem estiver pronto será o primeiro a atravessá-la.


*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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