Na mitologia grega, Sísifo foi condenado pelos deuses a empurrar uma enorme pedra até o topo da montanha, apenas para vê-la rolar de volta, repetindo o tormento por toda a eternidade. Essa imagem, tão carregada de desespero e resignação, parece se encaixar como metáfora perfeita para o Brasil e sua história marcada por um sofrimento persistente: o peso de uma classe política que, ao longo das décadas, falha em conduzir o país a um verdadeiro avanço econômico e social.
O fardo que carregamos não é uma rocha de mármore, mas um conjunto de promessas não cumpridas, reformas inacabadas e políticas públicas que oscilam entre o improviso e a conveniência eleitoral. A cada ciclo eleitoral, o povo brasileiro, especialmente o produtor rural, pilar de nossa economia, é levado a acreditar que, desta vez, a pedra chegará ao topo. Mas logo ela rola de volta, esmagando esperanças e perpetuando o sofrimento.
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Se existe um segmento que encarna como ninguém essa metáfora, é o agronegócio brasileiro. Nossos produtores rurais empurram diariamente a pedra do trabalho árduo, da produção que alimenta milhões dentro e fora do país, da busca por crédito justo, logística eficiente e segurança jurídica.
Mas o que recebem em troca? Burocracia sufocante, infraestrutura precária, insegurança regulatória e políticas públicas que mais confundem do que ajudam. A cada safra, enfrentam juros elevados, endividamento crescente, barreiras comerciais internacionais e um Estado que, em vez de abrir caminhos, muitas vezes cria obstáculos.
Enquanto isso, a classe política, que deveria ser a guardiã de um projeto nacional, prefere viver no curto prazo: troca visão estratégica por interesses de ocasião, gasta energia em disputas de poder e deixa o país preso à eterna condenação do improviso. É como se Brasília tivesse assumido o papel dos deuses na tragédia de Sísifo, condenando o Brasil a nunca atingir o patamar que poderia alcançar.
A pergunta que se impõe é: até quando? Até quando aceitaremos empurrar a pedra do atraso? O mito nos mostra um destino imutável, mas a história dos povos nos ensina que nenhum fardo é eterno quando existe consciência coletiva e vontade política de mudança.
O Brasil tem recursos, capacidade produtiva, inteligência e talento suficientes para transformar o castigo em vitória. O que falta é coragem de romper com a mediocridade e exigir de sua classe dirigente um compromisso real com o futuro.
O drama de Sísifo não é apenas uma metáfora do sofrimento nacional: é um alerta. O Brasil não está condenado por maldição divina, mas por escolhas humanas — escolhas de uma classe política que insiste em sacrificar o futuro pelo presente. Enquanto produtores rurais e trabalhadores seguem empurrando a pedra com suor e sacrifício, as lideranças que deveriam abrir o caminho permanecem paralisadas na conveniência.
Romper esse ciclo não é uma opção: é uma necessidade histórica. Se não houver mudança profunda, continuaremos sendo um gigante fadado a viver como Sísifo — empurrando, dia após dia, a mesma pedra da esperança que nunca chega ao topo.


*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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