O sucesso do pistache nos Estados Unidos mostra que marketing e estratégia transformam commodities em desejo global. O Brasil, com frutas únicas como a jabuticaba, açaí e outras, pode seguir o mesmo caminho, gerando renda, marca e sustentabilidade a partir da floresta.
A Califórnia, com seus verões quentes e secos, possui condições ideais para o cultivo da oleaginosa. Mas o que realmente alavancou o negócio foi o investimento pesado em pesquisa agrícola e em posicionamento de mercado. O setor americano criou campanhas de consumo, ampliou a presença em feiras internacionais, investiu em embalagem, branding e associou o produto aos benefícios da alimentação saudável. Resultado: aumentou a demanda global e consolidou um mercado multimilionário.
E o Brasil nisso tudo? Nós não produzimos pistache, mas somos grandes consumidores — importamos quase tudo dos EUA. Essa realidade nos leva a uma pergunta: por que não fazemos o mesmo com o que só nós temos?
Frutas nativas e o potencial da floresta
Na Amazônia, quase 1 milhão de brasileiros vivem em situação de pobreza, mesmo rodeados por um verdadeiro tesouro: frutas como açaí, cupuaçu, bacaba, camu-camu, buriti, entre muitas outras. Todas com alto valor nutricional e potencial de mercado, ainda pouco exploradas.
Veja as qualidades de algumas frutas nativas e as possíveis utilizações
- açaí: rico em antioxidantes | alimentos, bebidas energéticas, cosméticos
- cupuaçu: polpa cremosa e aromática | sorvetes, sucos, chocolates “nacionais”
- camu-camu: altíssimo teor de vitamina C | suplementos naturais, cosméticos
- buriti: fonte de betacaroteno e vitamina A | óleos vegetais, cosméticos, alimentos funcionais
- castanha-do-pará: rica em selênio | snacks saudáveis, óleos e farinhas
- bacaba: similar ao açaí, mas menos conhecido | sucos, vinhos naturais
- jabuticaba: exclusiva do Brasil | vinhos artesanais, geleias, licores e gourmetização
Com investimento técnico, acesso ao crédito e estratégias de marketing bem definidas, essas frutas podem sair da floresta direto para o mercado internacional com selo de origem, apelo sustentável e identidade cultural.
O desafio: transformar natureza em produto
Para que isso aconteça, precisamos de um esforço coordenado entre governos, cooperativas, Sebrae, universidades e setor privado. A receita já está testada:
- tecnologia para agregar valor e conservar os produtos;
- capacitação para produtores e comunidades;
- marketing para posicionar essas frutas como exclusivas, sustentáveis e desejáveis.
Não basta ter o melhor produto: é preciso vender a história, a origem e o propósito. E nisso, o Brasil tem um diferencial competitivo que nenhum outro país possui — a maior biodiversidade do planeta e a cultura que a acompanha.
Outro exemplo é a jabuticaba, fruta 100% brasileira, com sabor, cor e aroma únicos. Ela não existe em outro lugar do mundo. Com posicionamento de marca correto, pode se tornar um símbolo gourmet da brasilidade, assim como o pistache se tornou símbolo de sofisticação saudável nos EUA.
Não é exagero imaginar um produto brasileiro com preço de luxo. Em Dubai, uma caixa de chocolates artesanais com frutas brasileiras pode ultrapassar R$ 500, graças ao apelo de exclusividade e sofisticação. O que falta ao Brasil é transformar jabuticaba, camu-camu ou cupuaçu em marcas com propósito, identidade e desejo no mercado global.
Nesse sentido, empresas brasileiras com atuação global poderiam liderar esse movimento. A JBS, maior empresa de alimentos do mundo, com presença em mais de 100 países e uma estrutura consolidada de marketing internacional, está fortemente empenhada em práticas de sustentação ambiental. Ao adotar um projeto de valorização de frutas nativas da Amazônia, a empresa teria a oportunidade de não apenas diversificar seu portfólio, mas também contribuir para mudar a realidade de milhões de brasileiros que vivem em situação de pobreza na floresta — integrando sustentabilidade com geração de renda.
Essa iniciativa poderia contar ainda com uma parceria estratégica com o Sebrae, que já atua fortemente na capacitação de pequenos produtores da agricultura familiar. Com apoio técnico, orientação em gestão e acesso a canais de comercialização, o Sebrae ajudaria a estruturar essas cadeias produtivas e promover o empreendedorismo rural sustentável com base na biodiversidade brasileira.
O que falta? Integração entre ciência, mercado e imagem
Se o pistache conquistou o mundo, por que a jabuticaba não pode? bem como os frutos da floresta podem gerar renda, desenvolvimento e protagonismo global — desde que saiba comunicar isso.

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
O Canal Rural não se responsabiliza pelas opiniões e conceitos emitidos nos textos desta sessão, sendo os conteúdos de inteira responsabilidade de seus autores. A empresa se reserva o direito de fazer ajustes no texto para adequação às normas de publicação.