O Tribunal de Contas da União (TCU) considerou irregulares as prestações de contas apresentadas pela Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM) e pelo ex-presidente Alaor Azevedo na gestão de recursos públicos repassados para ações de preparação da seleção nacional para as Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016.
A CBTM disse à reportagem que recorreu da decisão, que pede a devolução de mais de R$ 6 milhões aos cofres públicos.
A sessão foi realizada em junho, presidida pelo ministro Jorge Oliveira, e condenou o ressarcimento solidário dos valores, o que significa que tanto Alaor quanto a CBTM são igualmente responsáveis pela devolução do total cobrado. Na prática, o valor pode ser cobrado integralmente de qualquer um dos dois — e, caso apenas um efetue o pagamento, o outro poderá buscar ressarcimento na Justiça.
O valor total do débito apurado é de R$ 6.210.466,50, atualizado até julho de 2023. Desse montante, o TCU autorizou o abatimento de R$ 119.497,28, relativos à contratação da empresa de assessoria contábil, considerada como serviço efetivamente prestado.
Dessa forma, o valor remanescente a ser devolvido gira em torno de R$ 6,09 milhões, sujeito a atualização e acréscimo de juros até o pagamento. Além disso, o TCU aplicou multa individual de R$ 100 mil para Alaor e para a CBTM.
Assim, tanto o ex-presidente, que atua hoje como assessor especial, como a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa terão que pagar essa dívida em 36 parcelas mensais e sucessivas, sobre as quais incidirão os correspondentes acréscimos legais, como atualização monetária e juros de mora.
O processo analisou a execução do Convênio nº 778138/2012, firmado então com o Ministério do Esporte, no valor de R$ 4,8 milhões. A auditoria apontou que apenas 14,84% das metas previstas foram de fato cumpridas, e houve uma série de irregularidades, como:
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despesas fora do escopo aprovado (como alimentação no Brasil, passagens e hospedagens de pessoas não listadas no plano original);
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prestação de contas incompleta;
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alterações não autorizadas no plano de trabalho;
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falhas na execução de metas com sparrings e na assessoria contábil;
A Controladoria-Geral da União (CGU) e o próprio TCU identificaram problemas na documentação, indícios de uso indevido dos recursos e ausência de comprovação sobre parte dos serviços contratados.
Alaor Azevedo e a CBTM argumentaram que houve atraso no repasse das verbas, falhas técnicas no sistema SICONV e que as metas foram parcialmente cumpridas, com conquistas importantes no ciclo olímpico — como medalhas nos Jogos Pan-Americanos de Toronto em 2015. Mesmo assim, o TCU entendeu que as justificativas não afastam a responsabilidade pela má gestão.
De acordo com a Dra. Karina Marra, advogada especialista em Direito Público e sócia do Deborah Toni Advocacia, esse caso é muito grave.
“Isso não é uma falha técnica, somente. Isso é um descaso com o dinheiro público e com os atletas. O acórdão foi muito bem fundamentado e considerou um erro grosseiro. A multa foi aplicada porque a má gestão do dinheiro público não pode ser tratado como erro administravivo, mas como um erro grave de prestação de contas. Menos de 15% do recurso foi aplicado para o que ele deveria ser.”, explicou em entrevista exclusiva para a ESPN.
O pedido de ressarcimento do dinheiro desse convênio, firmado em 2012 e com investimentos até 2016, só veio à tona agora, quase 10 anos depois, por conta de uma série de apurações e recursos entre as partes. De acordo com os autos, o processo não ficou parado em nenhum momento.
“A documentação referente à prestação de contas encaminhada, em sua totalidade, apenas em 10/11/2017, quando se iniciou a análise e instrução do processo pelas áreas competentes no âmbito do Ministério do Esporte. A análise nesse âmbito foi concluída apenas em 2021, sendo os autos foram remetidos ao TCU em maio de 2021 para julgamento.”, explicou o Dr. André de Sá Braga, especialista em Direito Administrativo e Sócio do Caputo, Bastos e Serra Advogados, também em entrevista à ESPN.
A advogada Karina ainda destaca sobre essa demora no processo. “Nesse acórdão, a CBTM e o ex-presidente tentaram alegar que estava prescrito, mas não está. Tanto que essa multa e dívidam voltaram atualizadas. Então, são vários recursos que as partes têm direito até chegar nesse acórdão.”
O ex-presidente Alaor Azevedo atua hoje na Confederação Brasileira de Tênis de Mesa como assessor especial da entidade, algo que a especialista em administração pública enxerga com maus olhos.
“No mínimo, é antiético. Ele respondendo por má-aplicação de recurso público e recebendo dinheiro público, é no mínimo antiético. A confederação tem uma governança e, com o compliance, isso deve ser apurado.”
Por fim, a especialista explica que a confederação não pode usar qualquer recurso para quitar essa dívida.
“O convênio é um recurso carimbado, ele foi repassado para a preparação até os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Então, esse recurso deveria ser utilizado para isso e ele não foi. Então, para onde foi esse dinheiro? Por isso apuração. Todo convênio tem uma prestação de contas, foi aí que o TCU pegou todas as inconsistências. Ou seja, o convênio precisa ser utilizado ou devolvido.”
Por fim, André destaca que o caso não se encerra aqui. “A decisão não está definitivamente estabilizada, então, pode ser reformada por um recurso.”
A reportagem da ESPN entrou em contato com Alaor e com a CBTM. As duas partes enviaram um para a imprensa.
“Em atenção à divulgação de decisão proferida no processo administrativo nº 014.680/2021-1, em trâmite perante o Tribunal de Contas da União, a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM) vem esclarecer que a referida decisão, que não transitou em julgado, omitiu-se em relação a diversos argumentos e provas documentais apresentadas pela CBTM no processo que comprovam o regular emprego dos recursos públicos nos projetos relacionados ao ciclo olímpico Rio 2016, cujas contas estão sendo analisadas, como determina a legislação. A CBTM recorreu da decisão e aguarda os desdobramentos pertinentes.
Diversos projetos de natureza semelhante, com documentação de suporte equivalente, já foram analisados tanto pela área técnica do Ministério dos Esportes quanto pelo próprio Tribunal de Contas da União e tiveram suas contas regularmente aprovadas, como mais recente da TC 018.502/2024-5, cujo julgamento que decidiu pela aprovação das contas ocorreu na sessão de 25.05.2025 daquele Tribunal.
Diante do exposto, repudiamos veementemente quaisquer comentários oportunistas e desprovidos de fundamentação jurídica idônea, reiterando nosso compromisso com a transparência e a legalidade na utilização dos recursos públicos que sempre pautou a atuação da CBTM e de seus dirigentes.”
O caso é mais uma polêmica envolvendo o tênis de mesa brasileiro. Como noticiou a ESPN, denúncia de medalhistas paralímpicos de exigências abusivas da CBTM fez com que o Ministério do Esporte se pronunciasse e “derrubasse” as medidas atendendo parte da exigência dos atletas.