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Corinthians E-Sports está em crise com salários atrasados e exclusão de torneio

O Corinthians E-Sports atravessa uma forte crise, enfrentando salários atrasados em diversas modalidades, processos judiciais e denúncias, em cenário que já gerou até exclusão de competição. A CDS, empresa responsável pelo departamento de jogos online do clube desde 2022, garante que vai honrar todos os compromissos e planeja quitar os débitos até o final de agosto.

Os problemas afetam atletas e também outros funcionários, em denúncias que ganharam força através do perfil “Torcida SCCP”, especializado na cobertura do departamento de E-Sports do Corinthians nas redes sociais.

A crise chegou ao auge no dia 23 de julho, quando a equipe de Free Fire do Corinthians E-Sports foi cortada do maior campeonato nacional da modalidade, o Free Fire World Series Brasil (FFWSBR). O time alvinegro foi impedido de participar da segunda temporada do ano devido ao “não cumprimento de obrigações com a Garena”, que administra o torneio – a empresa responsável preferiu não se pronunciar a respeito da desclassificação quando questionada pela ESPN.

Todos os atletas da equipe rescindiram o contrato por falta de calendário e o futuro do time é incerto. Milson Januário, CEO da CDS, se defendeu diante das críticas recebidas com a repercussão negativa do caso nas redes sociais.

“Você pode falar que sou incompetente, é questão de juízo de valores. Agora, fazer afirmação do tipo que é ‘vagabundo’, ‘aproveitador’, ‘assediador’, tudo isso é de uma baixeza… A quem interessa a destruição do projeto? Seria àquelas organizações que estão assediando nossos jogadores? O jogador vai lá, é campeão e tem alguém oferecendo um contrato para ele? Larga o Corinthians, vamos bater no Milson, o bandido.”

Os bastidores da crise

Na Justiça, a CDS enfrenta mais de cinquenta processos trabalhistas, em diferentes estágios. Em alguns, a empresa já foi condenada, em outros, ainda recorre. O Sport Club Corinthians Paulista está isento da responsabilidade, como o contrato de licenciamento de marca estabelece.

Em relação aos atrasos nos pagamentos, o problema começou em abril, com os salários referentes a março. São diversas modalidades vivendo a situação, como publicado pelo “Torcida SCCP” e confirmado pela ESPN: Free Fire, League of Legends (LoL), eFootball, Honor of Kings (HoK), PUBG, VALORANT, Stand Off, Mobile Legends.

Existem situações diferentes entre as modalidades, tanto na forma de pagamento, quanto cronologia de quando as cifras deveriam ser pagas, mas a maioria chegou a três meses sem receber em agosto.

A reportagem conversou com diversas pessoas que passaram pela CDS sob anonimato, para proteção de carreiras e cargos. Um ponto comum entre todos é a existência de um contrato que estabelece a necessidade de confidencialidade por tempo indeterminado mesmo após a rescisão, passível de multa, muitas vezes, de R$ 100 mil. Diversos procurados preferiram não se pronunciar.

Os atrasos, frequentemente, não se limitavam somente ao salário, mas também aos auxílios garantidos: moradia e alimentação. Houve também promessa não concretizada de plano de saúde. Um caso precisou recorrer à arrecadação online após receber carta de despejo.

Outro incômodo é com a insuficiência de investimentos. Em um campeonato, a CDS deu uma ajuda de custo de R$ 60 por pessoa por dia visando todas as necessidades de alimentação. Quem passasse dessa quantia, deveria pagar à parte. Houve mais uma situação semelhante, na qual a equipe teve que dividir R$ 300 reais ao longo de mais de dez dias durante um bootcamp. Em outra viagem, a cobertura financeira da CDS ao atleta cobria apenas almoço e jantar.

Milson Januário disse que, em campeonatos oficiais, há o subsídio da organizadora, mas que a CDS não é obrigada a arcar com os demais gastos. “Ninguém teve que pôr dinheiro para custear nada”, garantiu, em versão diferente da ouvida pela reportagem com pessoas ligadas aos times.

Os problemas se estendem também a infraestrutura básica e garantida por contrato, como fornecimento de uniformes. A equipe de VALORANT, que está sem salário há quatro meses e com valores de premiação pendentes, lamentou a chegada da roupas apenas na metade do segundo split do campeonato. A CDS justificou sendo uma “questão logística”, devido a um atraso da empresa que produzia o vestuário.

Diante do atraso de salário, atletas e staff manifestaram a vontade de se desligar da organização. A CDS, por sua vez, tem evitado quebras de contrato, mas muitos relataram dificuldade de tratar com a gestão sobre os pagamentos em aberto.

As denúncias, porém, não podem ser generalizadas. Nem todas as equipes da organização sofrem as mesmas coisas. A de HoK, por exemplo, ainda que tenha completado três meses de atraso, fez questão de pontuar que sempre foram tratados muito bem e conseguiram a rescisão sem dificuldades. Outros times, ex-jogadores e funcionários afirmaram que nem todos recebiam os mesmos tratamentos, e que o único ponto em comum eram as pendências recorrentes nos salários e a falta de posicionamentos dos administradores.

CDS, processos e imputação de crime

O Corinthians, enquanto instituição, entrou no mundo dos esportes eletrônicos em 2017, em parceria com a organização Red Canids. Entre idas e vindas, a equipe alvinegra cresceu e se sagrou campeã mundial de Free Fire em 2019, primeira equipe brasileira a conseguir tal feito. “Se você falasse do Corinthians dois anos atrás, era o sonho de qualquer pessoa entrar, era um dos maiores cenários”, admitiu um profissional do jogo em questão.

Em 2021, o clube deu um passo a mais criando o Departamento de E-Sports. A Nomad, empresa de administração e desenvolvimento de projetos especiais de games, assumiu o projeto neste momento. Em 2022, seis meses após a efetivação da Nomad, a gestão passou para as mãos da CDS, sob licenciamento.

A dona da CDS nesse primeiro momento era Tate Costa. Em entrevista exclusiva à ESPN, acompanhada por seu advogado Rudolf Rocha, ela contou que, ao assumir o licenciamento do Corinthians E-Sports, precisou lidar com dívidas antigas herdadas da administração anterior.

“No projeto que apresentei, eu não contava com equipe de Free Fire [então comandada pela Nomad], mas acabei precisando absorver a equipe e terminar a temporada sem modificar os jogadores e staff do time”, disse ela, que cumpria os pagamentos pendentes ao mesmo tempo que montava uma equipe “forte” para o ano seguinte.

Porém, as dificuldades financeiras não tardaram a aparecer. “Acrescentou um negócio milionário na minha conta, eu tinha quitado as dívidas da empresa anterior… Começou ali um lugar que não era tão saudável, porque a conta não fechava nunca”, admitiu Tate. No primeiro ano de trabalho já surgiram as primeiras denúncias de não pagamento de salários. Desde então, a organização acumulou escândalos de dívidas com aluguéis, problemas de infraestrutura e processos judiciais.

O caso mais famoso da época é a disputa entre Siandro “Tatu” Cammassola e a CDS, que começou ainda em 2022 e corre até o presente momento devido ao não pagamento da indenização estipulada pela Justiça. O atleta de Free Fire ganhou a causa de restituição trabalhista e de danos morais – devido, entre outras coisas, ao envio de marmitas azedas e com larvas.

A entrada de Milson Januário no Corinthians E-Sports

Corintiano roxo, Milson Januário se aproximou do projeto de Tate Costa em abril de 2024, por meio de um sócio minoritário da antiga dona. Ele estudou sobre o assunto e ganhou interesse ao perceber o potencial de crescimento do setor. Em um primeiro momento, ele seria apenas um acionista. Com o passar do tempo, o empresário quis se envolver cada vez mais com a organização, investindo altos valores. Quando a conta ficou alta demais, solicitou ser reconhecido legalmente como acionista majoritário. Tate, sem condições de arcar mais com as dívidas, aceitou.

O objetivo do novo dono era aumentar a quantidade de times da organização. E foi cumprido: de eFootball e Free Fire, a equipe passou a abrigar também VALORANT, LoL, PUBG, Rocket League, Mobile Legends, StandOff, HoK, Apex, Fut 7, Xadrez e Batalha de Rima. Segundo o mandatário, ele aportou, do próprio bolso, mais de R$ 7 milhões para que isso fosse possível.

Em agosto de 2024, Milson assumiu total controle da administração da CDS mediante um Memorando de Entendimentos, mas sem passar as contas oficialmente para seu nome. Em 14 de fevereiro de 2025, foi registrada a alteração de sócios na Junta Comercial de São Paulo. Porém, somente em março as contas bancárias foram efetivamente trocadas. Tate Costa alegou que não havia nada que impedisse Milson Januário de transferir a gestão antes, especialmente no âmbito financeiro. “Eu implorava para ele seguir em frente e tirar do meu nome, várias e várias vezes”. Segundo a ex-dona, Milson “sempre enrolava” e só trocou os acessos bancários “porque tinha um valor alto para cair na conta” – uma premiação de US$ 5 mil.

Ele rebateu que a demora foi por “questões fiscais” e que a acusação é “sem nexo” uma vez que “desde o memorando de entendimento foi assinado, a antiga gestora não tinha mais atuação nas gestões financeiras do Corinthians E-Sports”. Milson também garantiu que, nos seis meses em que Tate Costa ainda tinha acesso ao financeiro da empresa, “foram sacados, de uma forma indevida, perto de R$ 250 mil reais”. Segundo sua fala, houve mais saques irregulares em 14 de março.

“Considerando hoje que a nossa dívida é da ordem de R$ 300 mil, esse dinheiro que foi sacado de forma criminosa prejudicou bastante a saúde da organização”, acrescentou o atual CEO. “Essas movimentações irregulares levaram a custos que couberam a mim, pois precisei realizar os repasses aos atleta”. Por sua vez, a antiga dona negou que os valores tenham sido retirados de forma criminosa e justificou que a premiação recebida foi direcionada para pagamento de débitos com os atletas da organização. “Eu era uma parceira dele, virei criminosa na hora que eu precisei ser bode expiatório”.

Rudolf Rocha, advogado de Tate Costa que a acompanhou durante contato com a reportagem, resumiu: “Milson tinha ciência de todas as movimentações que a Tate fez no período em que ele não transferia a empresa para o nome dele. Tanto é que ele tinha acesso a todas as contas. Não tem como falar que houve um crime de uma coisa que ele mesmo estava ciente.” Milson Januário alegou não ter conhecimento da conta da qual o dinheiro foi debitado.

No dia 11 de abril, uma decisão judicial penhorou 100% das cotas sociais da empresa devido a uma dívida da antiga gestora com uma loja de móveis. A CDS só recuperou o controle financeiro após quase dois meses. Paralelamente, houve uma série de outros bloqueios nas contas da empresa decorrentes de outros processos judiciais, muitos vigentes até o final de julho. “É o que faz com que haja um estrangulamento no fluxo de caixa”, explicou o dono.

Foi em abril, nos salários referentes à março, que começaram os problemas de pagamento sob a gestão Milson – de agosto passado até então, as coisas funcionaram bem no Corinthians E-Sports do ponto de vista financeiro. A expectativa é de que os atrasos atuais sejam quitados até o final do mês de agosto, com o dinheiro saindo do bolso do próprio CEO. Para a CDS, a solução a longo prazo dos problemas financeiros passa por novos patrocínios e parcerias. Contudo, o histórico da empresa joga contra: “Nós somos vítimas de reportagens de situações que aconteceram há três anos. É como se fosse uma mácula que não desaparece”. Milson Januário garantiu que a “imagem corrompida” não afeta o Sport Club Corinthians Paulista, já que ele aumentou as modalidades e recolocou o time no cenário nacional e mundial. “Se falar que nós estamos causando dano ao Corinthians, eu saio do projeto, porque é a última coisa que eu quero”.

Entretanto, ele admitiu que não é possível garantir que o time alvinegro não seja excluído de outras competições, como aconteceu com o Free Fire. A reportagem procurou a Riot Games, que organiza os torneios de LoL e VALORANT – duas modalidades que o Corinthians E-Sports disputa –, mas a desenvolvedora de jogos alegou que “não comenta processos de investigação que estejam em andamento”.

Como isso afeta o Corinthians?

O contrato do Corinthians com a CDS é de licenciamento de marca. Atletas, cúpula da empresa e a Justiça concordam que o clube não tem nenhuma relação, muito menos culpa, quanto aos atrasos de salários. Porém, tanto Tate Costa, quanto Milson Januário apontaram deficiências no modelo atual da parceria.

A antiga dona, por meio do advogado Rudolf Rocha, disse que não tem nada ruim para falar a respeito do Sport Club Corinthians Paulista. A única ressalva é que, quando houver uma troca de gestão, a instituição esteja mais próxima para fiscalizar adequadamente e evitar problemas como os atuais.

O presidente da CDS foi além e fez um desabafo pessoal, pontuando que a instituição não tem nenhuma obrigação, mas que “se eu fosse o Corinthians e tivesse um indivíduo que coloca R$ 7 milhões do patrimônio em um projeto que dá relevância, que põe o clube no cenário”, daria um tratamento diferenciado. “Até hoje nós não recebemos nenhum apoio do Corinthians”.

Milson Januário também lamentou a situação em que o departamento se encontra perante a instituição. “Até janeiro, não estávamos vinculados a nenhum setor, não tinha nenhum interlocutor”. Foi definido o interlocutor em 28 de janeiro de 2025, Esportes Terrestre, que é responsável por basquete, vôlei, atletismo, entre outros. “A gente não tinha como começar a discutir uma base contratual porque não tinha ninguém com quem falar. Éramos uma voz no vácuo. Isso é uma questão estrutural dentro da organização”.

Ele se refere às tentativas de renegociação do acordo de licenciamento. A CDS paga ao Corinthians para utilizar a marca, o que contribui para o sufocamento do fluxo de caixa. Somado a isso, o contrato vigente até junho impossibilitava a busca por patrocínio. A gestão Milson precisou de nove meses de conversas para chegar a “bases contratuais razoáveis” e, ao final, a imagem já estava manchada demais para fechar com patrocinadores. As partes ainda buscam conciliação a respeito dos valores a serem repassados.

Outro ponto que joga contra na busca por parcerias são “as indefinições políticas que têm no Corinthians [atrapalham], porque há uma uma confusão muito grande entre o que é Corinthians SCCP e que é Corinthians E-Sport”, segundo o CEO.

A confusão pode ser aplicada, por exemplo, à parceria entre Romeu Tuma Jr e Milson Januário. O presidente do Conselho Deliberativo do Sport Club Corinthians Paulista atuou em processos judiciais de Milson, levantando questionamentos nas redes sociais sobre a relação deles e possíveis conflitos de interesses. O CEO da CDS garantiu que, apesar de serem amigos, o trabalho se limitou a casos pessoais e anteriores ao seu envolvimento com E-Sports. Tuma Jr não respondeu às tentativas de contato da reportagem.

Mesmo com todo o contexto, Milson Januário não acredita no fim do departamento de E-Sports do Timão. A possibilidade, para ele, é de que haja o término do acordo vigente caso não tenha mais condições de seguir adiante: “O Corinthians é muito maior do que eu”.

Procurado pela reportagem, o Corinthians respondeu em nota: “O departamento jurídico do Sport Club Corinthians Paulista informa que monitora com atenção o noticiário envolvendo a CDS e avalia internamente as possibilidades cabíveis para que nenhum atleta seja prejudicado neste processo.”

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