O crédito rural no Brasil foi formalmente instituído pela Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965, criando o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR).
O objetivo era modernizar a agricultura, ampliar investimentos em custeio e comercialização e garantir o abastecimento interno. O modelo, fortemente subsidiado pelo Estado, expandiu a produção, mas também concentrou recursos e aumentou a inadimplência.
Até 1995, não havia instrumentos estruturados de renegociação. O acúmulo de dívidas após o Plano Real levou à primeira grande iniciativa: a securitização, que converteu dívidas em títulos alongados.
Surgiram, então, o Programa Especial de Saneamento de Ativos (Pesa) e o Programa de Revitalização de Cooperativas (Recoop). Nos anos 2000, novas normas ampliaram o alcance das renegociações. A Lei nº 11.775/2008 autorizou liquidações e repactuações em condições especiais, formando um dos maiores pacotes da história.
Em 2009, o FAT Giro Rural abriu linha emergencial de crédito, prorrogada em 2022, demonstrando a continuidade desse tipo de socorro.
Renegociações ligadas a fundos constitucionais (FNE, FCO, FNO) e eventos climáticos também marcaram o período. Destacam-se a Resolução CMN nº 4.112/2012 (prorrogação no semiárido), 4.272/2013 (estiagens no Sul) e 4.519/2016 (prorrogação de dívidas de custeio).
Nos últimos 20 anos, tornou-se rotina o uso de resoluções do CMN e portarias da PGFN para renegociar débitos originários de operações de crédito rural e das inscritas na Dívida Ativa da União (DAU), com condições facilitadas para produtores.
Recentemente, programas como o Desenrola Brasil Rural, voltado à agricultura familiar, renegociaram mais de R$ 6 bilhões em 2023, e a Medida Provisória nº 1.213/2025 prevê R$ 12 bilhões em prorrogação de dívidas, reforçando a presença contínua de pacotes emergenciais.
Indústria das renegociações
No Brasil, produtores continuam reféns de decisões políticas tomadas no afogadilho, aumentando ineficiências que se repetem a cada seca ou inundação. Essa realidade criou uma “indústria das renegociações”: recursos públicos consumidos, governos desgastados e raízes do problema pouco atacadas, mascarando uma bolha de inadimplência.
Outra indústria prospera paralelamente: a das recuperações judiciais. Hoje, é urgente revisar a política agrícola como fator de planejamento estratégico para preparar o Agro para a nova era geopolítica e econômica. O efeito Trump, tarifas internacionais e a competição global intensificam a necessidade de eficiência no uso de recursos para manter a competitividade brasileira.
Conflitos globais e a agenda climática, reforçada na COP30, exigem uma abordagem integrada, sustentável e resiliente. Cada real de subvenção deve alcançar um número maior de produtores mais vulneráveis, de forma pulverizada. O futuro exige seguro rural subsidiado, corresponsabilidade entre produtores e financiadores, diferenciação de juros com e sem seguro e menor dependência de socorros emergenciais.
Fundos garantidores
Novas soluções, como fundos garantidores vinculados ao seguro rural, podem representar um caminho viável para o crédito rural no Brasil. Só assim o país poderá atingir padrões internacionais de gestão de risco.
Financiamento sustentável, uso de tecnologias e boas práticas agrícolas, seguro rural e o Zoneamento Agrícola (Zarc) da Embrapa protegem o solo, aumentam a produtividade e permitem que o produtor permaneça em sua área sem necessidade de desmatamento — é o efeito “poupa terra”, mitigando riscos climáticos. Todos se beneficiam desse ciclo virtuoso.
A indústria das renegociações de dívidas precisa ser extirpada: é hora de cortar pela raiz essa cultura de procrastinação e socorros paliativos, construindo um sistema de crédito rural sólido, eficiente e justo — onde o país e seus produtores finalmente saiam do ciclo vicioso de perdas e dependência.

*Pedro Loyola é consultor em gestão de riscos agropecuários e financiamento sustentável e coordenador executivo do Observatório do Seguro Rural da FGV Agro.
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