Thiago Manzoni – 14/05/2025 10h10
Débora Rodrigues dos Santos, 39 anos, natural de Irecê (BA). Esposa. Mãe de dois filhos; ambos em idade escolar. Cabeleireira. Luiz Fux, 72 anos, natural do Rio de Janeiro (RJ). Marido. Pai de dois filhos; uma desembargadora do TJRJ e um advogado. Ministro do Supremo Tribunal Federal. É inusitado, mas quis o destino que a história desses dois brasileiros se encontrasse.
Vez por outra, a vida se encarrega de produzir enredos que surpreendem a todos – desde simples coadjuvantes como um vendedor de pipocas até aqueles que acreditam ser os iluminados protagonistas de batalhas épicas.
Débora e Fux. A cabeleireira e o ministro. Entre eles um batom, uma estátua, uma pichação e graves acusações da PGR: associação criminosa armada, tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, além de outros crimes.
Um desavisado até poderia achar que o roteirista forçou a barra e exagerou: associação criminosa armada, abolição violenta de seja lá o que for e golpe de Estado com uma pichação de batom em uma estátua?
Ah! Entre eles também, perdido como um mané, o Império da Lei.
É possível (talvez provável) que muitos não acreditem, mas num passado recente todas as pessoas e instituições – incluindo-se entre elas os três poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) – deveriam estar subordinadas à lei, cuja aplicação tinha que ser imparcial e previsível, a fim de evitar o arbítrio estatal. Tratava-se de verdadeiro império, o Império da Lei.
Isso tudo se encontrou. A cabeleireira, o ministro, o batom, a estátua, a pichação, a acusação e o Império da Lei.
E, no encontro, o ministro fez reviver a esperança de quem ainda acredita no Brasil e nas suas instituições. O único juiz de carreira de uma turma composta também por outros quatro ministros de diferentes origens lembrou a todos, com a polidez que lhe é característica e sem estardalhaço midiático, que o papel do juiz é aplicar a lei existente – de maneira imparcial e previsível – de modo a nos fazer lembrar que, como ensinou Rui Barbosa, a força do direito deve superar o direito da força.
Fux não viu em Débora uma inimiga, tampouco enxergou a si mesmo como algoz. Seus olhos estavam voltados apenas para as provas colhidas no processo e para a lei.
Logo de cara, o ministro apontou que a cabeleireira não possuía prerrogativa de foro (foro privilegiado) e que o seu julgamento não deveria acontecer no STF. Parece pouco, mas só isso garantiria à moça o direito de recorrer de decisão que lhe fosse desfavorável.
Na sequência, mencionou a presunção de inocência e consignou a necessidade de “análise específica das provas produzidas nos autos”, deixando transparecer que para a condenação de qualquer do povo é necessário que as provas conduzam à certeza da autoria das condutas de que é acusado o cidadão. Como quem quer ressuscitar o prestígio da mais alta Corte brasileira, o ministro explicitou textualmente que a dúvida do julgador deve favorecer o réu e que este (o in dubio pro reo) é direito fundamental a sustentar o Estado Democrático de Direito. Ah… o Império da Lei!
Ao analisar as provas constantes dos autos, o magistrado fluminense observou que a única conduta comprovadamente praticada por Débora foi ter pichado a estátua, de batom, com os dizeres: “Perdeu, Mané!”.
Luiz Fux escreveu em negrito que não houve individualização da conduta de Débora a demonstrar que ela tivesse praticado ou aderido às condutas de associação criminosa armada, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito ou golpe de Estado.
O ministro condenou a cabeleireira pelo que ela fez: pichou uma estátua deteriorando patrimônio tombado (crime previsto na Lei 9.605/1998). Condenou-a a um ano e seis meses de reclusão (já cumpridos). É a lei e a lei deve valer para todos.
O voto de Fux foi vencido no julgamento; Débora foi condenada a 14 anos de cadeia. Fux, todavia, sai vencedor: faz reviver, pelo menos por um breve momento, o Império da Lei e renascer a esperança daqueles que ainda têm sede de justiça.
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Thiago Manzoni é deputado distrital, presidente da Comissão de Constituição e Justiça e Secretário-Geral do Partido Liberal/DF. |
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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