Organizações criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) movimentaram R$ 28,2 bilhões por meio de oito fintechs brasileiras ao longo de seis anos, segundo investigações conduzidas pela Polícia Federal e pelos Ministérios Públicos de São Paulo e do Rio de Janeiro. As informações são do jornal O Globo.
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A estratégia envolvia transações simuladas, contas digitais abertas com dados falsificados, e uso massivo de criptomoedas para dificultar o rastreamento. As operações ocorriam com frequência fora do horário comercial, aproveitando-se da ausência de barreiras nas Interfaces de Programação de Aplicações (APIs) de bancos digitais. Fintech é uma empresa que usa tecnologia para oferecer serviços financeiros por meio digital.


A estrutura, segundo o jornal, era baseada em empresas fictícias, empréstimos inexistentes e a atuação de “laranjas”, criando um sistema de movimentação financeira paralelo ao tradicional. Em um dos casos apurados, um único CNPJ fraudulento recebeu mais de R$ 150 milhões, de diversas contas, sem que qualquer alerta fosse disparado pelas plataformas.
“Fintechs estão substituindo doleiros. São paraísos fiscais modernos, com vantagem: não há malote, fronteira ou risco de assalto”, declarou o promotor Lincoln Gakyia, que acompanha há duas décadas a atuação do PCC.
A expressão “paraísos fiscais digitais” passou a ser usada por investigadores para se referir ao ambiente onde essas fintechs operam: fora do alcance das exigências tradicionais de compliance (transparência) e das normas de identificação de clientes.
O caminho do dinheiro envolvia a conversão em ativos digitais, como bitcoins, seguida do envio para corretoras internacionais sediadas em países com baixa supervisão financeira, incluindo regiões do Caribe e do Leste Europeu.
A criptografia e os mecanismos de anonimato desses mercados conferiam camadas sucessivas de ocultação aos recursos ilícitos, caracterizando uma modalidade de “lavagem em tempo real”.
“As fintechs se transformaram em instrumentos altamente vantajosos para o crime organizado. Melhor que ‘lavar’ dinheiro com um doleiro é comprar criptomoeda e movimentar em tempo real”, disse o promotor Fábio Bechara, responsável por denúncias contra empresas ligadas ao PCC.
Há também evidências de que tecnologias de inteligência artificial foram integradas ao processo para burlar checagens automatizadas das plataformas.
PCC e Comando Vermelho atuam em fintechs sem fiscalização
A fragilidade das barreiras de segurança nas fintechs facilita a abertura de múltiplas contas com documentos digitalizados, muitos deles falsificados ou pertencentes a pessoas mortas.
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Com isso, os criminosos operam com agilidade e discrição, injetando valores de origem ilícita em sistemas financeiros descentralizados, sem que os sinais de alerta sejam acionados.
Enquanto bancos convencionais estão sujeitos a regulação rígida do Banco Central (BC) e do Coaf, parte do setor de tecnologia financeira atua com registros limitados ou fora do alcance dos sistemas de fiscalização.
A ausência de ferramentas robustas de rastreabilidade e verificação em tempo real cria um ambiente fértil para o crescimento da chamada “fintechização do crime”.
“A capacidade do crime organizado de adaptar-se à inovação é maior do que a nossa de combatê-lo”, afirmou um investigador sob condição de anonimato, sobre o desequilíbrio atual entre o avanço tecnológico e a resposta estatal a estas distorções.