Thiago Galhardo é um personagem irreverente do futebol. Aos 36 anos, o atacante largou o glamour da elite do futebol brasileiro para disputar uma Série D pelo Santa Cruz, mas também já faz planos para o pós-carreira, o que inclui escrever um livro e até mesmo participar de um reality show.
Em entrevista à ESPN, o veterano admitiu que a aposentadoria se aproxima, mas que antes de pensar nos próximos passos quer cumprir o sonho de levar o Santa ao acesso. E tudo por conta de uma dívida que disse ter com o clube pernambucano e a sua apaixonada torcida.
Classificado para as oitavas de final da Série D para enfrentar o Altos-PI, o Santa Cruz eliminou o Sergipe na última fase – e com gol de Galhardo, que já balançou as redes sete vezes e ainda deu três assistências em 15 jogos na competição.
“Não tenho dúvida que (a torcida do Santa Cruz) é a mais fiel. Passar pelo que está passando, há tanto tempo sem calendário, Série C, Série D, sofrimento, e continuarem a encher os estádios, nos apoiando de todas as formas. Fiel eu não tenho dúvida, para saber se um clube é fiel tanto assim, teria que passar pelas coisas que o clube está passando”, disse.
“Estou encantado com os torcedores. Tenho uma dívida muito grande com eles, um comprometimento de tentar subir, faltam quatro jogos, e cada dia mais eu me apaixono, me encanto por eles, por tudo o que eles fazem e pelo amor que eles sentem de te encontrarem na rua. Diferentemente de qualquer outro lugar que eu passei, eu senti essa emoção. Talvez por essa dependência ídolos, de visões melhores, de títulos, talvez por isso tenha esse calor e essa emoção maior. Muito feliz de poder ter vindo para cá, achei muito assertivo da minha parte, tudo o que eu venho vivendo, não só dentro de campo, mas fora”, prosseguiu.
Depois de disputar a elite do país por clubes como Botafogo, Ceará, Fortaleza, Internacional e Vasco, Galhardo encontrou no Gigante do Arruda algo que nunca teve em todos esses anos como profissional: a possibilidade de estar mais perto da família.
Com um calendário menos aperto do que se estivesse na Série A, o veterano teve a chance, por exemplo, de passar as férias ao lado do filho Bernard. O que rendeu até mesmo um pedido para o “papai” parar de jogar e poder ter mais tempo livre.
“Curti as primeiras férias do meu filho, foi um pedido dele. E ele me questionou por que esse ano eu pude passar as férias todas com ele, e tive que explicar. Na hora de levá-lo embora, o que me mexeu muito comigo foi que no aeroporto ele começou a chorar e falou ‘papai, não vai embora’, e por fim ele falou ‘papai, para de jogar futebol’. Ele viu o quanto o futebol tem atrapalhado os nossos momentos e o quanto agora, com semanas abertas, conseguimos aproveitar, treiná-lo, jogar bola, dormir junto todos os dias, dar comida, banho. Eu fui um pai de verdade. Não fui nas outras vezes, mas não é porque eu não queria ser, é porque com jogo quarta e domingo eu precisava de mais descanso, o meu fisioterapeuta em casa cuidando de mim, suplementação, hora de dormir e acordar”, revelou.
“Esse tipo de coisa não tem preço, e se tem uma coisa que não volta nunca mais é o tempo. Aproveitar o tempo com qualidade é outra coisa, sou muito grato ao Santa Cruz por ter me procurado no momento certo da minha vida. Não estou fechando portas para nada e nem ninguém, mas hoje estou muito feliz aqui”.
“Sem dúvida nenhuma é o ano mais feliz. Família, pessoal, isso aí não tem como. Tem muita gente preocupada com o quanto o Thiago ganha, gente, ninguém é bobo, tem coisas que a gente não pode menosprezar e uma dessas coisas é o dinheiro, não aceita desaforo para casa. O que eu posso garantir é que é o ano mais tranquilo que eu tive em toda a minha carreira, por estar estabilizado, estar em um clube de massa, por estar fazendo tudo aquilo que eu sempre sonhei, ter os meus filhos e amigos perto, que têm vindo direto para jogos, ficar comigo, meu empresário, meus pais. Isso são coisas que eu não passei e que quando não passava com eles, sentia falta. Hoje estou me sentindo mais completo. O ano de 2025 do Galhardo tem sido completo, eu consegui aproveitar o começo de ano, comecei a trabalhar aqui no meu objetivo, estamos nele e espero que conclua com muito, mas muito sucesso aqui dentro”.
O veterano também falou sobre as experiências que já teve na Série D, enfrentando muitos gramados complicados de jogar – e até mesmo estádio sem descarga. Mas que nada disso é um problema para ele.
“Eu peguei gramados muito ruins, um calor infernal, aquelas cadeiras de plástico para sentar (no vestiário), todo mundo muito apertado, coisas que não estou mais habituado. Os vasos, quando você vai no banheiro, não têm descarga, (é) encher o baldão e jogar lá para poder descer o número 2 (risos). Tem a questão dos campos, são muito ruins, muito abaixo. É a gente não colocar desculpa ou problema no que vai se passar, e sim arrumar uma solução para tentar equacionar as coisas e conseguir o objetivo principal, que é a vitória. Os meninos sempre me perguntavam no começo ‘Arena Corinthians, Maracanã, Allianz Parque, e agora você está aqui’. Eu escolhi estar aqui, então é isso, vamos aproveitar esse momento aqui e fazer isso virar história para por no livro, mais um capítulo, a Série D do Thiago Galhardo em 2025”.
‘Quero uns dois anos sabáticos…’
Galhardo colocou nas suas planilhas, como ele mesmo se referiu, a possibilidade de pendurar as chuteiras no fim deste ano. Mas um possível acesso com o Santa poderia poderia fazê-lo mudar de ideia. Certo mesmo é que, após finalizar de vez a carreira de vez, se dará um período sabático.
“Eu tenho contrato até 30 de novembro de 2026, eu tinha colocado nas minhas planilhas me aposentar em 31 de dezembro de 2025, que ainda não está fora de cogitação. Às vezes eu converso com uma pessoa ou outra, principalmente com os meus filhos, eu nunca menti para eles, espero nunca mentir e ter essa sinceridade com eles. Quando eu assinei o contrato, fui falar com o Bê ‘mas pai, você falou que iria parar no final do ano’. Eu falei ‘papai precisa jogar mais um ano, o clube aqui precisa’, explico para ele para tentar de alguma forma não impor ‘papai vai jogar e pronto’. Se eu impor isso para o meu filho, e o desejo dele é não, eu acho que eu pegar muito essa energia negativa e as coisas não vão acontecer”, disse.
“No aeroporto ele falou ‘vai demorar muito para eu te ver’, e eu falei ‘vamos fazer o seguinte então, ora para o papai fazer o gol’ – eu viajei 29 horas, vim de Sergipe de ônibus, cheguei aqui e fui levar o meu filho em Rio Preto, bati em Campinas e já peguei o voo voltando, cheguei 2 e meia da manhã, de segunda para terça -. Eu falei ‘dia 7 de setembro é o jogo do acesso, torce para o papai fazer gol, o clube precisa do papai, o papai precisa do clube, vamos se ajudar. E você vai para o jogo do acesso’. Ele parou de chorar na hora e falou ‘você vai fazer dois gols e a gente vai classificar e dia 7 eu vou lá’. Acabou esse jogo e eu liguei para ele, e ele virou ‘papai, dia 7 está marcado’. Eu estou nessa positividade com ele. Eu tinha esse pensamento de parar, criei esse contrato com eles, se Papai do Céu me permitir e as coisas acontecerem aqui dentro como eu espero, almejo e sonho (série) D, C, B, pode ser, quem sabe, mais um ano, um pedido deles”, prosseguiu.
“Sobre continuar no futebol (após a aposentadoria), eu quero uns dois anos, dois anos e meio sabáticos para mim, para viver essa experiência de pai e filho, quero viajar bastante, sempre gostei muito de viajar e sempre tive esse tempo limitado, 30 dias de férias, pegando Natal e Ano Novo é muito pouco. E ver o que vai aparecer para a gente continuar tocando a vida, não tem como parar de trabalhar para sempre, é impossível não fazer uma coisinha ou outra”.
Mas o atacante também faz planos ousados para o pós-carreira, como por exemplo participar de um reality show, citando até mesmo o BBB.
“A questão do BBB é real, se vier, por exemplo, convite para 2026, mexeria muito comigo, aposentar agora e entrar mexeria muito comigo. Eu sempre acompanhei e sempre gostei, principalmente os primeiros e depois a pandemia, a época do Prior, da Rafa Kalimann. Eu comentava isso com as pessoas ‘ainda vou participar disso aí’, ainda jogando na época, no Inter, seleção, ‘você é maluco, você seria cancelado, você iria se dar bem’… e na verdade, eu estaria ali para jogar o jogo de uma forma verdadeira e acho que as pessoas conheceriam o Galhardo de verdade, sem poder ver só entrevista, e o tom que eu estou dando, e sair de lá talvez com um tom marrento, entendeu. O brasileiro é isso, Jesus Cristo não agradou todo mundo, quem sou eu, Thiago Galhardo, para poder agradar alguém?”.
3:34
Vai se aposentar? Galhardo abre o jogo sobre futuro e não descarta até participar de reality: ‘Mexeria muito comigo’
Atacante do Santa Cruz falou em entrevista exclusiva ao ESPN.com.br
‘Li 60 livros em seis anos’
Para além do futebol, o atacante cultiva uma outra paixão: a leitura. O hábito era incentivado pelos pais, mas somente a partir dos 25 anos se tornou um leito assíduo. Entre os temas preferidos de Galhardo está até mesmo a psicanálise, por por enquanto, nada de Freud ou Jacques Lacan.
“Eu li muitos livros. Os meus pais sempre me falaram muito para ler, e nós quando somos criança não temos esse hábito. Eu também não tinha, depois dos meus 25 para 26 anos que eu comecei a ler, e de fato eu li 60 livros em seis anos. Foi uma coisa que mexeu muito comigo, a maioria (dos livros) eram sobre finanças ou Deus, tinha o Deive Leonardo, que era uma pessoa que eu já acompanhava e mexia bastante comigo, e ele tinha algumas indicações além dos livros dele, que eu vim ler posteriormente. Me ajudou muito para ter essa consciência financeira, para não passar o que muitos atletas passam no pós-carreira”, contou.
“Obviamente, acabei não parando de ler totalmente, diminuí um pouco o ritmo, mas continuei lendo. Fui abrindo a minha mente para ler outras coisas, alguns amigos começaram a me presentear, presente tem que ser lido, inclusive no meu aniversário eu ganhei seis livros de presente, não comecei a ler nenhum porque estou lendo um da psicanálise, que é tão importante quanto. Se tem alguma coisa que a gente pode passar para os nosso filhos e podemos ter a certeza é que o estudo, a leitura, ninguém pode tirar”, continuou.
“Não é nada desse tipo ainda (Freud ou Lacan), não sei se amanhã ou depois eu vou chegar nesse ponto. A psicanálise me ajudou bastante a ser quem eu sou hoje, a ter os pés no chão para poder estar aonde estou, da forma como estou, não só profissionalmente falando, mas pessoal e familiar”.
E também está nos seus planos escrever uma autobiografia para falar sobre a sua carreira. Do menino que saiu de São João del-Rei, em Minas, à experiência como concursado da Petrobras no Rio de Janeiro, além, claro, da carreira nos gramados – o que inclui seleção brasileira.
“É um sonho meu já há muito tempo, desde 2020, antes de trilhar tudo aquilo de seleção brasileira, Internacional e tudo mais. Eu tinha uma ideia de escrever um livro sobre a minha carreira, mas não pensava em abranger tanta coisa assim. Por mais que eu quisesse o sonho de seleção brasileira, jogar em um grande clube, ser protagonista, eu não teria a certeza se eu conseguiria alcançar ou não, por mais que eu tivesse feito no túmulo da minha avó, no dia do enterro dela, que eu iria para a seleção”, disse.
“Posterior a tudo isso, os meus amigos próximos, de infância, comentaram ‘você tem que escrever’, e isso ficou muito dentro de mim. Acredito, por ser o único jogador no mundo ex-concursado e por ter chegado à seleção brasileira, eu que passei pelo Cametá, lá em Belém, uma das cinco piores do Brasil hoje, e poder jogar lá, aquilo foi uma mudança de vida na minha carreira muito grande, foi em 2014, quando eu joguei no Boa Esporte e tive uma má administração dos donos de lá, tive problemas e saí de lá para o Cametá. Depois o Brasiliense, onde foi o meu pior ano profissionalmente, realmente me descuidei bastante, acabei não tendo tanta minutagem nos jogos, gols, e na virada do ano eu conheço o meu empresário, os meus pensamentos bateram, a gente trabalha juntos até hoje, o considero um pai, amigo, irmão, tudo. Foi aonde eu tive uma mudança de chave, comecei realmente a ler, pensar e dar valor às outras coisas”, prosseguiu.
“Seria muito legal (se o nome do livro fosse) ‘do Cametá à seleção’, ‘da Petrobras à seleção’, algo assim que eu tenho pensado comigo. Com certeza depois que eu me aposentar, pode colocar, mais ou menos, um ano e meio, dois anos, vou escrever o livro e acredito, sim, muito no sucesso. As pessoas falam muito que eu me acho, mas no final todo mundo para para ler, vide que o meu Instagram chegou a ter 25 milhões em duas semanas, quando eu cheguei aqui (no Santa Cruz) deu toda aquela repercussão. De alguma forma as pessoas acabam mexendo, acabam querendo, e procurando, mesmo que seja de forma negativa, para zoar, virar meme, o que for. Eu acredito que ninguém é meme em paz, a não ser que faça algo muito grave, as pessoas só cutucam aqueles que de fato têm algo para dar, e eu tenho certeza que tenho muito a contribuir para o futebol e pela minha experiência de vida”.
2:36
Galhardo diz que tem planos de escrever livro sobre a própria vida após aposentadoria: ‘Acredito muito no sucesso’
Atacante do Santa Cruz falou em entrevista exclusiva ao ESPN.com.br
Por último, sobre as críticas constantes que recebeu ao longo da carreira por ser um personagem irreverente no mundo da bola, Galhardo disse como lida com elas. E que elas nunca o chatearam.
“Chateado eu nunca fiquei (com as críticas), mas já fiquei incomodado com isso, sim. Mas depois que comecei a fazer psicanálise, muitas coisas fizeram sentido para mim. Eu vou ficar muito chateado de dar uma entrevista e depois que eu desligar falarem ‘esse cara é um marrento, um metido, totalmente contrário’, sabe? É chegar nos clubes que eu cheguei, que eu trabalhei, e as pessoas falarem ‘pensei que você fosse assim, mas você é totalmente ao contrário. Você é uma pessoa que pergunta, está preocupado, dá bom dia para todo mundo, pega na mão de todo mundo, chega, conversa’. As pessoas que não me conhecem, eu não preciso passar nada para elas e nem quero. Agora, se eu puder conhecer será um prazer mostra o lado do Thiago, não é nem do Galhardo, é do Thiago, que é um ser humano”, disse.
“Eu sou um cara sem maldade, muito puro, leve e tranquilo. Tem muita gente que olha pelas entrevistas, por um gol, por uma marra ‘esse moleque é marrento’. As pessoas vêm falar com você e acham que são seus amigos ‘pô, mas e aquele gol que você errou? E aquele pênalti?’. Quer tirar uma foto comigo, vem, mas às vezes eu estou ocupado, fazendo alguma coisa. Os meus filhos não gostam de ir ao shopping comigo porque não gostam que eu tire foto, mas eu tenho que ser ao máximo atencioso, mesmo às vezes as pessoas sendo inconvenientes
“Eu sou um cara que tenho a personalidade forte, eu falo o que eu penso e acho, nunca tive problema com isso, sempre sustentei o que eu falei, opiniões são sempre opiniões, o que você acha que é bom, para mim pode ser ruim e vice-e-versa. Muitas pessoas acharam que seria horrível para o Thiago estar aqui (no Santa Cruz), mas o que eu cresci como pessoa, o que eu aprendi profissionalmente com os meus companheiros aqui e o que eu ganhei com o meu filho fora de campo, acho que isso aqui eu nem consigo expressar e passar para vocês”.