A tentativa de Donald Trump de forçar o Federal Reserve a cortar juros em um ambiente de inflação persistente levanta preocupações globais. A medida pode enfraquecer o dólar, corroer receitas das exportações agrícolas e expor o Brasil a um quadro crítico: supersafra pressionando preços, custos de produção elevados e uma taxa de juros de 15% que torna o crédito rural praticamente inacessível para milhares de produtores.
Nos últimos meses, a inflação nos Estados Unidos voltou a mostrar resistência, enquanto a criação de empregos perdeu fôlego. Em vez de reforçar a necessidade de cautela, Trump tem exigido cortes imediatos nos juros, alegando impacto negativo sobre crédito, investimentos e mercado imobiliário.
A interferência ameaça a independência do Fed, instituição que construiu sua credibilidade justamente por atuar contra pressões políticas de curto prazo.
Caso o Fed ceda e reduza juros antes do tempo:
- Investidores buscam outros mercados, reduzindo a atratividade dos ativos americanos.
- O dólar tende a se desvalorizar globalmente, afetando preços internacionais das commodities.
- A inflação pode acelerar, deteriorando ainda mais a confiança no sistema financeiro.
- Para o agro brasileiro, que depende da cotação do dólar para remunerar exportações, um dólar fraco significa perda direta de competitividade:
- Receita de exportações: preços em dólar mais baixos reduzem os ganhos em reais.
- Custos de insumos: embora fertilizantes e defensivos importados possam baratear, a volatilidade cambial aumenta o risco de contratos.
- Competitividade internacional: menor valor das commodities em dólar reduz a atratividade dos produtos brasileiros frente aos concorrentes.
- Incerteza financeira: o setor perde previsibilidade, essencial para planejar crédito e investimentos de longo prazo.
O problema se torna ainda mais crítico porque o Brasil enfrenta simultaneamente:
- Supersafra histórica, que aumenta a oferta e pressiona os preços para baixo.
- Custos elevados de produção, ainda impactados por logística, energia e mão de obra.
- Taxa de juros de 15%, que encarece brutalmente o crédito rural.
Nesse ambiente, muitos produtores não conseguem financiar a próxima safra. Para parte significativa do setor, crédito caro é simplesmente fatal: inviabiliza operações, trava investimentos e acelera processos de descapitalização.
Cenários possíveis
Moderado: cortes graduais de juros nos EUA, inflação controlada e dólar levemente mais baixo. O agro perde parte da margem, mas mantém a viabilidade.
Adverso: corte abrupto com inflação em alta, dólar em queda global, commodities desvalorizadas, supersafra deprimindo preços e crédito inviável no Brasil. Resultado: margens esmagadas e risco de insolvência para milhares de produtores.
O agronegócio brasileiro prospera em cenários de dólar forte e estabilidade monetária global. A pressão política de Donald Trump sobre o Fed pode produzir exatamente o oposto: juros artificialmente baixos, inflação persistente, dólar enfraquecido e margens menores para o agro.
Com supersafra, custos elevados e juros domésticos de 15%, a equação se torna explosiva para o Brasil. O risco é claro: sem crédito acessível, parte relevante dos produtores pode não resistir, comprometendo não apenas a renda do campo, mas também a sustentabilidade da maior força econômica do país.


*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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