Associações ligadas ao agronegócio dos Estados Unidos apresentaram ao USTR (Representante Comercial dos EUA) uma série de documentos que acusam o Brasil de práticas desleais em diferentes cadeias produtivas.
O movimento faz parte da investigação aberta pela Casa Branca sob a Seção 301 da Lei de Comércio, dispositivo que pode embasar novas tarifas contra produtos brasileiros.
Entre os pontos mais duros, entidades como a National Pork Producers Council (suínos), a National Cattlemen’s Beef Association (bovinos) e a American Farm Bureau Federation (agricultura e etanol) alegam que o Brasil impede, com barreiras tarifárias e exigências sanitárias excessivas, a entrada de carne suína e bovina dos EUA, além de manter tarifas sobre o etanol norte-americano.
Também atacam a imagem do país ao citar o desmatamento e supostos riscos sanitários como justificativa para uma postura mais dura de Washington.
Em resposta, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) assumiu a linha de frente em Washington. Durante audiência pública, a entidade rebateu as acusações e apresentou argumentos apoiados em dados oficiais:
- Competitividade legítima: a força do agro brasileiro decorre de recursos naturais abundantes, clima favorável e investimentos contínuos em tecnologia, e não de práticas comerciais desleais.
- Normas rigorosas: exportações brasileiras seguem padrões sanitários e ambientais entre os mais exigentes do mundo.
- Tarifas e reciprocidade: apenas 5,5% das exportações agropecuárias brasileiras contam com preferências tarifárias; mais de 90% das importações seguem o princípio da Nação Mais Favorecida, em linha com a OMC.
- Etanol: o Brasil, longe de ser protecionista, é um grande cliente dos EUA — em 2024, importou 17 vezes mais etanol americano do que da Índia.
- Sustentabilidade ambiental: o Código Florestal brasileiro é um dos mais rigorosos do mundo; hoje, 66% do território nacional mantém cobertura nativa, metade dela preservada em áreas privadas de produtores rurais.
- Interdependência bilateral: os EUA são o terceiro destino das exportações do agro brasileiro, ao mesmo tempo em que o Brasil compra mais de US$ 1,1 bilhão em insumos e máquinas agrícolas de empresas americanas.
“A competitividade do agro brasileiro decorre de fundamentos legítimos, como os recursos naturais e investimentos contínuos em inovação, e não por práticas desleais de comércio”, afirmou Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da CNA.
Essas disputas ocorrem em meio à escalada da crise comercial entre Brasil e EUA. Desde abril, o governo norte-americano adotou tarifas iniciais de 10% sobre exportações brasileiras, ampliadas para 50% em julho sob justificativa política. O presidente Donald Trump vinculou diretamente a medida ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, num gesto que o governo Lula classificou como intromissão inaceitável na soberania nacional.
Diante disso, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e mais de uma centena de empresários viajaram a Washington em busca de exceções às tarifas e de espaço para um diálogo técnico. Apesar da recepção majoritariamente por autoridades de segundo escalão, a comitiva reforçou a tentativa de evitar um confronto aberto que possa degenerar em guerra tarifária.
A ofensiva norte-americana contra o agro brasileiro coloca em risco cadeias estratégicas como a da carne bovina, suína, o etanol, milho e café. Se prevalecer a pressão do lobby interno dos EUA, as barreiras poderão reduzir o acesso ao maior mercado consumidor do mundo, com efeitos diretos nos preços, na renda do produtor e na balança comercial.
Ao mesmo tempo, a postura defensiva da CNA, baseada em números, sustentabilidade e interdependência comercial, busca transformar o debate em um confronto técnico, afastando-o da retórica política.
Assim, a disputa mostra que a batalha não se trava apenas nos campos do Centro-Oeste ou nos portos brasileiros, mas também nos corredores de Washington. De um lado, o lobby americano tenta pintar o Brasil como concorrente desleal; de outro, o setor produtivo nacional responde com fatos: produtividade, conformidade legal e compromisso ambiental.
O desfecho da investigação da Seção 301 poderá definir se a relação Brasil–EUA seguirá pelo caminho da cooperação ou se mergulhará numa guerra comercial que afetará diretamente o futuro do agro e da economia brasileira.


*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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