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Falta de coordenação interna faz Brasil perder espaço no cenário global

O Brasil atravessa uma fase em que política e economia parecem falar idiomas diferentes. De um lado, o governo acelera medidas de forte apelo social e eleitoral, do outro, o Congresso, dividido e fragmentado, transforma quase qualquer pauta em disputa ideológica. O resultado é um país sem planos, sem prioridade e sem rumo.

Esse comportamento já seria preocupante em tempos normais. Mas estamos longe de viver tempos normais.

O mundo vive uma das maiores instabilidades geopolíticas desde o fim da Guerra Fria. E o Brasil, que depende de comércio exterior, fluxo de capitais e confiança internacional, não tem o direito de brincar com essa conjuntura.

Os Estados Unidos adotam uma estratégia cada vez mais imprevisível: tarifas que sobem e descem ao sabor da política interna, ameaça de abandonar organismos multilaterais e pressão sobre parceiros para alinhamento estratégico. O Brasil, que exporta para o mercado americano e depende do cenário cambial, sente imediatamente o impacto desse comportamento errático.

Ao mesmo tempo, a China acelera seu projeto de poder: avança militarmente no entorno de Taiwan, reorganiza cadeias produtivas e amplia sua influência sobre países emergentes. Qualquer escalada no estreito de Taiwan pode provocar choques nos mercados globais, de insumos agrícolas a semicondutores.

E há ainda a guerra entre Rússia e Ucrânia, que continua a gerar volatilidade nos preços de energia, fertilizantes e alimentos, componentes que atingem diretamente o agronegócio, a inflação e a competitividade brasileira.

Em um mundo assim, um país que não garante previsibilidade política paga duas vezes: perde confiança e perde oportunidades.

Quando governo e Congresso demonstram incapacidade de coordenação, os agentes internacionais imediatamente recalculam suas apostas. Investidores recuam. Fundos precisam corrigir riscos. Crédito fica mais caro. E o câmbio se torna mais sensível, não apenas aos fatores externos, mas ao ruído político doméstico.

É assim que a política interna amplifica os riscos externos. Um país que deveria ser porto seguro acaba parecendo terreno instável.

Em um ambiente global volátil, o Brasil deveria estar fazendo sua lição de casa, disciplina fiscal, reformas, simplificação tributária, segurança jurídica. Mas o jogo político entre Executivo e Legislativo atrasa tudo.

E quando isso acontece, os setores que mais dependem de previsibilidade sofrem:

  • o agronegócio enfrenta crédito caro e margens pressionadas;
  • a indústria posterga investimentos;
  • o comércio reduz apostas;
  • e o trabalhador sente no bolso.

O mundo pede estabilidade. A política brasileira entrega turbulência.

O Brasil não precisa escolher um lado entre Estados Unidos e China, nem entrar na disputa geopolítica global. Mas precisa ter clareza sobre si mesmo. Precisa de um pacto básico de responsabilidade interna para enfrentar um ambiente externo que não dá trégua.

Esse pacto deve incluir:

  • metas fiscais realistas e cumpridas;
  • diálogo entre governo e Congresso que substitua confronto por coordenação;
  • políticas de longo prazo para competitividade;
  • previsibilidade jurídica e regulatória.

Sem isso, ficamos vulneráveis, e a vulnerabilidade é o pior ativo em um mundo de tensões e rupturas.

A geopolítica está mostrando que o mundo ficou mais perigoso, mais caro e mais imprevisível. Em tempos assim, países que têm rumo prosperam. Países que improvisam pagam caro.

O Brasil tem potencial gigantesco: energia limpa, água, alimentos, mercado interno robusto e posição estratégica. Mas tudo isso pode ser corroído por uma política que insiste em transformar disputa em método de governo, e improviso em plano.

Não se trata de defender A ou B. Trata-se de defender o óbvio: num mundo instável, um país sem disciplina política não tem futuro econômico.

Se o Brasil não reencontrar seu centro agora, pode descobrir tarde demais que a verdadeira ameaça ao crescimento não vem de fora, nasce de dentro.

Miguel Daoud

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural


Canal Rural não se responsabiliza pelas opiniões e conceitos emitidos nos textos desta sessão, sendo os conteúdos de inteira responsabilidade de seus autores. A empresa se reserva o direito de fazer ajustes no texto para adequação às normas de publicação.

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