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Felca e a denúncia sobre adultização de crianças

Nesta semana, o influencer Felca (Felipe Bressanim Pereira) fez um vídeo denunciando o processo de adultização da garota Kamylinha Santos, por Hytalo Santos, outro influenciador. O vídeo, que se tornou viral em poucas horas, expôs aquilo que todos os que possuem redes sociais já viram e, se têm um pingo de moral funcional, se assustaram em silêncio ou com murmúrios sem efeito.

As redes estão cheias de pedófilos e de pessoas que sofrem de sérios distúrbios sexuais. Acho que, a esta altura do campeonato, não é segredo para mais ninguém. Se Freud tinha ou não razão quanto ao motor das ações humanas ser o sexo, é fato que as redes sociais exponenciam isso ao extremo, normalizando o absurdo de crianças seminuas dançando músicas abertamente sexuais ante o mundo inteiro. Parece-me que todos aqueles vícios que, de maneira privada são cultuados, abundam nas redes sociais, ganhando contornos amplificados e histriônicos. Hoje, com apenas alguns cliques, sites pornográficos podem ser acessados, e, as mais bizarras formas de coito assistidas como a uma série da Netflix.

Pais ou Estado, quem deve agir primeiro?

Defender as crianças e adolescentes desse terreno hostil, hipersexualizado, parece-me ser uma daquelas pouquíssimas pautas comuns na política atual, o que diferencia são os meios para tal defesa efetiva. Então ‒ nos diria um leitor afoito ‒, devemos apoiar a regulamentação das redes sociais. Correto? Não. Já é óbvio demais que a “regulamentação das redes” proposta pelos socialistas não passa de uma terminologia fofa para “censura daqueles de quem o sistema não gosta”. Devemos voltar a dar aos responsáveis os deveres que são deles por natureza antes de chamar o papai Estado. A primazia da segurança das crianças e dos adolescentes é dos pais e responsáveis, e, se eles falham nisso de forma aberrante, como no caso da Kamylinha, então esses pais e responsáveis devem ser responsabilizados junto aos aliciadores.

Não deve ser papel primário do Estado proibir um adolescente de frequentar um prostíbulo, ou não deixar crianças expostas a filmes adultos, nem mesmo vigiar aqueles vizinhos suspeitos que parecem buscar proximidade excessiva com elas. O que afirmo é que, o dever de cuidar da prole não é primariamente do Estado, pois o Estado não tem que ser pai, deve ser gerente jurídico, político e militar de nações, e não de crianças. O que está ocorrendo gradualmente na sociedade contemporânea é alienação do dever orgânico da paternidade ao Estado, e quando mais um problema surge nesse seio, como o da adultização e sensualização juvenil nas redes, novamente espera-se do Estado a solução punitiva e restritiva sem que se corrija a raiz do problema: a falta de responsabilidade parental.

Concordo, porém, que o Estado deva cobrar restrições reais à sexualização infantil na internet, pois, se não é seu dever primário educar e restringir cada criança, é, sim, seu dever punir redes sociais negligentes por permitirem conteúdos sensuais e até sexuais de crianças e adolescentes em suas plataformas. Não podemos permitir que, sob uma retórica de liberdade individual e de expressão, um conglomerado tech aceite que crianças sejam expostas, seminuas, em vitrines virtuais públicas a um bando de abutres sexuais que se alimentam de forma viciosa de conteúdos desse tipo. O que se espera do Estado é uma atuação técnico-jurídica, não ideológica, não política, mas voltada para a defesa central da infância. O que se defende na regulamentação midiática lulista é a própria criminalização de opiniões, por outra via, o que vejo como responsabilidade do Estado é a cobrança jurídica das plataformas por mecanismos de afastamento infanto-juvenil de conteúdos sexualizados. Há uma diferença abissal no que eu defendo e no que o governo Lula quer, que fique claro.

No entanto, mesmo defendendo um papel para o Estado no enfrentamento desse problema, acredito antes que haja uma hierarquia de responsabilidades que passa primeiro pelas famílias, depois pelas plataformas e, por fim, pelo Estado. Mudar tal cadeia de enfrentamento não trará efeitos desejados, apenas embaçará o debate e afastará soluções efetivas e duradouras.

A infantilização parental

Segundo o DataReportal 2024, os brasileiros adultos passam em média 9h13 por dia na conectado à internet, dos quais 5h19 são nos smartphones ‒ 57,6% do tempo online. Sendo assim, o Brasil aparece como o segundo país com maior tempo diário on-line no mundo. E quando o assunto são as redes sociais, o ecossistema que o engloba já é maioria demográfica por aqui: 68% da população e 84% dos adultos estão nas redes ‒ uma escala que transforma usos individuais das redes sociais em fenômeno de comportamento coletivo oficial. E ainda na pesquisa atualizada do DataReportal, deste ano de 2025, somente no Brasil são mais de 144 milhões de pessoas com identidades ativas nas diversas redes sociais.

E é aqui que esbarramos em um dos problemas ignorados nesse debate: a dependência contumaz dos adultos em redes sociais. Os pais, aqueles que deveriam ser a primeira e mais importante barreira para esse mal da sexualização infantil nas redes, são tão viciados e mesquinhos ante a tecnologia quanto os seus filhos. Quando não são eles próprios a exporem suas crias nas estufas de tarados das redes sociais. Outro aspecto ignorado ‒, mas que anda junto à adultização de crianças e adolescentes ‒ é a infantilização e a mediocridade psicológica normatizada dos adultos. Pais e mães passam horas consumindo reels e postagens nas redes, alienando e, por vezes, terceirizando seus deveres de pais em troca de doses de serotonina digital. Muitos deles, assumindo a tentativa de se tornarem influencers e criadores de conteúdo, sob o custo da privacidade familiar, saúde mental dos filhos etc. As redes estão tornando os adultos em indivíduos fúteis, de mentalidades e posturas rasas; de dancinhas em dancinhas, passam horas a fio sem produzir, educar e sem terem contato humanizado com seus filhos, os quais, muitas vezes, vendo seus esteios de homem e mulher afogados e drogados em seus smartphones, se drogam eles mesmos no mesmo crack digital.

Jonathan Haidt, em A Geração Ansiosa (Companhia das Letras), mostrou-nos como a geração hiperconectada do pós-2000 está crescendo idiotizada, sem práticas sociais, sem interações factuais, e, consequentemente, sem o básico amadurecimento psicológico através dos conflitos e ações reais; os pais, por sua via, estão se tornando frívolos, sem capacidade de correção efetiva, optando pela distração e pelo entretenimento que cala os filhos numa tela de vícios, em vez do convívio e do trato real do diálogo franco. O problema disso não é somente o visível advento de adolescentes toscos e inaptos à vivência social, mas também o surgimento de pais que estão se tornando adultos incapazes de responderem às responsabilidades inatas da paternidade, sem condição psicológica alguma de serem alicerces e a “mão que torce o chuchu”, hoje as suas mãos estão apenas rolando o feed.

Três dicas para enfrentar o problema

Para finalizar, quero deixar três dicas preciosas que obtive de leituras extensas sobre o tema ‒ esse assunto vem tomando boa parte da minha atenção nos últimos dois anos. Para tais dicas, indico antes três livros essenciais, o livro acima citado, A Geração Ansiosa de Haidt; A Fábrica de Cretinos Digitais (Vestígio), de Michel Desmurget; e Insanidade Digital (Alta Cult), de Nicholas Kardaras. A melhor maneira de proteger seus filhos é: primeiro, não sendo você, pai ou mãe, um utilizador compulsivo e irresponsável das redes. Seus filhos, consciente ou inconscientemente, absorvem, repetem e adquirem posturas e ideias daqueles que convivem com eles, principalmente os pais; se seus maiores bastiões são viciados e irresponsáveis ante as tecnologias, dificilmente eles serão diferentes. Segundo, crianças não devem ter redes sociais, pois crianças não têm os básicos freios morais definidos e nem a capacidade de julgar ‒ à plena luz dos fatos ‒ o que é certo e errado em interações digitais, elas tendem a se deixar levar pelo comum, e o comum nas redes não é sempre ‒ como esta semana percebemos ‒ o correto e o sadio. Terceiro, seu filho adolescente também não precisa necessariamente de uma rede social, pois ainda que ele possa estar mais desenvolvido com relação às suas ideias e princípios, posturas e responsabilidades, ainda não tem todos os parâmetros definidos em sua psique; adolescentes tendem a ser impulsivos e inconsequentes, e as redes sociais podem amplificar certas tendências danosas, que vão do suicídio, depressão e depravação, sem falar de doutrinação ideológica e de demais extremismos de todas as vertentes. As redes criam e nutrem bolhas de pertencimento, e adolescentes tendem a buscar aceitação a todo custo em tais grupos, eles se moldam mentalmente, modificam posturas e marginalizam o senso comum e a moralidade, tornando-se, por vezes, cada vez mais radicais à medida que os algoritmos entregam mais conteúdos retroafirmativos e pessoas de sua bolha incentivam sua radicalidade como forma de fidelidade e, paradoxalmente, “independência”.

Em suma, acredito que tudo passa a se perder no momento em que os pais proíbem os filhos de terem Instagram e Tik Tok, porém eles mesmos passam quatro ou cinco horas diárias vendo mulheres e homens rebolando nos reels e rolando a timeline, perdem horas infindáveis disputando suas opiniões políticas, achando que o essencial da existência corre em torno de suas intervenções digitais, e não ao redor da mesa de jantar com sua família. Dos pais, se espera antes o exemplo, a coerência e o diálogo franco, no mínimo. Anacronicamente demonizar as plataformas antes de verificar se fomos bons pais e educadores dentro de casa, está aí uma atualização contemporânea da velha tática do bode expiatório que busca vingar nossa culpa primária. O Instagram não vigiou corretamente, é verdade, mas o filho é teu. Onde você estava?

Leia também: “Como as democracias morrem?”, artigo publicado na Edição 283 da Revista Oeste

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