De cada 100 hectares plantados, mais de 90 permanecem sem seguro em 2025. É o famoso “apostar contra o clima e deixar a sorte cuidar”.
Quando o clima não ajuda — e se mostra cada vez mais instável —, a conta vem pesada. Quem paga? Produtor, consumidor e governo, que corre para improvisar renegociações.
Há 25 anos vejo o agro crescer em tecnologia, produtividade e exportações. Mas, na gestão de riscos, avançamos timidamente. O seguro rural continua tratado como política secundária, quando deveria ser prioridade nacional.
Outros países já consolidaram o seguro como política de Estado. Aqui, seguimos presos a modelos dos anos 1970. Pior: desmontamos o pouco que já tínhamos.
O Programa de Subvenção ao Prêmio (PSR), do Ministério da Agricultura, cobria 14 milhões de hectares em 2021. Hoje, não passa de 4 milhões. Com subsídios menores e instáveis, o seguro rural perdeu capacidade de pulverizar riscos, concentrando-se em poucos estados do Centro-Sul via canais bancários que exigem garantias em operações de maior risco, e afastando tanto o Centro-Norte quanto produtores com menor percepção de risco em todo o país.
Trata-se de uma política agrícola que aprofunda a seleção adversa: riscos mais propensos a sinistros contratam seguro com maior frequência, elevando o custo médio e aumentando o risco da carteira.
O efeito é imediato: prêmios mais altos, coberturas reduzidas e risco crescente diante da alta sinistralidade e da instabilidade climática.
Uma política inconsistente e imprevisível desestrutura a lógica de um seguro acessível, capaz de cobrir custos de produção e garantir fluxo de caixa — deixando o país exposto aos riscos das mudanças climáticas.
O ecossistema do seguro rural vive um efeito cascata:
- Produtores deixam de contratar por alto custo e baixa cobertura;
- Seguradoras e resseguradoras veem vendas caírem e risco aumentar;
- Empresas de serviços e de tecnologia para o seguro precisam se readequar ou buscar outras oportunidades;
- Corretores não conseguem recuperar investimentos nem manter a folha de pessoal;
- Peritos, sem mercado, buscam outras atividades.
Se a situação não se reverter, a rede do seguro rural, fruto de duas décadas de construção, pode se fragilizar a ponto de perder sua sustentabilidade.
É nesse cenário que nasce o Observatório do Seguro Rural da FGV Agro, com a missão de produzir dados, pesquisas e diagnósticos sólidos, por uma instituição isenta e de referência nacional. Assim, o objetivo é que governo e setor privado deixem de adivinhar e passem a decidir com base em estudos técnicos propositivos.
Renegociar dívidas não resolve. É maquiagem cara sem atacar a raiz do problema. Seguro rural é o mecanismo mais eficiente para manter produtores de pé, financiadores recebendo e o setor funcionando sem sombra de inadimplência.
O Brasil precisa de previsibilidade. Seguro rural não é luxo. É condição de sobrevivência. Enquanto tratarmos o tema como gasto e não como investimento, seguiremos presos ao ciclo da improdutividade: improviso, prejuízos e perda de competitividade.
O Observatório é um chamado à ação. Ou o Brasil assume o seguro rural como política estratégica, ou continuará brincando com fogo — e pagando caro por isso, desperdiçando a chance histórica de ampliar em 40% sua produção agrícola nos próximos dez anos.
Em tempos de guerra, mudanças climáticas e COP30, vale lembrar as sábias palavras do professor emérito da FGV e eterno ministro Roberto Rodrigues: “Onde tem comida, tem paz.”


*Pedro Loyola é consultor em gestão de riscos agropecuários e financiamento sustentável e coordenador executivo do Observatório do Seguro Rural da FGV Agro.
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