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França e Reino Unido iniciam nova etapa da corrida nuclear

A assinatura da Declaração de Northwood, nesta quinta-feira, 10, em Londres, entre França e Reino Unido, é um passo inédito dentro da corrida armamentista. Os dois países europeus eram dos poucos que mantinham cautela ao informar a respeito de seus arsenais nucleares. Eram reticentes em relação às ameaças de utilizá-los. Fizeram isso pela primeira vez, com a assinatura da declaração.

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“Esta manhã assinamos a Declaração de Northwood, confirmando pela primeira vez que coordenaremos nossa dissuasão nuclear de forma independente”, afirmou o primeiro-ministro britânico Keir Starmer, durante o encontro com o presidente francês, Emmanuel Macron.

O britânico prosseguiu, ao destacar a dimensão do pacto para a Europa e para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). “A partir de hoje, nossos adversários saberão que qualquer ameaça extrema a este continente acarretaria uma resposta de nossas duas nações.”

Por este documento, ambos os países se comprometem a se proteger um ao outro, inclusive com uso de armamento nuclear em caso de necessidade.

Atualmente, nove países possuem armas nucleares, sendo cinco reconhecidos oficialmente pelo Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP): Estados Unidos (EUA), Rússia, China, França e Reino Unido. Há ainda quatro que não aderiram ou se retiraram do tratado, mas mantêm arsenais atômicos: Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte.

No último conflito entre Israel e Irã, entre 12 e 23 de junho, o objetivo de Israel era acabar com o programa iraniano de desenvolvimento de uma arma nuclear. Naquele mês, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) declarou, em seu último relatório trimestral, que o Irã havia acumulado urânio enriquecido com até 60% de pureza.

Israel possuía essas informações. O estágio do projeto iraniano indicava que o país estava a um pequeno passo técnico para atingir o grau de arma nuclear, ou seja, 90% de enriquecimento, o que possibilitava a fabricação de nove bombas nucleares.

Em 12 dias, Israel destruiu instalações-chave no vasto programa iraniano: Natanz, Isfahan e Fordow. Os EUA entraram no último dia e, ao bombardearem Natanz e Fordow, completaram os ataques israelenses.

O conflito foi a mais recente situação em que a possibilidade de um ataque nuclear se tornou iminente. Em outros momentos da história, isso já havia ocorrido, depois dos mortíferos ataques dos EUA a Hiroshima e Nagasaki.

As bombas foram lançadas pelos EUA no final da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945). A bomba de Hiroshima, ironicamente chamada de Little Boy, foi lançada em 6 de agosto de 1945 pelo bombardeiro Enola Gay e usava urânio-235.

Três dias depois, Nagasaki foi atingida pela bomba Fat Man (também nome irônico), que usava plutônio-239, lançada pelo bombardeiro Bockscar.

Estima-se que, somadas, as explosões causaram a morte de aproximadamente 200 mil pessoas, entre vítimas imediatas e aquelas que morreram posteriormente em decorrência de ferimentos e exposição à radiação.

Proposta do físico

As consequências dos ataques levaram a uma corrida nuclear e, ao mesmo tempo, à utilização das armas atômicas como forma de dissuasão. Alguns episódios em que a utilização de armamento nuclear se tornou uma ameaça iminente merecem destaque.

Antes de Hiroshima e Nagasaki, o matemático e físico húngaro John von Neumann (1903 – 1957), um dos integrantes do Projeto Manhattan, que desenvolveu as armas nucleares dos EUA, participou de uma campanha para conter a corrida nuclear e a possibilidade de uma guerra atômica.

Mas, conforme conta o economista Eduardo Gianetti no livro Imortalidades (Companhia das Letras, 2025), ele defendeu a tese de que os EUA deveriam realizar um ataque nuclear à União Soviética (URSS) de forma preventiva. O objetivo era evitar que os soviéticos construíssem um arsenal atômico. A proposta não foi aceita pelo governo norte-americano.

Uma competição acirrada prevaleceu entre os dois países. A URSS desenvolveu armas atômicas. Mas a China também entrou na mira dos EUA. Em março e maio de 1953, em reuniões do Conselho de Segurança Nacional, o então presidente Dwight David Eisenhower (1890 – 1969), do Partido Republicano, discutiu a possibilidade de usar armas atômicas contra as forças chinesas que lutavam ao lado da Coreia do Norte.

A argumentação foi marcada por um racional econômico: “poderia ser mais barato, em termos monetários, usar armas atômicas na Coreia do que continuar a guerra convencional”.

Na gestão de Eisenhower, aliás, a corrida armamentista ganhou grande impulso. Ele, ao lado do secretário de Estado, John Foster Dulles, também considerou e ameaçou o uso de armas nucleares contra posições chinesas durante a Crise do Estreito de Taiwan de 1954–1955.

Baía dos Porcos

Na década de 1960, o risco se estendeu para o Partido Democrata, do presidente John F. Kennedy. A crise dos mísseis de Cuba, em 1962, quase levou a uma guerra nuclear entre EUA e URSS.

O governo soviético havia instalado a pedido do ditador comunista Fidel Castro, mísseis nucleares soviéticos em território cubano, direcionados ao Estado da Flórida.

O impasse durou 13 dias e representou o momento de maior tensão nuclear da Guerra Fria. Foi motivado pela fracassada Invasão da Baía dos Porcos, em 1961, realizada por dissidentes cubanos com treinamento da CIA e do exército norte-americano, e pela presença de mísseis americanos PGM-19 Jupiter na Itália e na Turquia.

Kennedy, nos últimos instantes da tensão, se entendeu com o ditador soviético Nikita Khrushchev. Os russos retiraram os mísseis e os EUA se comprometeram a retirar seu arsenal na Itália e Turquia e a não realizar invasões em território cubano.

Já em 1981, com um arsenal nuclear desenvolvido, mas não admitido formalmente, Israel atacou a usina nuclear iraquiana Osirak.

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O nome foi dado porque o projeto do reator foi desenvolvido com ajuda da França, que usou o nome Osiris para uma linha de reatores nucleares experimentais. Assim, Osirak junta Osiris (a tecnologia do reator) com Iraque (o país anfitrião), formando o nome da usina. O ditador iraquiano Saddam Hussein tinha a obsessão de construir um arsenal nuclear e investiu pesado no projeto.

Durante a década de 1970, Índia e Paquistão também desenvolveram armas nucleares. A situação de maior risco ocorreu em maio de 2025. Foram quatro dias de intensos ataques com mísseis dos dois lados da fronteira e troca de tiros de artilharia concentrados. A maior parte foi direcionada à disputada região da Caxemira.

O motivo para o conflito, segundo a Índia, foi um ataque terrorista em 22 de abril, em Pahalgam, no qual 26 turistas morreram. A Índia atribuiu a ação a grupos infiltrados no Paquistão, com o aval do governo local.

O ministro da Defesa do Paquistão, Khwaja Asif, advertiu repetidamente que o Paquistão poderia ser levado a usar seu arsenal nuclear. A população do país é um sexto e a economia, um décimo do tamanho da Índia.

Tratados e riscos

Os países da Europa que possuem armas nucleares não costumam realizar ameaças de utilizá-las, até esta quinta-feira. Mas a simples presença delas já é uma forma de pressão.

Vários tratados estão em andamento na tentativa de controlar e até reduzir o arsenal nuclear. Além da Declaração de Northwood, a corrida armamentista nuclear começou a tentar desacelerar em 1968, com o TNP, assinado por 191 países.

Índia, Paquistão e Israel nunca assinaram o tratado. A Coreia do Norte o assinou em 1985, mas, acusada de realizar um programa clandestino, se retirou em 2003.

Em seguida, vieram os tratados Strategic Arms Limitation Talks (SALT I), de 1972, e SALT II, de 1979, que limitaram a expansão dos arsenais dos EUA e da URSS. Nos anos 1980, o Intermediate-Range Nuclear Forces Treaty (INF, de 1987) baniu mísseis de alcance intermediário. Já o Strategic Arms Reduction Treaty (START I), de 1991, marcou o início da redução real de ogivas estratégicas.

O tratado New START, assinado em 2010 e prorrogado até 5 de fevereiro de 2026, permanece em vigor, apesar de a Rússia suspender formalmente sua participação em 2023.

Há ainda o Tratado de Proibição de Armas Nucleares (TPNW), em vigor desde janeiro de 2021, com 73 ratificações até setembro de 2024, e o Tratado de Proibição de Testes Nucleares (CTBT).

O CTBT proíbe testes nucleares em qualquer ambiente e foi assinado em 1996, mas ainda não entrou em vigor. Outro documento vigente é o da Zona Livre de Armas Nucleares do Sudeste Asiático (SEANWFZ).

O SEANWFZ foi assinado em 1995 pelos 10 estados membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN): Brunei, Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Myanmar, Filipinas, Singapura, Tailândia e Vietnã.

O acordo declara o Sudeste Asiático como uma zona livre de armas nucleares. A China ainda não é signatária, mas, nesta quinta-feira, se comprometeu a assinar.

Tantos tratados, porém, não estão sendo suficientes. Segundo o Stockholm International Peace Research Institute (Sipri), a corrida nuclear está se intensificando: cerca de 12.241 ogivas globais em 2025, com estoque operacional (pronto para uso) em torno de 9.600.

Enquanto os EUA e a Rússia modernizam arsenais, China, Índia, Paquistão, Reino Unido e possivelmente Rússia estão aumentando suas capacidades.

O Irã não deixou o TNP ainda, mas retirou temporariamente seus inspetores da AIEA, em resposta a ataques recentes e exigiu revisão do que chama de “padrões duplos” da agência.

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