O inverno de 2025 para o hemisfério sul veio com intensidade. Diversas ondas de frio atingiram o sul da América do Sul e sudeste da Austrália, derrubando as temperaturas em vários lugares e ocasionando fenômenos relativos aos quadros meteorológicos que predominam nessa estação. Efeitos regionais propiciaram cenários espetaculares, bastante distintos da maioria das pessoas que estão acostumadas com a vida tropical.
Maio já sinalizava temperaturas abaixo da média (1991-2020) obtidas pelos satélites nas áreas oceânicas desde o sudeste do Índico, seguindo por todo o setor sul da Austrália, Pacífico e cone sul-americano, estendendo-se até a Antártica. A troca térmica entre a região extratropical e polo se localizou no corredor do Atlântico, penetrando pelo mar de Weddell, Antártica, excetuando toda a região do mar mais ao sul, entre o Atlântico e o Índico.


No mês de junho, as anomalias negativas ocasionadas pela passagem das massas frias se confirmaram sobre o cone sul-americano, apresentando valores abaixo da média histórica de 30 anos. A troca térmica de Weddell mais intensa ficou próxima da península antártica, enquanto o setor adjacente entre a península, a costa antártica de Weddell e toda a junção entre os oceanos Atlântico e Índico apresentaram anomalias também negativas.


Com a chegada do solstício de inverno do hemisfério Sul, em 20 de junho, os quadros meteorológicos já sinalizavam que as massas de ar frio, oriundas do setor do mar de Ross, Antártica, seguiriam o trajeto em sentido à América do Sul, cruzando Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e os Estados do Sul e sudeste brasileiros.
As massas frias apresentam sua intensidade conforme alguns aspectos como tempo de permanência na região de origem, velocidade de deslocamento sobre outras superfícies, influência oceânica, mas principalmente os efeitos da sazonalidade climática sobre o continente antártico, pois a quantidade de energia recebida na sua origem se torna um fator crucial.
Durante o inverno, a Antártica terá dias muito curtos e, além dos 80o Sul de latitude, até períodos de 24 horas de noite. Sem radiação solar para amenizar a constante perda de energia, as temperaturas caem vertiginosamente no polo. A região interiorana do continente alcança facilmente –50,0oC e na área costeira, as temperaturas podem variar de –5,0 a –20,0oC, conforme o local porque os oceanos podem minimizar o problema, fornecendo calor armazenado.
As massas de ar formadas se deslocam em forma de Anticiclones Polares Móveis (APM), saindo da região continental ou costeira polar e migrando em sentido às latitudes mais baixas. As massas de ar, como unidades aerológicas, acabam por trazer características genéticas, oriundas do local de sua formação, como as baixíssimas temperaturas, teores reduzidos de umidade absoluta por toda a massa, alta estabilidade atmosférica etc. As mais severas que atingem o Brasil normalmente são oriundas do setor antártico do mar de Weddell, quando algumas configurações de ciclones extratropicais passando pelo estreito de Drake e pelo Sul do Atlântico facilitam um escoamento em sentido à América do Sul. Em geral, quedas severas de temperatura estão associadas a essas massas.
Durante o nosso período de inverno no HS, o alcance dessas massas frias se estende para mais além do que normalmente verificamos no período do verão e sua influência pode ser observada até em latitudes tropicais, às vezes atingindo até o sul do Acre ou Amazonas. Enquanto se deslocam, os APM interferem drasticamente nos quadros meteorológicos por onde passam, realizando a alternância de tempo e suas características. Geralmente, quanto mais fria estiver a Antártica, e vimos isto acontecer várias vezes nos últimos 20 anos, especialmente em 2021, maior será a probabilidade dessas massas se apresentarem mais severas.
No caso específico do corredor sul-americano que cobre a área continental, tivemos uma sucessão de massas de ar em sequência desde junho, com as duas últimas deste mês muito severas, chegando até o início do mês de julho, alternando sua origem, ou do Pacífico, ou do Atlântico, saindo da extremamente fria região de Weddell. Isto pode ser um indício de que a Antártica, nesse ano, também apresente temperaturas muito baixas até setembro. Neste caso, as condições dos quadros meteorológicos serão bastante diferenciadas de um inverno mais comum.
Se por um lado temos a escala maior planetária determinando temperaturas muito baixas, ainda teremos as consequências regionais de segunda ordem, como as características geográficas de climas de altitude e latitude mais elevadas. Os estados do sul do Brasil entram categoricamente nos climas mais frios por latitude, especialmente durante o inverno, mas várias regiões serranas destes estados também terão a contribuição dos efeitos de altitude, onde quanto mais alto for a altitude, mais frio será.
Uma vez que entendemos essas características mais gerais, poderemos analisar os quadros meteorológicos mais específicos que envolvem a disponibilidade de umidade por onde cada massa fria percorre e as temperaturas em altitude que favorecem certos tipos de fenômenos meteorológicos. Estas condições fazem a distinção entre termos a ocorrência de precipitação de neve, água-neve ou chuva congelada, quando não uma mistura de vários deles.
Nos eventos recentes de junho e início de julho, tivemos o escoamento de umidade que normalmente percorre o corredor noroeste-sudeste até final de junho, cuja origem primária ocorre na área tropical do oceano Atlântico, seguindo pela região amazônica e descendo em sentido aos estados do Sul. O embate com as massas frias ocasionam rápida condensação da umidade e normalmente resultam em chuvas em invernos mais comuns.


1º de julho de 2025, às 0910Z, 6h10 de Brasília. A linha azul indica a circulação de umidade em
baixos níveis. A área azulada indica um setor carregado de umidade que facilitou a ocorrência de
fenômenos frios notáveis, como a ocorrência de neve em áreas serranas dos estados do Sul, dada
a circulação muito fria proveniente da Antártica, indicada pelas setas brancas (Fonte: adaptado de
NOAA e Inmet, 2025)
Quando as temperaturas do ar nos diversos níveis da troposfera (primeira camada da atmosfera de baixo para cima) são muito mais baixas, o processo de mudança de fase do vapor d’água para o estado líquido ou sólido pode apresentar outras formas, conforme a altura, desenvolvendo vários estratos distintos. Se ele não for rápido o suficiente em um dos estratos, o vapor poderá primeiro condensar em água líquida e depois congelar a gotícula, formando chuva congelada.
Se as condições forem de temperatura abaixo de zero, uma relativa calmaria atmosférica e um choque rápido entre a massa úmida com a fria, as chances de sublimação são maiores, quando o vapor se torna gelo, permitindo a formação dos primeiros dendritos (aquelas estrelinhas que simulamos como enfeites de Natal) que podem aglutinar-se, formando flocos de neve suficientemente mais pesados para precipitarem. Em algumas situações isto pode acontecer mesmo com vento, criando a neve soprada ou bancos de neve. Algumas características muito particulares poderão gerar outros fenômenos dignos de espetáculos.
O sincelo é um deles, quando um nevoeiro, um fenômeno formado por gotículas minúsculas em suspensão no ar entre –2,0 a até impressionantes –8,0oC poderá gerar dendritos, pois a parcela apresenta também muito vapor d’água. Ao escoar próximo à superfície, as gotículas desaparecem, mas se formam cristais de gelo quando o ar escoa, tocando em superfícies frias abaixo de zero. Os dendritos ficam presos nas beiradas das estruturas das casas, nos fios e nos ramos de arbustos ou nas folhas e cascas das árvores, apresentando um cenário belíssimo entre o branco que delineia as formas e as cores do céu e da superfície do chão.
Os casos recentes do Sul do Brasil trouxeram uma combinação de fatores que envolvem o quadro meteorológico sinóptico de inverno com a presença de um Anticiclone Polar Móvel intenso (a massa de ar polar) e o escoamento de umidade de baixos níveis exatamente na mesma posição. O fator altitude das serras entrou como um reforço, facilitando a formação de neve, onde a nebulosidade esteve presente, ou geada, onde o céu esteve aberto durante a madrugada.
Este quadro passa a ficar mais raro de acontecer devido à diminuição da disponibilidade de umidade que se seguirá pelos próximos meses, pois grande parte do Brasil entrará no período de estiagem. A umidade do escoamento Noroeste-Sudeste tende a diminuir bastante, especialmente porque a Zona de Convergência Inter-Tropical, uma linha contínua de trovoadas, segue para a área tropical do hemisfério Norte, fortalecendo a temporada de ciclones tropicais no Atlântico.
Quanto aos relatos de sensação térmica, lembremos que os valores de temperatura que foram apresentados como sensação térmica de – 29,0oC são relativos a um índice, ou seja, um cálculo que estima qual seria a temperatura que o corpo sentiria relativa a sua perda de calorias. Existem vários tipos de índices, tanto para condições quentes quanto para as frias. Em geral, os mais comuns referentes ao frio utilizam a velocidade do vento e a temperatura do ar. Os mais complexos ainda incluem a umidade presente no ar e a incidência de radiação solar.
Se os quadros meteorológicos com intensos APM persistirem, teremos um inverno bastante frio para os estados do Sul e parte do Sudeste, mas com redução da umidade. Nestes casos, há alta probabilidade da diminuição da precipitação de chuvas e baixa probabilidade da ocorrência de neve pela contribuição de quadros meteorológicos de maior escala. Apenas alguns efeitos regionais podem destoar do prognóstico mais geral. Sob essas condições, as baixas temperaturas causarão mais o tradicional fenômeno da geada.
Enquanto isto, a narrativa da “mudança climática” mostra os franceses “esbaforidos” pelo seu curtíssimo verão de duas semanas, concomitantemente enquanto o HS apresenta temperaturas extremamente baixas. É sempre assim, pois o ataque do mostro “aquecimento global” é altamente seletivo em onde vai agir, especialmente se a climatologia e sua variabilidade o ajudarem.
Confira ainda
Leia também: “Estado x Nação”, artigo publicado na Edição 278 da Revista Oeste