O pagamento do Corinthians à Caixa Econômica Federal pelo financiamento da Neo Química Arena voltou a ser tema de debate no Parque São Jorge após a declaração polêmica de Romeu Tuma Júnior, presidente do Conselho Deliberativo do clube.
Em entrevista coletiva na última segunda-feira (8), o cartola sugeriu que a diretoria buscasse uma renegociação com o banco para adequar o pagamento à realidade financeira alvinegra.
“Senão, para de pagar o estádio. Vai pagar as dívidas que temos que são mais urgentes para evitar bloqueio. Para de pagar, acabou. Temos que buscar uma solução, não temos dinheiro”.
Em entrevista exclusiva à ESPN, Carlos Antônio Vieira Fernandes, presidente da Caixa, disse que está aberto a negociar com o Corinthians em busca de uma solução, sugerindo a utilização de um fundo que possibilite ao clube quitar a dívida e ainda ter “ganhos” com a operação.
“Esse, de fato, não é um assunto novo. A gente fala nessa opção de venda de cotas do fundo imobiliário já há algum tempo. Isso não tem um grande grau de ineditismo”, afirmou Rozallah Santoro, conselheiro e ex-diretor financeiro do Corinthians, em entrevista exclusiva à ESPN.
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Presidente do conselho deliberativo deu a declaração em entrevista coletiva na última segunda-feira (8)
De fato. O debate envolvendo a utilização do ‘Arena Fundo de Investimento Imobiliário – FII‘ para pagamento da dívida em relação ao estádio de Itaquera, desenvolvido pelo clube em parceria com a consultoria KPGM, foi noticiado pela ESPN durante as gestões dos últimos três responsáveis pelo departamento financeiro do clube: Wesley Melo, o próprio Santoro, e Pedro Silveira.
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O tema, como a ESPN informou na terça-feira, ganhou fôlego novamente, agora sob a gestão de Emerson Piovesan na pasta.
“É uma discussão que vem desde o Wesley Melo, que me antecedeu lá na diretoria financeira. Era alguma coisa que foi tentada na época com o apoio de uma consultoria externa. Foi feita uma apresentação para o mercado. Essa ideia nunca foi abandonada quando estive na gestão. No início de 2024 a gente fez uma primeira visita ao presidente da Caixa para retomar esse assunto e eles foram muito receptivos”.
“Na cabeça deles, a gente tinha que fazer emissão [de cotas] para valores maiores. Nessa conversa a gente chegou à conclusão que fazia sentido segmentar a oferta e, de alguma forma, popularizar. E aí você vê a fala dele de que isso poderia começar com R$ 100. Depois que eu deixei a gestão, o Pedro Silveira, que me sucedeu, também tentou levar isso adiante”.
“Mas como vocês veem, são três gestões que, de alguma forma, tangenciaram esse assunto na gestão da diretoria financeira. Estamos aqui na quarta, com a Emerson Piovesan”.
Por que o projeto do fundo imobiliário ainda não avançou no Corinthians?
O Corinthians é proprietário e acionista único do ‘Arena Fundo de Investimento Imobiliário – FII‘. Mas a decisão de buscar um aporte no mercado através do fundo imobiliário não fica só a cargo da diretoria do clube, hoje liderada por Osmar Stabile.
“Tem um grau de complexidade que não é trivial”, disse Rozallah. “Para tirar do papel, tem algumas coisas que merecem ponderação. A primeira é que, obrigatoriamente, você vai ter um trâmite de aprovação nos órgãos internos do clube. Isso vai ser motivo de apreciação do CORI [Conselho de Orientação] e, seguramente pelos valores envolvidos, dado que você está vendendo uma propriedade do clube, que são as cotas do fundo, vai ter que submeter isso ao Conselho Deliberativo”.
“Vencida essa etapa, você tem outra que é até mais complexa, que é você mostrar para o mercado que isso é um ativo financeiro que merece ser avaliado e que merece o investimento do recurso”.
O que ‘vaquinha’ da torcida ensina sobre a ideia do fundo imobiliário?
A diferença central entre a ideia de negociar cotas do fundo imobiliário e a “vaquinha” feita pela Gaviões da Fiel – que superou a marca de R$ 40 milhões – é que o torcedor não faria doações para o pagamento da dívida contraída pelo financiamento do estádio, mas sim um investimento.
Em resumo: ele seria dono de uma cota da Neo Química Arena.
“O presidente da Caixa coloca que os torcedores poderiam se mobilizar. Está correto, mas a questão aqui é: a gente acabou de passar por uma experiência de vaquinha, que, na minha opinião, foi bem-sucedida na medida em que trouxe para a mesa basicamente 40% a mais do que a gente arrecada de bilheteria por ano. Mas mostrou que está longe de ter a capacidade de captar os valores que são necessários para enfrentar essa questão da dívida. O problema da dívida não é só o financiamento da Arena. O financiamento da Arena é um componente e responde por R$ 700 milhões de R$ 2,6 bilhões do total da dívida”, citou Rozallah Santoro.
“O clube precisa demonstrar capacidade de gestão do ativo Arena Corinthians. Vejo a gestão Osmar Stabile empenhada em fazer isso acontecer. Mas, de fato, quando a gente olha a Arena do jeito que ela é hoje, não dá para pensar que um ativo que funciona 35 vezes por ano vai ter capacidade de gerar o resultado esperado para remunerar esse investimento no fundo imobiliário”.
Simplificando: o Corinthians precisaria buscar formas de elevar o faturamento e o lucro sobre a operação do estádio em Itaquera para que pudesse concorrer com outros fundos de maneira atraente financeiramente no mercado.
Em 2024, quando alcançou o recorde de 1,49 milhão de torcedores em 35 partidas, o estádio atingiu a arrecadação bruta de R$ 87,9 milhões, sendo que parte desse valor foi destinada ao pagamento de gastos de operação da própria Arena.
O restante foi direcionado ao pagamento de juros do refinanciamento acertado com a Caixa, em 2022.
“Fui procurar algumas casas que fazem estruturação de produtos similares. A sinalização que tive de mercado é que, hoje, as emissões que estão acontecendo não têm conseguido levantar um volume de recurso na casa de R$ 700 milhões. O mercado está operando abaixo disso”, disse Rozallah Santorno à ESPN.
“A gente pode ter, em função do lado torcedor do negócio, uma procura maior? Pode. A gente pode, eventualmente, trabalhar numa taxa um pouco mais baixa do que o mercado trabalha? Até pode. Só não é tão provável que isso tenha sucesso”.
“O mais importante é a gente estar com uma prova na mão de que, se esse produto não tiver um risco-retorno adequado para o mercado, ele vai ser uma reedição da vaquinha. Se a gente quiser fazer desse produto uma iniciativa que tenha potencial de trazer investimento externo, esse produto precisa ser muito bem pensado, muito bem desenhado e precisa ser comparado com o que é a alternativa de investimento no mercado”.
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A dívida do clube em relação à Neo Química Arena está na casa dos R$ 675 milhões, sendo reajustada anualmente com base no CDI (Certificado de Depósito Interbancário), hoje em 14,9%, mais 2%.
“Não é fácil fazer. Tem o desafio da rentabilidade, tem o desafio de demonstrar para quem está comprando essa participação na Arena que o Corinthians vai ter capacidade de gestão para gerar o retorno e que remunere aquele capital. Dito tudo isso, pensando que a gente tenha sucesso e que consiga captar esse dinheiro, ele responde por uma parte da dívida. Pela outra parte você não tem outro jeito que não seja um plano muito maior que envolva novas receitas. A capacidade de novas receitas é latente no Corinthians. A gente acompanhou o quanto vai aumentar a receita de Campeonato Brasileiro. A gente acompanhou o quanto vai aumentar a receita de Nike. Tem uma série de outros pontos que estão sendo discutidos com relação à receita. A gente ouve falar em naming rights, em renegociações de patrocínio. Tem o desafio que é o de segurar a despesa”.
“Sempre defendo isso, que a gente não enfrenta o problema na medida em que a gente cresce a despesa junto com crescimento da receita. A gente está falando de uma série de iniciativas que, em conjunto, podem compor o primeiro passo para solucionar o problema: aumento de receita, redução de despesa, investimento externo via venda de cotas do fundo da Arena. Nada disso sozinho vai resolver o problema. Vejo no Osmar alguém que está disposto a encarar esse desafio”.
O acordo atual entre Corinthians e Caixa foi assinado em 2022, ainda sob a gestão de Duilio Monteiro Alves. No centro da renegociação esteve a ampliação da carência, com o clube iniciando o pagamento dos juros pelo repasse a partir de 2023.
A quitação sobre o valor principal da dívida começou a ser feita apenas em 2025, também sob a taxa de juros CDI+2%.
O que é um fundo imobiliário? Como o torcedor do Corinthians pode comprar cotas da Neo Química Arena?
A ESPN ouviu Arthur Vieira de Moraes, professor da B3 Educação, para detalhar em quatro pontos essenciais o que é e como funciona um fundo imobiliário.
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O que é um Fundo Imobiliário?
“Um fundo imobiliário é um investimento coletivo. Um grupo de pessoas que se reúne e investe em um único veículo que compra ativos imobiliários. Pode ser um escritório, pode ser uma loja de rua, um shopping, como muitos existem. E pode ser um estádio de futebol. Tudo que é um imóvel, empreendimento imobiliário, pode ser investido por um fundo imobiliário”.
“Um gestor profissional pega o dinheiro dessas pessoas e faz investimentos imobiliários com interesse de retornar para os investidores o lucro do negócio, que pode vir do aluguel, pode vir de construção e venda. No caso de um Fundo Imobiliário de um estádio, provavelmente a ideia seja participar na renda gerada pelo imóvel”.
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Como que um fundo pode passar a ser comercializado na Bolsa?
“Já são quase 500 fundos imobiliários negociados em Bolsa. Posso ter um fundo que ainda não é listado na B3, na Bolsa de Valores, como é o caso do próprio Arena FII.
“A Neo Química Arena pertence a um fundo imobiliário, mas ele tem, se não me engano, um único cotista. Então pode, em algum momento, esse cotista tomar uma decisão de liberar as cotas para serem negociadas na Bolsa, fazer uma emissão dessas cotas. E aí qualquer pessoa, por meio de uma corretora de valores, pode comprar e vender essas cotas na B3, na Bolsa de Valores do Brasil”.
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Como um torcedor do Corinthians poderia comprar cotas da Arena?
“Se a diretoria, se o atual cotista do fundo, tomar essa decisão de levar as cotas à Bolsa, aí qualquer pessoa pode comprar e vender. Basta ter conta numa corretora de valores. Pode ser a corretora do banco onde já tem uma conta corrente, pode ser uma corretora independente”.
“Feito isso, as cotas passam a ser negociadas na Bolsa e qualquer pessoa pode comprar ou vender. O shopping que as pessoas frequentam, às vezes a escola dos filhos, a faculdade, a agência bancária, tem muitos imóveis no Brasil que pertencem a fundos imobiliários e que pagam o rendimento mensal para investidores, como se fosse um aluguel. Quem está ouvindo falar pela primeira vez de fundo imobiliário agora, por conta do estádio, vai descobrir que já existe um grande mercado e que faz parte do dia a dia das pessoas”.
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Como é que é esse retorno através do fundo?
“Um fundo imobiliário funciona muito parecido com a ideia de ter um imóvel para renda. Então, todo mundo já entende esse negócio. Vamos pegar o exemplo de um fundo imobiliário que tenha um estádio. Entenda que um imóvel comercial. Algum negócio acontece naquele imóvel”.
“O estádio é o palco do entretenimento futebol, do estacionamento, da praça de alimentação que tem em alguns estádios. É a casa de todos esses negócios e eles geram renda, no caso, para o fundo imobiliário que é dono do imóvel. A partir daí, tiram os custos de taxa de administração, de gestão, do próprio imóvel de vez em quando precisa de uma manutenção. O que sobra lá no final é o lucro. Esse lucro é distribuído aos cotistas e é isento de imposto de renda, inclusive, para a maioria dos investidores pessoas físicas no Brasil”.
“É comum que fundos imobiliários distribuam essa renda todos os meses. Acaba funcionando mesmo como se fosse ter um imóvel para ter renda de aluguel. Só que ao invés de eu comprar um imóvel e ter um inquilino, eu posso comprar 5, 10, 15 fundos imobiliários e ter renda de centenas de imóveis diferentes em vários lugares do Brasil”.
“Um poderia ser o estádio e outros tantos de outros setores do mercado imobiliário. Gera renda todos os meses. Além disso, as cotas são negociadas na Bolsa e eu posso comprar e vender a qualquer momento. Posso buscar a ideia de vender com lucro no futuro. Depende da variação de preço das cotas. A renda mensal, sempre que o fundo tiver lucro vai distribuir aos seus investidores, aos seus cotistas. Além da ideia do torcedor de se sentir dono de alguma coisa ligada ao clube do coração”.