O Festival Internacional de Cinema de Toronto (TIFF) retirou o convite para exibir o documentário The Road Between Us: The Ultimate Rescue (A Estrada Entre Nós: O Resgate Definitivo), dirigido pelo canadense Barry Avrich, que aborda o massacre cometido pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, por possíveis questões de direitos autorais. Os cineastas não teriam obtido permissão dos terroristas do Hamas, cujas imagens aparecem no filme, em reais cenas de assassinatos.
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A produção narra a história do general da reserva Noam Tibon, que correu para salvar seu filho, o jornalista Amir Tibon, e a família dele durante o ataque terrorista em seu lar no Kibutz Nahal Oz. Ao longo do ataque, mais de um quarto dos 400 moradores do local foram mortos ou feitos reféns. No total, mais de 1,2 mil pessoas foram assassinadas pelo grupo terrorista e 251, sequestradas.
O TIFF alegou que a decisão de cancelar a exibição se deu por falhas nos requisitos gerais do festival. Entre eles está a necessidade de aprovação legal de todas as filmagens, segundo a mídia israelense. O festival justificou que as condições buscavam proteger a instituição de possíveis implicações jurídicas e permitir a gestão de riscos associados à exibição de um filme sobre um tema sensível, “incluindo a ameaça de uma interrupção significativa”.
Fontes próximas à produção informaram que o problema central era a ausência de permissão dos próprios autores dos vídeos — os terroristas do Hamas — para uso das filmagens, o que levaria os cineastas a fornecer garantias legais ao festival contra eventuais processos.
Além disso, exigiu-se que aumentassem a segurança no evento e apresentassem uma carta de indenização legal. O festival ocorre entre 4 e 14 de setembro, e a distribuição canadense de The Road Between Us será feita pela Cineplex.
Em entrevista à Channel 12, a produtora de linha Talia Harris Ram comentou com ironia: “O tema dos direitos dos criadores é algo com que trabalho regularmente”, afirmou ela. “
Não há problema legal em exibir esses trechos, que já foram transmitidos ao vivo em 7 de outubro. Do ponto de vista da propriedade intelectual, eles estão claramente em domínio público.”
Talia reconheceu que a decisão era frustrante, mas não inesperada: “Vamos apenas dizer, quando comprei meu ingresso para Toronto, me certifiquei de que poderia ser cancelado. Eu sabia que algo assim poderia acontecer.”
O general aposentado Noam Tibon descreveu a retirada do filme como “absurda e bizarra”. Ele declarou:
“O Festival de Cinema de Toronto cedeu a pressões e ameaças, e escolheu silenciar e apagar o 7 de outubro”, observou o ex-militar. “Minha mensagem à direção do festival: a verdade não pode ser apagada. As atrocidades cometidas pelo Hamas não podem ser apagadas ou negadas.” Tibon acrescentou: “A alegação da direção do festival de que o filme não poderia ser exibido por falta de ‘permissão para usar’ as filmagens dos terroristas da Nukhba é absurda e bizarra, e constitui mais um dano às vítimas.”
Os cineastas também reagiram em comunicado: “Estamos chocados e entristecidos que um festival de prestígio tenha desrespeitado sua missão e censurado sua própria programação recusando este filme”, declararam.
“Em última instância, o cinema é uma forma de arte que estimula debates sob todas as perspectivas, podendo entreter e nos desconfortar ao mesmo tempo. Um festival de cinema apresenta o banquete, e o público decide o que verá ou não. Não somos cineastas políticos, nem ativistas; somos contadores de histórias. Permanecemos firmes, vamos lançar o filme, e convidamos audiências, emissoras e plataformas de streaming a formarem sua própria opinião, depois de assisti-lo.”
Israel critica a decisão de ‘proteger’ o Hamas
A decisão também gerou críticas de autoridades e organizações. O ministro das Relações Exteriores israelense, Gideon Sa’ar, afirmou estar chocado com o cancelamento. “Este festival teria pedido a Hitler ou Goebbels permissão para filmagens de Auschwitz… Esta decisão cruel e repugnante deve ser cancelada imediatamente!”
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O Canadian Centre for Israel and Jewish Affairs declarou que “é inconcebível que o TIFF permita que um pequeno grupo de extremistas — usando intimidação e ameaças de violência — determine quais filmes os canadenses podem assistir. Esta vergonhosa decisão envia uma mensagem inequívoca: a comunidade judaica de Toronto não é mais segura nem bem-vinda.”
O documentário será exibido em setembro em Toronto em uma sessão pública organizada pela comunidade judaica local. A história do resgate de Tibon já foi tema do programa norte-americano 60 Minutes, e Amir Tibon escreveu um livro sobre os acontecimentos. O roteiro para um filme baseado na narrativa está sendo desenvolvido pelos criadores de Fauda, Avi Issacharoff e Lior Raz.
O TIFF havia solicitado, antes da retirada, diversas alterações editoriais, incluindo mudanças no título do filme, comprovação de documentação legal e revisão de segurança.
No dia 6 de agosto, os advogados do festival exigiram evidências de indenização e de conformidade com os ajustes, além de uma terceira exibição para verificar as alterações. Em 11 de agosto, o diretor Cameron Bailey pediu aos cineastas que retirassem a obra, o que foi recusado, levando à desconvocação oficial no dia seguinte.
“Fiquei preocupado ao saber que, quando meu escritório entrou em contato com o TIFF para entender melhor sua decisão, o festival compartilhou apenas sua declaração genérica à imprensa, sem oferecer a oportunidade de um diálogo mais aprofundado”, declarou em comunicado o ministro do Turismo, Cultura e Jogos de Ontário, Stan Cho, depois de conversar com o embaixador de Israel no Canadá, Iddo Moed.
Organizações como a Creative Community for Peace (CCFP) consideraram a ação do TIFF uma censura: “Estão escolhendo silenciar uma história judaica de sobrevivência e tentando apagar experiências de sobreviventes do pior ataque contra judeus desde o Holocausto.”
A entidade ainda completou, na declaração:
“A alegação de que o problema é ‘autorização’ para usar filmagens feitas pelo Hamas é absurda. Ninguém acredita que o Hamas autorizaria o uso de provas de seus próprios crimes de guerra. Ao silenciar este filme, o TIFF abandona a liberdade artística e envia uma mensagem inquietante de que algumas histórias de vítimas importam mais que outras.”
Historicamente, o TIFF exibiu muitos filmes israelenses, entre os quais um tributo a Tel-Aviv em 2009, mas recentemente o número de obras convidadas diminuiu. Este ano, apenas Mama, de Or Sinai, participa oficialmente, enquanto o curta I’m Glad You’re Dead Now (Estou Feliz que Agora Esteja Morto), de Tawfeek Barhom, está listado como co-produção com França, Grécia e Palestina.