Funcionários e moradores de Serraria, cidade com cerca de 6 mil habitantes na Paraíba, confirmam que Ary Gustavo Soares, oficialmente assessor do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) na Câmara dos Deputados, atua como caseiro da fazenda do presidente da Casa. Apesar do cargo de secretário parlamentar, que exige dedicação exclusiva de 40 horas semanais, Soares fica na propriedade durante a semana.
Desde 2019, Ary recebe salário e benefícios que somam R$ 7,2 mil mensais pagos pela Câmara. O cargo, conforme a lei e normas internas, impede vínculo com outras atividades públicas ou privadas que conflitem com a função. A legislação prevê que a atuação do assessor deve ser restrita a atividades parlamentares.
+ Leia mais notícias de Política em Oeste
Em visita à região, o jornal Folha de S.Paulo confirmou a rotina do caseiro por meio de ex-funcionários, vizinhos e técnicos agrícolas. Todos relataram que Soares administra o cotidiano da fazenda, dorme na casa principal e retorna a Patos, onde mora com a família, nos fins de semana. Ele também foi o representante da fazenda em um processo trabalhista movido por Antonio da Costa, ex-tratorista, que ganhou R$ 18 mil em ação na Justiça.
O acesso à propriedade é controlado por uma funcionária que se identificou apenas como Maria. Ela confirmou à Folha que Ary estava no local durante a apuração do jornal. Técnicos de extensão rural também relataram que a entrada de visitantes depende da autorização do caseiro. Além disso, vizinhos afirmaram que qualquer demanda sobre a fazenda é tratada diretamente com ele.
Cada deputado dispõe de um orçamento mensal de R$ 133 mil para contratar entre cinco e 25 secretários parlamentares, cujos salários variam de R$ 1.584,10 a R$ 18.719,88. O ato da Mesa 72/1997 determina que esses servidores devem trabalhar apenas em atividades parlamentares. O site da Câmara veda o exercício em horários e locais incompatíveis com a função.
De acordo com a Lei 8.112/1990, servidores não podem exercer outras atividades incompatíveis com o cargo. O ato da Mesa 24/2015 estabelece jornada de 8 horas diárias e 40 semanais, mas permite que secretários em seus estados cumpram horários definidos por seus superiores, sem necessidade de ponto presencial.
Parentes do caseiro são nomeados por parentes de Motta
Políticos de Patos relataram que, nos fins de semana, Ary atua como motorista de Hugo Motta, enquanto nos dias úteis cuida da fazenda. O ato da Mesa 58/2010 permite que secretários parlamentares desempenhem funções de apoio, inclusive dirigir, desde que vinculadas a atividades parlamentares, não pessoais.
A fazenda foi adquirida por Motta em março de 2023 por R$ 2,7 milhões, conforme apurado pelo portal Uol. O imóvel está registrado em nome de uma empresa da mulher do deputado, Luana Motta, e de seus filhos. No local funciona a Agropecuária Tapuio, que pertence ao presidente da Câmara.
Dois parentes de Soares também têm cargos públicos. A mulher do caseiro, Isabella Perônico, trabalha no gabinete da avó de Hugo Motta e recebe R$ 14,3 mil por mês. O irmão, André Guedes, é superintendente da PatosPrev, com salário de R$ 13 mil. O prefeito de Patos, Nabor Wanderley, pai de Motta, fez a nomeação.
Em julho, a Folha revelou que Hugo Motta mantinha três funcionárias fantasma em seu gabinete. Diante da repercussão na imprensa, duas delas foram exoneradas. A terceira, Louise Lacerda, permanece no cargo e é filha e sobrinha de aliados do deputado.
Na ocasião, Motta afirmou que “preza pelo cumprimento rigoroso das obrigações dos funcionários de seu gabinete, incluindo os que atuam de forma remota e são dispensados do ponto dentro das regras estabelecidas pela Câmara”.
