Um incêndio de grande proporção atingiu, na última sexta-feira (11), um dos silos de armazenamento de soja de uma empresa localizada às margens da BR-116, a cerca de cinco quilômetros do centro de Arroio Grande, no sul do Rio Grande do Sul. No sábado (12), o fogo ainda consumia a estrutura, que ameaçava desabar a qualquer momento. Apesar da gravidade, não houve registro de feridos. A área foi isolada por segurança e considerada de alto risco pelas equipes do Corpo de Bombeiros.
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O combate às chamas só teve avanços após os bombeiros conseguirem redirecionar as mangueiras para um segundo silo da empresa, o que possibilitou o acesso direto ao foco do incêndio. Ainda assim, a operação completa exigiu a retirada de toda a soja armazenada, o que tornou o trabalho mais lento e delicado, podendo levar dias.
Riscos em silos de soja e armazéns
O caso acende um alerta importante sobre os riscos silenciosos que envolvem estruturas de armazenamento de grãos, como silos e armazéns. Segundo Raphael Diniz, coordenador global de produtos para atmosferas explosivas na Schmersal Brasil, o maior perigo está no acúmulo de poeira, um componente altamente inflamável e muitas vezes ignorado. Ele explica que uma explosão de poeira ocorre quando cinco elementos estão presentes: combustível (no caso, a poeira), oxigênio, fonte de ignição, poeira em suspensão (em forma de nuvem) e ambiente confinado.
Se essa poeira estiver apenas depositada em camadas, o resultado tende a ser um princípio de incêndio. Mas, quando está suspensa no ar em espaços fechados, o risco é de explosão. E não para por aí. A primeira explosão provoca um deslocamento de ar que levanta mais poeira, gerando explosões secundárias. Assim, um foco pequeno pode se transformar numa tragédia capaz de destruir toda uma estrutura industrial.
De acordo com Diniz, os sinais de risco geralmente passam despercebidos: acúmulo visível de poeira, dificuldade de enxergar dentro do silo e ausência de ventilação adequada. Instalações elétricas e mecânicas também precisam de atenção, já que muitas explosões têm origem em centelhas geradas por falhas nesses sistemas.
Ele também ressalta que silos, por definição, são espaços confinados e, por isso, já oferecem alto risco. A eles se somam fatores como soterramento por grãos, trabalho em altura e as já citadas poeiras combustíveis. É um cenário ideal para diversos tipos de acidente, desde incêndios até explosões múltiplas.
Fatores como ventilação, controle de temperatura e limpeza fazem toda a diferença na prevenção. A ventilação evita o acúmulo de poeiras, a limpeza impede que elas fiquem depositadas em camadas e o controle de temperatura reduz as chances de ignição por superaquecimento de rolamentos ou outros componentes. A instalação elétrica precisa ser específica para áreas classificadas, obedecendo normas de segurança mais rígidas, com sistemas de aterramento eficazes.
Senar na linha de frente da proteção
Mas e a prevenção? Para Alex Sandro da Silva, supervisor de Segurança do Trabalho do Senar/MT, é aí que entra o papel fundamental da capacitação. O Senar, referência em formação para o campo, atua diretamente na orientação de produtores e trabalhadores sobre a correta utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e a importância da segurança operacional.
”Os EPIs variam de acordo com o nível de risco. Para atividades gerais em silos, são indicados capacete com jugular, óculos de proteção, protetores auriculares, luvas, botas com solado antiderrapante e respiradores PFF2 ou PFF3”, comenta o especialista. Em ambientes de maior risco, como entradas em espaços confinados, é obrigatório o uso de cintos tipo paraquedista com talabarte, dispositivos de ancoragem, detectores de gases e até respiradores autônomos.
Mesmo com todos os equipamentos disponíveis, o desafio maior continua sendo a resistência dos próprios trabalhadores. Muitos alegam desconforto térmico, acreditam que “nada vai acontecer” ou dizem que o EPI atrapalha o serviço. Para enfrentar esse comportamento, o Senar aposta em treinamentos práticos e contextualizados. Mostra vídeos reais de acidentes, promove simulações, apresenta relatos de trabalhadores vítimas de negligência e até envolve as famílias, criando uma rede de apoio para reforçar o comportamento seguro.
Além dos EPIs, há uma série de medidas estruturais que devem ser adotadas. Entre elas, o Sistema de Permissão de Entrada (PT), que formaliza o trabalho em espaço confinado, desde a análise de gases até o plano de resgate. Equipamentos de resgate como tripés com guincho, iluminação anti-explosão, sistemas de ancoragem e linhas de vida, bem como sinalizações obrigatórias, também são fundamentais para garantir a segurança.
”A escolha correta dos EPIs deve levar em consideração a FISPQ (Ficha de Informação de Segurança de Produto Químico), que orienta sobre o risco do produto armazenado e o tipo de proteção adequada. Todos os equipamentos devem ser certificados pelo Inmetro e utilizados conforme exigido pelas normas NR-31.13 (espaço confinado) e NR-20 (inflamáveis e combustíveis)”, diz Alexandre. Além disso, a capacitação dos trabalhadores precisa ser contínua, indo além do treinamento inicial ou admissional.
Entre os riscos mais comuns enfrentados por trabalhadores em silos, destacam-se o engolfamento (ou soterramento por grãos), atmosferas tóxicas ou com falta de oxigênio, explosões de poeira e quedas de grandes alturas. Cada um deles exige EPIs específicos e, principalmente, uma cultura organizacional que priorize a vida e a prevenção.
Os EPIs salvam, mas sozinhos não bastam. É preciso investir também em infraestrutura segura, processos bem definidos, fiscalização rigorosa e, acima de tudo, em educação continuada. O incêndio em Arroio Grande poderia ter terminado de forma trágica e não terminou desta vez. Mas serve como alerta de que, no agronegócio, a segurança não pode ser ignorada.