Em meio às coletivas de integrantes da seleção brasileira de futebol, uma voz fina, com uma suavidade ingênua, tem quebrado a sisudez de cada momento. A entrevista deixa de ter um tom professoral e ganha leveza. Muitos jornalistas impacientes já superaram a estranheza em relação ao timbre de Kiyomi Nakamura, repórter que trabalha para várias emissoras do Japão, entre elas a Nippon Hoso Kyokai (NHK).
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Lidar com a tensão deste ambiente se tornou um desafio prazeroso para ela. É como se, com suas perguntas sem segundas intenções, ela impusesse sua identidade, a ponto de tranquilizar a atmosfera do local. É uma característica que também fascina os apaixonados pelo Brasil, como ela. Kiyomi conta que seu fascínio pelo país teve início no Mundial da França.


“Minha primeira cobertura da Seleção Brasileira foi a Copa de 1998”, conta Kiyomi a Oeste. “Acompanhei por cerca de três meses, e, embora tenha achado suficiente na época, quando a competição terminou, senti que não era. Por isso, almejei morar no Brasil e cobrir a Seleção constantemente. O Rio de Janeiro também me encantava. Em 2001, concretizei dois sonhos ao me mudar para o Brasil.”
A atuação de Kiyomi em território brasileiro é um tanto contraditória. Ela busca, por um lado, levar os jornalistas do país a refletirem sobre o lado positivo do Brasil. Claro que, no jornalismo, o objetivo é revelar, da melhor maneira possível, verdades ou inconsistências em certos discursos.
Mas as próprias perguntas aparentemente ingênuas de Kiyomi, que costuma visar a aspectos positivos, têm a capacidade de revelar o intimo do entrevistado, pelo olhar, pelo desvio do rosto ou pela própria maneira com que responde.
“Acho que meu trabalho acaba colocando algum anseio do Japão no Brasil”, explica ela. “A população japonesa sabe que existe a corrupção e a violência, mas prefere ouvir aspectos positivos das notícias, principalmente em relação à Seleção Brasileira. Isso não significa esconder os problemas, mas analisá-los sobre outro prisma.”
Kiyomi prefere não revelar a idade. Diz apenas que nasceu no interior japonês, em Wadayama, perto de Kyoto.
“Pelo menos uma vez por ano retorno ao Japão para visitar meus pais e familiares”, conta a jornalista.
Quando está em seu país natal ela aproveita para desfrutar de maior tranquilidade. E a se convencer de que, apesar dos problemas, o Brasil é um país acolhedor.
“Sempre existe a preocupação com crimes, violência ou roubos, e a corrupção é um problema considerável. Por isso, no dia a dia, é preciso ter cuidado, diferentemente do Japão. No Japão, posso ir a qualquer lugar com o celular na mão e o Google Maps, mas aqui não é assim. Mas, no fim das contas, vale a pena.”
Kiyomi aprendeu no dia a dia a analisar os dois lados de uma questão. O Brasil dos crimes e da corrupção, para ela, não supera o do país das belezas naturais e do povo cordial.
“O povo brasileiro, sem dúvida, foi o que mais me atraiu”, admite a jornalista. “Percebi que, aqui, era possível realizar meus anseios, e o brasileiro, com sua receptividade, me acolheu. A atitude de braços abertos do povo brasileiro foi o que mais me marcou.”
No Rio de Janeiro, ela escolheu a Barra da Tijuca para morar. “É mais perto da CBF, além de ser uma praia linda.”
Quando vem a solidão, Kiyomi muitas vezes a preenche na companhia dos amigos.
“Moro sozinha, mas tenho muitos amigos. Como mencionei, o povo brasileiro é muito acolhedor. Meu cinegrafista, com quem trabalho em parceria desde o segundo ano aqui, é como parte da minha família, e fui muito bem recebida por eles. Sinto-me como uma filha e neta.”
Ao longo de décadas, a relação entre Japão e Brasil se fortaleceu. Primeiro, com as levas de imigrantes japoneses. Entre os anos 1908 e 1945, o Japão, enfrentando superpopulação e pobreza rural depois da dinastia Meiji, incentivou a saída da população. O Brasil pós-escravidão era um país que se encaixava, por necessitar de trabalhadores nas lavouras.
Já na década de 1990, o futebol se tornou outro ponto de ligação. E transformou Kiyomi em um símbolo desta geração. Foi quando, torcedora do Kashima Antlers, ela viu Zico, que atuou na equipe, se tornar a maior referência para o desenvolvimento do futebol japonês.
“Conheci documentários sobre imigração e também sobre futebol, mas Zico foi fundamental para despertar meu interesse”, admite ela. “Gostaria de saber como ele cresceu como pessoa e jogador.”
Por causa do ídolo, ela naturalmente se tornou flamenguista “de corazon”, diz empolgada, sem esconder o jeito japonês.
Identidade japonesa
A identidade japonesa não desapareceu por causa da distância.
“Amo os dois países, com certeza”, ressalta Kiyomi. “Moro no Rio há 25 anos, então seria difícil deixar de morar aqui. Mas o Japão é meu país e minha família está lá. Portanto, os dois são importantes.”
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Por fim, ela faz questão de contar o que mais gosta de fazer nos momentos de folga. É uma maneira de, mais uma vez, exaltar o estilo de vida do brasileiro.
“Gosto da praia, de tomar chope com as amigas. A Barra é mais acessível, pois a CBF e a maioria dos jogadores e técnicos residem lá. Por isso, costumo ficar na Barra.”
Ao lado de atores, atrizes e outras celebridades, a praia da Barra é onde Kiyomi gostar de estar. Desde que, é claro, não haja nenhuma coletiva.