Johnnas Oliva:Eu tive acesso a uma biografia que o jornalista Elias Abad escreveu. Toda segunda-feira, enquanto o Fernando estava vivo, ele ia à cadeia e o entrevista. E ele fez uma biografia muito interessante.
Através dessa biografia, eu conheci um pouco sobre a história de vida do Fernando, de onde ele veio, da origem, onde ele frequentava, os pais, os amigos, e eu tentei seguir um pouco da existência do Fernando no que ele viveu na igreja evangélica. Frequentei alguns cultos evangélicos, fiz pequenos trabalhos também, como o Fernando fez, de empacotador de compras de mercado.
Eu quis sentir como que é esse olhar das pessoas para quem está servindo e senti muito essa falta de cuidado, essa falta de empatia, essa falta de olhar. Vi esses olhares menosprezados, aquele olhar de: ‘Tá bom, pode me ajudar. Me ajuda’. Às vezes, a pessoa nem agradecia.
Eu consegui entender um pouco dessa ansiedade do Fernando, dessa falta de empatia mesmo. Ele era um menino de 22 anos, veio de uma família muito boa, tinha bons princípios morais, éticos, mas essa ansiedade dele… Ele escolheu, infelizmente, o caminho do mal. Essa minha preparação foi nesse caminho de tentar entender a essência dele.
J.O.:Em O Rei da TV, como era uma série, eu só participava de um episódio, o último episódio da segunda temporada. Eu tive pouco tempo ali. Eu só tive cinco ou seis dias para fazer esse projeto inteiro.
No filme, eu tinha muito mais tempo, tanto de preparo quanto de tempo de set. Acho que tive 20 ou 25 dias de trabalho, nesse um mês e meio que o filme rodou. Eu consegui me aprofundar mais, consegui viver muito mais com o personagem ao meu lado. A grande diferença é essa, é o tempo de tela também e o tempo de estar junto ao personagem.
J.O.:Foi uma experiência muito gratificante. Nós tivemos muito pouco contato, na verdade, porque nós ficávamos muito no personagem. Eu ficava muito com o Fernando e ele ficava muito com o Silvio. Então, o diretor Marcelo Antunez nos separou. (…) Acho que eu tive contato com o Rodrigo umas duas ou três vezes, antes de começar a filmar e na última diária.
O Fernando é um personagem complexo, com muitas camadas e que, em muitos momentos transparece, a completa falta de esperança em relação ao seu futuro. Além de humanizar a figura de Silvio Santos, a história também humaniza o Fernando?
J.O.:Foi uma coisa que eu quis muito. Eu pedi muito para a direção. Eu queria muito humanizar o Fernando, porque ele era mais do que um brasileiro desesperançoso. Através dos relatos jornalísticos da época, quando eu vi entrevistas do pai do Fernando, da irmã do Fernando, aquilo me tocou muito.
Ele tinha uma família como a minha, uma família como a sua, ele era um brasileiro. Ele não nasceu bandido, ele não queria ir para esse caminho. Ele tentou prestar faculdade de Direito, só que era um ser humano muito frustrado pelas faltas de oportunidade que ele teve.
Foi muito importante para mim humanizar o Fernando, porque ele era um ser humano, ele queria ter boas chances nessa vida, só que a vida é feita de escolhas, e ele escolheu, infelizmente, usar a inteligência dele, a ousadia dele, para o crime.
Infelizmente, ele não teve paciência em lutar pela vida, em lutar para ser alguém digno, alguém do bem. E, de repente, ele se deu a oportunidade de receber uma arma na mão de algum colega de rua, algum outro bandido… E você vê, um ser humano com arma na mão não presta. Pode ser branco, preto, rico ou pobre, ele se torna igual. Através disso, eu queria representar esse garoto como tantos outros garotos que estão com uma arma na mão agora na rua, fazendo besteira, tirando a vida de alguém, apavorando alguém.
Na vida real, o Silvio Santos se identificou muito com o Fernando. Ele viu que ele era um menino bom, de bons princípios, só que estava perdido, perdido dentro dessa cadeia alimentar dele. Essa cadeia de querer fazer, de querer acontecer, de querer enriquecer, de querer ter uma boa camisa, um bom tênis, de querer também presentear a namorada, melhorar a vida do pai, da mãe, da comunidade dele, dos amigos de rua dele, só que ele foi para o lado do crime e se ferrou inteiro.
Como foi gravar as cenas de perseguição policial?
J.O.:Foi tudo muito intenso. Foi uma loucura, [mas] muito bom também porque, como ator, adoro fazer esse tipo de cena. Eu estava tão imerso no Fernando, ele estava tão junto comigo, numa energia, numa vibração de carne mesmo, de pele, que teve uma curiosidade.
Quando a gente faz aquele plano sequência do Fernando entrar no flat, todo ensanguentado, o policial batendo na porta e ele sem ter para onde escapar… Aquele primeiro take da cena, que a câmera acompanha o Fernando, quando ele abre a janela, eu coloquei minha perna [para fora], eu fiquei com uma perna para fora da janela.
A equipe me agarrou pela perna e o diretor gritou: “Para, corta!”. E foi um alvoroço ali. É claro que eu estava consciente, eu falei até para o produtor. Mas ele ficou pálido e falou: “Não faz isso”.
Também foi muito prazerosa aquela cena de sair na mão com o policial no elevador, aquela sequência de sair do elevador e ir para o corredor. O cara que fez comigo era um dublê, sabia lutar e eu tive um tempo de preparo com ele para a briga. Foi uma briga mais ou menos coreografada. Mas na hora do “vamos ver”, a gente se machucou mesmo.
Sempre escapa um soco na cara, uma porrada que a gente sente depois. A gente não sente nada na hora, mas chega em casa, esfria o corpo, você vê um roxo aqui, um roxo ali, um torcicolo aqui.
Foi muito bom porque a cena ficou muito bem feita, a cena ficou muito crível, e os tiros são para valer, com efeitos de explosão, de sangue espirrando, então aquilo dá uma veracidade para a cena. Eu fiquei muito feliz de estar nessa produção, porque tudo que a gente vê nas grandes produções hollywoodianas, a gente teve nessa produção, e foi muito legal.
O Silvio é uma figura que fez parte da vida dos brasileiros e marcou gerações. Como ele fez parte da sua história?
J.O.:Silvio Santos é, na minha história, ver os programas de domingo quando ia para casa da minha avó. Eu tenho uma lembrança muito forte também de quando meus pais separaram, eu era criança, tinha seis anos, então eu passava o fim de semana com meu pai e, quando meu pai me deixava na casa da minha mãe, era a televisão ligada no SBT e a gente assistia ao “Topa Tudo por Dinheiro”, ao show de calouros… Eu amava as pegadinhas, adorava quando recebia artistas, ou aquelas gincanas da bicicleta… Então, o Silvio Santos foi muito presente para mim.
Quando me tornei ator profissional, acabei fazendo três peças de teatro no Teatro Imprensa, que era o teatro dele e tinha grandes peças. Fui produzido pela Cíntia Abravanel [filha de Silvio Santos]. Eu trabalhei em três espetáculos com ela e, desses três, dois foram com o Tiago Abravanel [filho de Cíntia], que se tornou um grande amigo meu na época.
Eu frequentava a casa da Cíntia, com o elenco todo. Às vezes, a gente ia para lá jantar, para ver filme com o Tiago. Éramos uns 15 jovens atores e a gente se frequentava muito, então era muito legal entrar na casa da Cíntia. Tinha um porta-retrato do Silvio com ela, e era muito legal.
[Silvio Santos] é um ser humano muito respeitado por mim e pela minha família, muito admirado. O que eu achava incrível nele é que, durante os 70 anos em que ele foi empresário, ele empregou milhões e milhões de brasileiros. Eu achava isso muito bonito.
E após a história do Silvio Santos já ter sido retratada no streaming com O Rei da TV, o que o filme traz de novo para o público?
J.O.:Ele tem muitas camadas do Silvio que a gente não conhece. Esse Senor Abravanel, que era um grande empresário e apresentador. Claro, [tem] também a parte do sequestro, que é fundamental, o quanto ele foi corajoso, pacífico e amoroso com o Fernando.
Ele se preocupou com o Fernando, chamou uma médica, preocupou-se em fazer comida para o Fernando nessas sete horas. Ele viu que ele estava fraco, então tem esse lado humano. E Silvio podia ficar no cantinho da cozinha e esperar a polícia resolver. De repente, quando o Silvio vê aquela mira na cara do Fernando, ele não quer ver esse moleque morto. Esse lado humano do Silvio as pessoas vão conhecer.
Por fim, o que você diria para o público que está curioso para assistir a Silvio nos cinemas?
J.O.:Eu diria que vocês vão ver uma grande obra cinematográfica. O filme está muito bem feito. Em questão de atuação, roteiro excelente, a direção, a fotografia… Está um filme espetacular.
É muito interessante conhecer essa história do sequestro, de como ele manteve a calma e também esse lado paternal. Vocês vão conhecer um pouco dos pais do Silvio Santos, você vai conhecer um pouco do Silvio Santos pai e um pouco do Silvio Santos que quase foi uma figura paterna para o Fernando nessa cozinha, [ao ponto] de o Fernando admirá-lo.
Esse filme é um thriller com afeto, drama e muita verdade. A gente vai conhecer um lado real da família Abravanel, um lado real desses personagens. É um filme convidativo, é um filme gostoso de ver uma, duas vezes, porque você acaba descobrindo novas coisas quando vê o filme pela segunda vez.