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Marrocos pode favorecer o agro brasileiro, afirma embaixador

À luz quente da tarde brasiliense, a Embaixada do Reino do Marrocos revela-se em silhuetas que misturam poder e poesia. A construção, com suas colunas brancas e telhado verde-esmeralda reluzente, parece arrancada de um cenário de Rabat, a capital, e cuidadosamente assentada no Cerrado. As palmeiras alinhadas e o jardim milimetricamente desenhado são declarações silenciosas de uma cultura que valoriza o detalhe, a solenidade e a permanência. Mais do que um prédio, é um símbolo: ali, o Marrocos se apresenta não com palavras, mas com pedra, luz e geometria.

Um funcionário abre as portas de madeira da residência oficial, que exala aroma de incenso, e conduz a reportagem de Oeste pelo hall de entrada rodeado de paredes ladrilhadas, adornado com tapeçaria farta e com uma foto do rei Mohammed VI em destaque. Adiante, há uma sala de estar decorada com vários objetos coloridos da cultura árabe, cortinas pesadas e quadros típicos que fazem qualquer brasileiro se sentir um estrangeiro na própria terra. Quem vem ao nosso encontro é Nabil Adghoghi, embaixador de seu país no Brasil desde 2016.

Nos primeiros minutos da conversa, o diplomata falou sobre a boa relação do Marrocos com o Brasil, o potencial comercial entre as duas nações e comentou conflitos internacionais. “Acordos comerciais podem ajudar bastante o agronegócio brasileiro”, disse Adghoghi em bom português. O representante marroquino é também fluente em francês e inglês.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O senhor está no Brasil desde 2016. Como avalia a relação entre os nossos países?

Os dois países conseguiram estabelecer uma parceria multifacetada, que se manteve independentemente das eleições que ocorrem regularmente em cada um dos dois países, pois são diplomacias sensatas e legalistas. Dialogamos não só com o Itamaraty, mas também com parlamentares, e as conversas são frutíferas. Para ter ideia, em 2023, 28 senadores apoiaram uma moção de apoio ao Marrocos por nossos esforços em busca da iniciativa de autonomia, apresentada por nosso país em busca de uma solução política consensual e pacífica ao conflito regional do Saara.

O que é esse conflito no Saara?

Em 1975, o Marrocos pediu uma consulta à Corte Internacional de Justiça, em duas perguntas: 1) antes da chegada dos espanhóis, a região era “terra nullius” (terra de ninguém)? 2) as tribos desse território tinham laços com o sultão do Marrocos? As respostas que recebemos é que não se tratava de um território de ninguém e que os habitantes possuíam, sim, relações com o sultão. Em virtude de um acordo internacional com Espanha, o Marrocos recuperou esse território. Depois disso, Argélia e Líbia, de Muammar Gaddafi, criaram, no auge da Guerra Fria, um movimento rebelde que provocou uma guerra sangrenta contra o Marrocos até 1991, quando a Organização das Nações Unidas interveio e pediu um acordo de paz. Em 2007, apresentamos a Iniciativa de Autonomia, na qual propomos uma expressiva devolução de poderes e prerrogativas para os órgãos legislativos e executivos próprios da região autônoma. Trata-se de uma saída política amplamente reconhecida pela comunidade internacional, que respeita a nossa soberania sobre o território. Temos 118 países que apoiam o plano.

Dialogamos não só com o Itamaraty, mas também com parlamentares, e as conversas são frutíferas

O Brasil e Marrocos têm potencial de cooperação em quais áreas?

É importante lembrar que, no ano passado, o intercâmbio comercial entre Marrocos e Brasil alcançou US$ 2,7 bilhões. Entre os produtos mais exportados para o Brasil estão os fertilizantes. Por isso, eu destacaria o agronegócio como uma área de cooperação relevante entre nossos países, que pode crescer ainda mais com acordos comerciais ambiciosos. Para além desse fato, defendo parcerias entre as agritechs (startups do agro) brasileiras e marroquinas a fim de expandir os nossos mercados para países africanos, como Quênia, Nigéria, Angola, Senegal, entre outros. Há um potencial enorme que pode ser explorado. Podemos ser a porta de entrada, em virtude de nossas ricas reservas de fosfato e as conexões com esses países. O Marrocos tem duplo acesso marítimo (o Atlântico e o Mediterrâneo). O Tânger Med, considerado o maior porto de contêineres do Mediterrâneo e da África, fortalece a conectividade marítima do Marrocos nas cadeias logísticas globais e posiciona o país como um hub logístico entre a Europa e a África. Trata-se de uma vantagem para os empresários brasileiros que querem alcançar os mercados europeus.

Quais setores da economia marroquina o senhor destacaria?

Além do portuário, cito o ferroviário. O Marrocos lançou, em 2018, a primeira linha de alta velocidade da África, conectando as cidades de Tânger e Casablanca e que alcançará Marrakech em 2028. O plano ferroviário para 2040 prevê conectar 80% do território nacional à rede ferroviária. O setor aeroportuário também está em plena expansão, com projetos ambiciosos para aumentar a capacidade dos aeroportos marroquinos dos 34 milhões em 2024 para 80 milhões de passageiros em 2030, apoiando a expansão da Royal Air Maroc, que pretende aumentar sua frota para 200 aeronaves até 2037 e preparando o país para sediar a Copa do Mundo de futebol, com Espanha e Portugal. A dimensão da indústria marroquina cresceu de maneira consistente e contínua. O Marrocos tornou-se o maior produtor de veículos em África, com mais de 570 mil automóveis e o maior exportador de automóveis térmicos para a União Europeia.

Como o senhor avalia a guerra entre Ucrânia e Rússia?

Entendo que o melhor caminho seja a negociação pela paz. Creio ainda que os dois lados precisam achar uma solução que preservará a integridade territorial da Ucrânia e, ao mesmo tempo, respeitar as particularidades locais da região de Donbass, que tem um contingente de pessoas que se identificam com a Rússia.

O senhor acha que o presidente Trump trará maior segurança para o mundo?

O mundo vive uma crise sistêmica. A geopolítica está num momento de depressão muito forte há mais de 15 anos. São vários conflitos não resolvidos e enormes desafios. Vemos no Marrocos como positiva a visão dos Estados Unidos de buscar soluções negociadas para todos os conflitos internacionais. É obviamente uma postura positiva, mais é prematuro antecipar os resultados.

Leia também: “O milagre argentino”, reportagem publicada na Edição 279 da Revista Oeste

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