Uma das ideias que até então parecia superada no pós-Segunda Guerra, no Ocidente, foi o conceito de “liberdade de expressão tutelada”. Isto é, aquela ideia de que deveríamos ter sim liberdades individuais — em especial, a de expressão. Porém, essas liberdades deviam ser antes peneiradas e vigiadas pelo Estado. Tal conceito de liberdade de algemas — pensávamos — havia caído junto do colapso soviético. O “progressismo” vem resgatando sua retórica autoritária, criando um novo sovietismo por meio de discursos politicamente fofos e ajustados aos ouvidos sensíveis desta geração. É disso que falaremos hoje.
Liberdade requer maturidade, pois, se quisermos essa tal “liberdade individual” que dizemos tanto amar, temos de aprender a conviver com os inconvenientes que ela causa no nível público e privado, em vez de depender de um soberano falho como juiz supremo do que deve ser dito, feito e pensado. O inconveniente de aturar pessoas com ideias idiotas, toscas e até mesmo repugnantes é o preço a pagar por uma virtude social indispensável à democracia. Isso parecia ser um princípio amadurecido que o Ocidente, após muitos ataques e morticínios totalitários, parecia ter entendido e abraçado. Ledo engano…
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Qual, exatamente, o amadurecimento quanto ao conceito de liberdade, que o Ocidente parecia ter abraçado? No seu famoso discurso, Areopagitica, John Milton acabou por fundar uma verdade no Ocidente moderno: a liberdade é o ânimo e o termômetro de qualquer sociedade democrática. Quer saber se um Estado flerta ou assume seu autoritarismo por vias mestiças, veja qual sua postura ante a liberdade de expressão de seus críticos. A liberdade para ser real — em especial a de expressão — deve ser entendida como um composto único, indivisível e inconfundível. Ou ela é irrestrita ‒ esbarrando apenas no direito de liberdade de outrem ‒, ou não é liberdade. Simples assim. Se não enxergarmos isso, em poucos meses, quiçá, dias, talvez a mera menção à liberdade real não passará de um saudosismo inepto no Brasil. Liberdade de expressão adestrada é tão ilógico quanto “pureza suja” ou “molhado seco”. Ou temos liberdade ou não temos, pois meia liberdade já é servidão. Não há liberdade real para um pássaro cativo, por maior e mais bonita que seja a sua gaiola.


Os inimigos da liberdade
No fundo, as retóricas jamais mudaram em seu núcleo do século passado para cá, da URSS stalinista à China maoísta, da Itália mussolinista à Alemanha hitlerista, o mesmo discurso se repete de forma tosca: o Estado deve definir, para o bem social, o que é lícito ver, crer, falar e sentir. E com variações ideológicas, aplicações de retóricas e camadas de argumentos novos, o Estado brasileiro, por meio do governo Lula e de seu STF, por meio do Marco Civil da Internet, repete à exaustão argumentos que fedem a Stálin, Hitler, Mao Tsé-Tung e Fidel Castro. A cada argumento pró-censura — pois de fato é o que o projeto determina, censura — sente-se o hálito de ditadura.
Há método na censura, e se quiser, puxe um caderninho para anotar:
- 1. primeiro, eles criam um problema que supostamente ataca toda a sociedade — por exemplo, a liberdade de crítica nas redes sociais —, mas que, no fundo, apenas fere tão somente as suas autonomias ditatoriais, seus poderes de decisão sobre o povo;
- 2. em seguida, os censores ajuntam seus lacaios militantes em hordas, seja nas redes, nas grandes mídias e universidades, a fim de tentar popularizar e convencer a grande massa nacional da veracidade do problema e da necessidade de uma solução definitiva; e
- 3. depois, surgem os heróis, aqueles que vão “defender” a democracia a todo custo, eles passam a pregar que é necessário um grau de autoritarismo para vencer os “inimigos” e o problema por eles criado.
Historicamente esses “problemas” já foram a liberdade econômica dos burgueses e dos judeus, os costumes e moralidades dos imperialistas, e agora são as ideias e críticas dos “fascistas nas redes sociais”. O método é simples e, com certa dose de sinceridade, é muito fácil de ver se repetido no Brasil.
Da recente notícia do pedido de prisão do humorista Leo Lins, à exclusão arbitrária — porque ditaduras são assim, arbitrárias — das redes sociais dos familiares da parlamentar Carla Zambelli, o Brasil começa a exalar o inconfundível odor de ditadura. E não adianta virar o rosto, o cadáver não some só porque fingimos que ele não está lá. Estamos decididos, trotando a passos largos rumo a uma ditadura cada vez mais evidente, menos huxeliana, e cada vez mais orwelliana.
Não importa se as grades de nossa cadeia são revestidas de espuma e plumas, se na nossa cela há confortos e até wi-fi. Prisão é prisão. E a cada colherada de liberdade que cedemos, mais um pouco de alma perdemos no processo. Como disse na minha última coluna, não basta ser contra a censura, devemos enfrentar os censores. Mas não escuto nada. As ruas estão quietas, o povo se indigna apenas em suas redes sociais. Mas aqui vai um aviso: até esta indignação está prestes a cessar, pois em nome da democracia eles colocarão mais um grampo em nossas bocas. E, depois de calados, os sussurros e os granidos dos emudecidos não serão mais expressão, mas somente lamentos.
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