Kaio Jorge é seleção. Sim, meu filho, atacante destaque do Cruzeiro e artilheiro do Brasileirão, vai vestir tão sonhada amarelinha. É uma felicidade enorme e um orgulho imenso. Eu, como ex-jogador e pai, sempre soube que com o talento que tem, ele corresponderia em qualquer lugar.
Chegar até aqui não foi fácil. E é preciso voltar lá atrás para contar toda a trajetória até aqui. Teve sonho? Muito. Dificuldade? Mais ainda. Nunca falei isso para ninguém, mas tive até depressão. Afinal, a gente faz tudo por um filho.
Nós começamos a trabalhar desde que ele era novinho, de dois para três anos. Foi a partir dos cinco que começamos a pegar firme. Teve muito incentivo da minha parte, dos amigos e de toda a nossa família.
Naquela época eu já tinha pendurado as chuteiras. Os tempos eram outros… Até porque na década de 90, jogador não ganhava tão bem quanto hoje. A situação financeira lá de casa começou a ficar difícil e pensei: ‘Tenho que passar alguma coisa que eu aprendi no futebol para ele’. E assim fiz.
O Kaio iniciou a carreira no futsal e eu aproveitava ainda para treiná-lo no dia a dia. Depois que acabavam os jogos, a gente assistia e eu ia indicando para ele o que tinha que fazer ou não. As coisas foram acontecendo naturalmente, fluindo.
Com seis anos, o meu filho entrou para o futsal do Náutico. Ele jogava com meninos de 13 anos e, mesmo assim, arrastava tudo: o prêmio de melhor jogador, artilheiro e, é claro, todos os títulos.
‘Abandonei tudo para seguir o sonho dele’
Rodamos o país, sempre conquistando tudo o que podíamos. Até que Pernambuco começou a ficar pequeno para ele. O Kaio falava: ‘Pai, eu já ganhei tudo’. Era hora de mudarmos para São Paulo.
Lembro que a mãe dele teve que vender umas coisas, vendeu joias, eu tive que vender a televisão, geladeira. Abandonei tudo e fui seguir o sonho dele.
Na capital, a gente chegou a fazer teste no São Paulo, mas por questões burocráticas, ele não passou. Você deve imaginar como é a política no futebol…
Foi então que um amigo me falou: “Esse menino vai dar certo no Santos“. O Kaio fez o teste e passou. Me lembro que o diretor falou: “Mudem para cá porque agora ele é um Menino da Vila”.
Ingressamos no Peixe em 2013 e ele ficou na Vila até 2019. Aos 16 anos, descobrimos que ele era um bom profissional e vimos que estava realmente no caminho certo.
‘Todos que subiam eram comparados com o Neymar’
Quando chegamos no Santos, tinha a “geração Neymar“. Então, quem subia ali da base para o profissional era sempre comparado com Neymar. Só que o Kaio sempre adotou um estilo diferente, mais finalizador e atacante.
Acabei aplicando nele a direita com a esquerda, finalizar bem e ele sempre assimilou isso e procurava trabalhar por fora comigo.
Você sabe que no futebol se você não tiver cabeça, você não chega em lugar nenhum… Sempre falei isso para ele e tentava da melhor forma livrá-lo das ‘frias’. Pude ajudar também nesse sentido. Você sabe que todo jovem oscila, mas eu nunca deixei!
Quando o Kaio subiu para a equipe principal, ele estava lesionado. Um problema na coluna que era muito complicado. Eu me lembro que quando o técnico Cuca deu a oportunidade, eu falei assim para ele: ‘Vai lá e coloca a chuteira que o homem quer ver você jogar’. Depois, ele chegou em casa dizendo: ‘Pai, eu fiz dois gols’. Eu nunca me esqueço disso.
‘Entrei em depressão e não assistia mais futebol’
A grande turbulência na carreira do meu filho foi quando teve o tensão patelar reconstruído. Ele tinha deixado o Santos para defender a Juventus na sua primeira experiência fora do país: a Itália.
A nossa fé é sempre muito grande, mas como eu já estive dentro das quatro linhas… Ninguém sabe disso, mas cheguei até a ficar com depressão.
Não assistia mais futebol, porque, para mim, só tinha graça vê-lo jogar. Eu ligava a televisão e ele não estava lá… O Kaio ficou mais de um ano parado.
Ainda tinha a questão de adaptação na Europa. E, lá, ninguém entende… Os caras queriam que ele arrebentasse e jogasse o mais rápido possível. Mas era difícil. Ele chegou até a ser emprestado pela Juventus para o Frosinone.
Ninguém, literalmente, falava a nossa língua.
‘Kaio, o time certo para você é o Cruzeiro’
As coisas não estavam boas na Itália e começamos a trabalhar esse lado. Eu falei para ele: ‘Kaio, o time certo para você jogar é o Cruzeiro’.
Eu, cruzeirense desde que nasci, tomei um verdadeiro susto quando ele acertou com o meu clube do coração.
O primeiro ano foi um pouco turbulento, ele perdeu aquele pênalti contra o Internacional, aquela história toda… Mas eu sabia que era questão de tempo. Afinal, o tempo passou e ele conseguiu emplacar!
Você não sabe o quanto é gratificante ver ele brilhando na camisa do Cruzeiro… Graças a Deus ele está em uma fase muito boa e está dando tudo certo na vida dele.
‘Um orgulho imenso para mim’
O dia 25 de agosto de 2025 ficará marcado para sempre na trajetória do Kaio.
Quando o técnico Carlo Ancelotti falou o nome dele na convocação, eu estava aqui em Montes Claros, no interior de Belo Horizonte, cidade onde meu filho estava com a mãe e com os amigos. Mas aqui a torcida foi a mesma, viu?
Eu liguei para ele e foi muita emoção! Já tinha vivido isso em 2019, quando a gente foi campeão mundial sub-19 e agora estava com a expectativa dele ser chamado.
Às vezes a gente tem que segurar um pouco as emoções… É Cruzeiro, seleção, tudo, e acabo me envolvendo muito. Como já estive do outro lado, tento segurar um pouco as emoções.
A verdade é sempre soube que com o talento que ele tinha, poderia colocá-lo debaixo do braço e levá-lo para qualquer lugar que ele corresponderia. Deu e está dando tudo certo até ele alcançar esse feito agora que é a seleção brasileira.
Filho, eu sei que o seu momento é esse! Espero e torço muito para que você brilhe muito com essa camisa.
Com amor, seu pai,
*Em depoimento a Kaique Lopreto e Yasmin Torres