Juliana Leite – 12/05/2025 09h43

Ser de esquerda, hoje, transformou-se em uma performance de classe — um número ensaiado com zelo, apresentado nos salões corretos, sob a luz certa, diante do público certo. É a nova liturgia da elite sensível, na qual convicções se declamam entre goles de vinho natural e linchamentos morais disfarçados de virtude. Já não se trata de ideologia no sentido clássico, mas de uma espécie de fetiche comportamental — uma identidade de consumo. Um adereço ético. Uma moda com pretensões de eternidade.

Eles se encantam com as palavras de Fidel como quem recita uma peça fora de cartaz, sem jamais terem sentido o cheiro da rua, o empurra-empurra do metrô às seis da tarde, o cansaço anônimo do salário mínimo. Mas falam em nome do povo. Sempre em nome do povo. E nesse teatro de certezas progressistas, qualquer divergência não é apenas um erro — é uma falha moral. Um desvio intolerável.

Tenho amigos gays que votam à direita — e continuam sendo os mesmos homens e mulheres sensíveis, inteligentes, conscientes de si. Só que, para certos militantes, isso é inconcebível. É como se a orientação sexual fosse cláusula pétrea de um estatuto partidário. Como se não houvesse subjetividade, complexidade, contradição. A militância exige pureza. E pureza, como bem sabemos, é irmã do fanatismo.

A esquerda sequestrou as identidades. Transformou indivíduos em vitrines — um desfile de causas com etiqueta de origem. O gay, a mulher preta, o trans: todos exibidos como totens de uma moral superior, desde que digam o que se espera deles, desde que confirmem o enredo. Quem sai do script vira traidor. Dissidência é heresia.

Mas a vida real não cabe em slogans, nem em reuniões no apartamento do analista. A esquerda que se leva a sério demais perdeu o senso do ridículo — e virou uma caricatura de si própria. Um velho disco ideológico tocado em vitrola de luxo. Porque, no fundo, o que chamam hoje de luta é só uma simulação reconfortante — o passatempo predileto de um certo tipo de rico que quer parecer revolucionário sem jamais correr o risco de se misturar de verdade.

Juliana Moreira Leite é jornalista especialista em cultura, escritora e curiosa. Nesse espaço vai falar sobre assuntos da atualidades sob a sua visão.

* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.

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