Mais do que uma decisão natural, o pedido de Carlo Ancelotti para que o Brasil enfrentasse o Chile no Maracanã foi um agrado do treinador italiano – em cuja carreira não faltam jogos em estádios icônicos – ao futebol brasileiro.
Pode parecer um detalhe sem importância, mas dirigir a seleção sem trabalhar uma noite no simbólico palco carioca daria a Ancelotti a sensação de missão incompleta, mesmo se sua passagem pelo posto incluir o objetivo prioritário: ser campeão do mundo no ano que vem, nos Estados Unidos. O pedido pode parecer, também, um agrado a si mesmo, mas a reverência embutida é algo que só não percebe quem não quiser.
Ancelotti preparou um time para pressionar os chilenos durante todo o tempo. Sem a bola, para que o protagonismo não fosse um aspecto discutível. Com a bola, para que o Maracanã pudesse experimentar uma noite de diversão numa ocasião sem valor esportivo, mas muito importante para a comissão técnica em começo de trabalho e para os jogadores, cientes dos portões abertos ao time no caminho para a Copa do Mundo.
A seleção se impôs de todas as formas, como era esperado. Nos números de posse e finalizações, praticamente só o Brasil jogou, mas demorou a marcar. Quando Estêvão, em movimento acrobático, completou para o gol o rebote do chute de Raphinha, o relógio marcava 37 minutos de jogo e a sensação era de que o volume ofensivo produzido pela seleção merecia mais capricho.
Talvez seja a única reparação a fazer a um primeiro tempo em que, do ponto de vista coletivo, a seleção se entendeu bem e praticou um jogo intenso e rápido, exatamente como Ancelotti declarou na véspera. Sempre é obrigatório considerar as fragilidades do adversário, e o Chile as tem em alto número, mas o desempenho do Brasil reuniu as características dos times bem treinados.
Mesmo os jogadores com menos tempo de seleção se mostraram cômodos em seus papeis, desfrutando da estrutura bem definida da equipe e do ambiente totalmente favorável no Maracanã. O placar era um reflexo muito tímido do que se via em campo, com um domínio coletivo que deveria ter gerado uma vantagem mais generosa.
A segunda parte teve um período de queda de ritmo, mas terminou por exibir a real distância entre Brasil e Chile no momento atual. A insinuante entrada de Luiz Henrique (no lugar de Estêvão), aos 19 minutos, teve participação direta no estabelecimento de um placar condizente com a produção de cada time.
Em cerca de dez minutos, jogadas do ex-atacante do Botafogo criaram os gols de Lucas Paquetá e Bruno Guimarães, elevando o nível de satisfação até do torcedor mais exigente com o futebol da seleção. Como dizia Johan Cruyff, qualidade sem resultado é inútil; resultado sem qualidade é entediante.
O Brasil venceu jogando bem na noite que Ancelotti reservou no Maracanã, uma despedida do território nacional – em jogos competitivos – na rota para o Mundial. A próxima parada, no dia 9, não será tão proveitosa em termos de observação e nem deve ser tratada com rigor do ponto de vista do desempenho.
A Bolívia receberá o Brasil para o último jogo das eliminatórias para a Copa do Mundo a cerca de 4.100 metros de altitude, no estádio Municipal de El Alto. A exemplo do que se deu no Maracanã, será uma experiência inédita para Ancelotti, embora, certamente, não tão prazerosa.