A cena não sai da cabeça da jovem norte-americana Megan Yesilevich, 19 anos. Diante de seus amigos e familiares, Maggie, como é conhecida, lia trechos da Torá, livro sagrado judaico, cantava músicas religiosas e recitava as principais preces da manhã. Era a cerimônia de bat-mitzvá (em hebraico, filha da boa ação), quando ela tinha 12 anos. O evento celebra a maioridade religiosa de um judeu.
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Toda emoção que ela ainda sente com a lembrança tem um motivo: aquele dia foi um símbolo da sua identidade judaica. A revolta que a transformou em vítima de colegas na Universidade de Hofstra, em Nova York, buscou ferir esta identidade.
“Entrei em choque ao ver a reação do mundo ao que o Hamas fez no dia 7 de outubro”, conta Maggie a Oeste. “Ficamos confusos sobre como tantas pessoas podem estar do lado dos terroristas. Sabemos a dor que enfrentamos como israelenses, como judeus, mas o outro lado simplesmente não entende isso. Como podem apoiar pessoas tão terríveis?”
Não baixar a cabeça diante da hostilidade passou a ser sua regra de conduta. Muitas vezes, quando apenas ela ia para a aula, recebia olhares feios de pessoas que nem conhecia. Sabiam que ela era judia pelo fato de ser vice-presidente do Students Supporting Israel e por ter a bandeira de Israel na bio do Instagram.
“Falo abertamente que sou judia, que tenho forte ligação com Israel”, afirma. “Foi um pouco assustador no começo, e aí tudo começou a piorar.”
O local onde Maggie nasceu é uma espécie de segundo lar dos judeus. O Brooklyn, em Nova York, é o bairro onde morou o rebe (rabino) Lubavitch, falecido em 1994, o mais respeitado rabino. Nova York é a cidade com mais judeus do mundo, superando inclusive Jerusalém.
Até o caminho para casa tem um aspecto familiar para a jovem. A escolha do local para estudar ocorreu porque fica a 45 minutos de onde ela mora com os pais e com o irmão mais novo.
Maggie sempre foi a pé para a sinagoga, a algumas quadras de onde cresceu. Era uma época em que ela imaginava o antissemitismo como algo distante. Mas a sensação de paz tem perdido espaço. Agora ela vê todo este cenário como um lugar estranho. Perigoso.
“Vivendo em Nova York, posso dizer com certeza que ainda há muito antissemitismo, e provavelmente está crescendo”, admite a jovem. “Às vezes eu me sinto insegura se estou andando por uma área perigosa de Manhattan, por exemplo. Uso uma estrela de Davi no meu colar todos os dias. Tenho uma pulseira com estrela de Davi. Não é muito difícil perceber que sou judia, só de olhar para mim.”
Mesmo assim, a lembrança do bat-mitzvá, da alegria em celebrar a identidade, a impede de escondê-la. Sua essência fala mais alto do que o risco nessas ocasiões.
“Mas mesmo nesses momentos em que me sinto insegura, eu não vou esconder a minha estrela debaixo da blusa”, ressalta Maggie. “Eu não escondo que sou judia, porque isso não é quem eu sou. E, na verdade, esses momentos me fazem querer ser ainda mais aberta sobre isso.”
Viajar sempre para Israel se tornou uma necessidade para ela. Era uma maneira de conectar todo o seu judaísmo com o país que é o verdadeiro lar dos judeus. A primeira vez que ela comemorou o Purim, festa judaica ligada à alegria, em território israelense, revelou esta conexão.
“Um dos meus feriados judaicos preferidos é, com certeza, Purim”, conta Maggie. “Desde fazer Hamantaschen (doce judaico) com a minha mãe e minha avó até me fantasiar. É um dos feriados mais divertidos. E quando fui a Israel pela primeira vez durante o Purim, vi que todo mundo estava fantasiado. Era como o Halloween, mas em Israel. E foi simplesmente incrível.”
Nem o fato de a Universidade de Hofstra ter uma postura solidária em relação aos judeus foi suficiente para controlar o ódio. Coube a ela ter de lidar com essa situação. Buscava coragem para dialogar, esclarecer, criar uma atmosfera comunicativa para desconstruir qualquer má intenção do outro lado. Mas tem sido difícil.
Identidade judaica na universidade dos EUA
Algumas semanas depois do dia 7 de outubro, ela conversava com alguns amigos próximos sobre o que ocorre em Israel. Uma das amigas reagiu de forma muito negativa.
“Ela discordava do que eu estava dizendo”, conta a estudante. “Eu falava sobre quantas pessoas tinham sido feitas reféns, que não sabíamos o que estava acontecendo, que era uma situação terrível e que Israel estava em guerra, e ela estava do lado dos terroristas. Eu senti uma sensação de traição. Não sabia bem o que dizer. Perdi uma amiga muito próxima.”
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Ela e a família, porém, não desistem, diz Maggie. É o que restou a eles. Manter e alimentar a própria identidade é, para a estudante, a única forma de não se dobrar aos antissemitas. A melhor resposta é progredir. Ser feliz.
“Eu definitivamente ainda estou perseguindo meus objetivos de conseguir um bom emprego”, garante ela. “A perseguição só fez aumentar meu apego à religião e à minha identidade judaica”, prossegue Maggie.
“Tenho um plano definido para o que quero fazer depois de me formar. Acho que tudo o que está acontecendo no mundo agora só está me impulsionando ainda mais, porque vejo que, se eu não fizer algo por mim mesma, ninguém mais vai fazer. Ninguém vai sentir pena de você. Ninguém vai ajudar, a não ser que você esteja tentando se ajudar.”
Seu maior objetivo agora é ter sucesso na área de finanças, curso que faz na universidade.
“Com todo esse antissemitismo, com o mundo inteiro me odiando por algo que eu não posso controlar, eu vou simplesmente continuar fazendo o que eu preciso fazer, e as pessoas vão nos odiar de qualquer forma”. Maggie, então, completa: “Pelo menos, que eu seja bem-sucedida depois de tudo isso.”