As mudanças climáticas deixaram de ser uma previsão distante para se tornarem uma realidade devastadora, especialmente para quem vive da terra. Em anos recentes, os produtores rurais brasileiros enfrentam secas prolongadas, enchentes históricas, ciclones extratropicais e geadas fora de época — todos eventos extremos que resultaram em prejuízos bilionários e comprometimento da segurança alimentar nacional.
O drama mais recente no Rio Grande do Sul, com milhares de propriedades atingidas por enchentes e perdas irreparáveis, escancarou uma fragilidade estrutural: o Brasil não tem hoje um mecanismo robusto, rápido e previsível para indenizar produtores rurais em situações de calamidade pública. O Proagro perdeu cobertura. O seguro rural é subdimensionado e subfinanciado. O crédito emergencial demora a chegar e, muitas vezes, não cobre os prejuízos.
Diante disso, é urgente a criação de um Fundo de Catástrofe Agropecuário Brasileiro (Fundagro) — um fundo de adesão voluntária, financiado por contribuições anuais dos próprios produtores rurais, com capacidade de garantir indenizações automáticas e rápidas em casos de desastres naturais oficialmente reconhecidos.
A proposta é simples, viável e baseada em princípios já adotados em países como os Estados Unidos, França e Japão: se houver calamidade, haverá indenização. Não se trata de substituir o seguro rural ou o Proagro, mas sim de criar uma camada adicional de proteção, mutualista, autossustentável e tecnicamente gerida.
É essencial deixar claro: o Fundagro será um fundo privado, com governança independente, sem qualquer interferência política. A gestão será técnica, transparente e auditada, com foco exclusivo na proteção dos produtores. Um comitê formado por representantes da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), do setor segurador e de instituições privadas será responsável por gerir as reservas, os critérios de elegibilidade e os pagamentos.
O funcionamento do fundo será vinculado a critérios objetivos: decretos oficiais de calamidade pública e georreferenciamento da propriedade no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Cada produtor contribuirá com um valor simbólico — entre R$ 50 e R$ 300 por ano — e, ao longo do tempo, o fundo acumulará reservas técnicas que ampliarão sua capacidade de pagamento.
Mais do que isso: é possível engajar toda a cadeia do agro brasileiro na construção desse fundo. Indústrias de insumos, cooperativas, revendas, bancos, tradings e empresas de maquinário agrícola podem se tornar parceiros institucionais. Uma pequena fração das taxas cobradas em feiras e eventos agropecuários — como a Expointer, Agrishow ou Bahia Farm Show — poderia ser destinada ao fundo como contribuição solidária ao setor. Afinal, quando o produtor quebra, toda a cadeia sente.
Essa proposta já inspira movimentos no setor de seguros. Como noticiado pelo Valor Econômico (30/06/2025), seguradoras estão sugerindo a criação de um fundo emergencial para desastres naturais no Brasil. A diferença aqui é o foco exclusivo no campo brasileiro, que responde por mais de 25% do PIB, por quase metade das exportações e pela segurança alimentar de 220 milhões de brasileiros — além de bilhões ao redor do mundo.
A CNA pode liderar esse esforço, contratando um estudo técnico junto à Federação Nacional das Seguradoras (FenSeg) e especialistas em risco climático, para avaliar os parâmetros atuariais e operacionais do Fundagro. Com apoio técnico, jurídico e institucional, o fundo pode se tornar realidade já nos próximos anos.
A realidade nos mostra que o clima será cada vez mais extremo. Não podemos continuar apostando apenas em medidas reativas, nem esperar por decisões políticas que demoram a acontecer. O produtor precisa de previsibilidade. Precisa de respaldo. Precisa de um fundo que diga: se tudo se perder, você não estará sozinho.


*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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