(*) por Yuri Quadros
A condenação de Leo Lins a oito anos de prisão por piadas consideradas discriminatórias marca um ponto de inflexão preocupante na democracia brasileira. O humorista, sentenciado pela 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo com base na Lei do Racismo (Lei 7.716/89), transformou-se no símbolo mais eloquente de um Brasil que desliza para um regime de censura judicial sistemática.


Entretanto, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) só considera crime de racismo quando ficam demonstrados dolo discriminatório e incitação concreta ao ódio — parâmetros estritos que hoje parecem ter sido afrouxados em favor de uma sensibilidade difusa, que confunde ofensa e violência.
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Eis o paradoxo brasileiro: para proteger a dignidade, destruímos a capacidade de rir de nossa própria indignidade.
O caso não é isolado. Danilo Gentili e outros humoristas enfrentaram condenações similares por “danos morais” decorrentes de piadas. Paralelamente, o ministro Alexandre de Moraes bloqueou 223 contas no Twitter/X, baniu temporariamente o Telegram e persegue blogueiros, como Allan dos Santos, através de inquéritos sigilosos.
A censura migrou do lápis azul para algoritmos e liminares, adquirindo sofisticação tecnológica que amplifica exponencialmente seu alcance.
Esta deriva autoritária confirma os alertas de Friedrich Hayek, sobre o “caminho da servidão”: cada exceção jurídica legitima a seguinte, até que a exceção vire regra. No Brasil, cada sentença contra humoristas normaliza a próxima, cada perfil banido torna aceitável o silenciamento seguinte.
O riso é o último bastião da sanidade coletiva
Como observou escritor britânico G.K. Chesterton, o humor é simultaneamente a mais frívola e a mais séria das atividades humanas — frívola porque brinca com a realidade, séria porque a compreende melhor que qualquer tratado solene. O riso é o último bastião da sanidade coletiva.
Quando uma sociedade perde a capacidade de rir de si mesma, perde também a capacidade de se conhecer. O humor funciona como o microscópio da alma social — revela nossas contradições, hipocrisias e, paradoxalmente, nossa humanidade compartilhada.
Os juízes tornaram-se alfaiates da linguagem, cortando palavras até que se ajustem ao figurino da sensibilidade oficial, sem perceber que mutilam o próprio tecido do pensamento livre.
A cultura woke oferece a legitimação intelectual necessária: todo discurso estranho às sensibilidades identitárias é rotulado como violência, logo, passível de punição estatal. Campanhas nas redes denunciam humoristas “problemáticos”; teatros cancelam sessões antecipadamente.
O pressuposto é sempre o mesmo: para proteger minorias, silencia-se a maioria. Ao substituir o princípio democrático da liberdade de expressão pelo critério subjetivo da sensibilidade identitária, o projeto em curso mina as bases do debate público plural e, por consequência, compromete os fundamentos da própria democracia.
Contudo, sob uma perspectiva liberal inspirada em John Locke, a mera ofensa não justifica a restrição da liberdade de expressão. A distinção crucial reside entre discurso ofensivo, que deve ser protegido, e incitação direta à violência, que pode ser legitimamente restringida.
Regime de sensibilidades governa o Brasil
Uma sociedade que proíbe o riso, mesmo correndo o risco de ofender, condena-se à infantilidade perpétua. O humor incômodo força-nos a examinar nossos pressupostos, a questionar nossas certezas sagradas.
Sem essa pressão intelectual constante, essa ginástica mental que o riso proporciona, o pensamento atrofia-se na zona de conforto do politicamente correto. Swift não teria escrito suas sátiras mordazes sobre a Irlanda, Voltaire não teria ridicularizado o fanatismo religioso, Mark Twain não teria exposto o racismo norte-americano através do humor se vivessem sob o regime de sensibilidades que hoje governa o Brasil.
Essas civilizações, mesmo imperfeitas, compreenderam uma verdade fundamental: sociedades maduras não apenas toleram seu humor transgressor — elas se beneficiam dele, pois é através do riso desconfortável que uma cultura desenvolve anticorpos contra seus próprios vícios.
Thomas Sowell descreveu as “visões ungidas” das elites que, convencidas de sua superior virtude moral, impõem silêncios paternalistas. Alexandre de Moraes encarna esse arquétipo: elege-se guardião das “minorias vulneráveis” e silencia quem desafina do consenso oficial.


Estamos hoje vendo a construção de uma estrada que será o caminho da servidão profetizado por Hayek: cada exceção aceita hoje prepara restrições futuras. A sentença contra Leo Lins não pune apenas um comediante, mas condena toda a sociedade à arte do silêncio. O liberal que preza pela ordem aberta deve reagir através da vigilância constante de inquéritos restritivos e pressão por reformas que limitem o arbítrio judicial.
O autoritarismo judicial pode ser revertido, mas exige coragem — inclusive para rir quando o poder ordena silêncio. Cada gargalhada que resiste, cada piada que sobrevive à censura representa um ato de resistência. A liberdade de expressão não é luxo civilizatório, mas condição sine qua non da vida em sociedade livre.
Leia o artigo “A vida está vencendo”, de J.R Guzzo, publicado na edição 274 da Revista Oeste