Dos dias 12 a 21 deste mês, estive imerso no mundo dos livros. Como editor da LVM Editora, estive todos os dias na bienal do livro do Rio de Janeiro, um costume já estabelecido em nossa editora: levar quem faz os livros para conversar e estar junto com nossos leitores. Num desses dias, recebi um convite para um café com uma galera liberal engajada, e no café derramaram-se enxurradas de missões que eu deveria — segundo eles — adotar: publicações de autores liberais esquecidos, assuntos para ensaios meus aqui na coluna, palestras em eventos liberais etc. Escutei atento e, confesso, tive ótimas dicas literárias para a editora, muitos insights para textos aqui em minha coluna, e convites tentadores para palestras no Nordeste e Sul do país.
Depois de quase 2 horas de café, que logo se tornaria um convite para um almoço no hotel, percebi que aqueles jovens tinham o vigor natural da idade, uma mistura um tanto quanto afoita, porém afetuosa, de ativismo com tropeços típicos da idade. Num certo momento do debate, e, já sabendo que esse momento iria chegar, eu frustrei profundamente uma garota que me instava a me mudar para Brasília, a fim de trabalhar como consultor do legislativo — cargo que ela jurava que iria me arranjar. Disse à moça que agradecia o convite, mas que não me mudaria da minha cidade do interior de São Paulo, que minhas galinhas e árvores frutíferas, além da minha mulher e filhos, não ficariam satisfeitos com minha mudança.
Um espanto passou pelo olhar daqueles quatro jovens, ali notei que aquele café tinha intenções além de um bate-papo, e, como diriam os contemporâneos: networking. Eles faziam parte de uma sociedade quase secreta de arrendamentos intelectuais, pelo que pude notar. Algum deputado — pelo que entendi — pediu a eles que eu fosse chamado à missão política.
+ Leia mais notícias de Cultura em Oeste
Estudo política, porque gosto, debruço-me sobre livros e ensaios sobre o tema, publico e releio obras sobre isso o tempo inteiro. Mas meu amor pela política é uma espécie de contrato de parteira: trago ao mundo, mas não me envolvo diretamente com o modo de vida paternal. Não tenho nojinho, nem crio elegias à política, apenas a enxergo como um instrumento racional de indivíduos quando se agrupam. Prefiro viver o mundo real, aquele que antecede a própria política.
Sobre política e cultura
Era notório naqueles jovens que eles haviam tomado a política como uma espécie de caminho seguro para a mudança do Brasil, quiçá, da humanidade. E aí estava a nossa divergência máxima: a política é um dos instrumentos de MELHORIA da sociedade, mas a MUDANÇA, ou seja, a conversão de mentalidade — que é o que o Brasil necessita ‒ só vem por meio da cultura enraizada no senso comum, cotidiano, familiar, bairresco, citadino, e poucas vezes chega ao nível realmente nacional. Para mim, sempre soou como tolice esperar que Brasília solucione um problema central de cultura ou moral dos indivíduos, se as famílias — por exemplo — não estão aptas para corrigir ou se adequar à ética proposta.
Mais artigos de Pedro Henrique Alves
Sempre que palestro sobre o tema, pergunto aos que me ouvem sobre de onde veio a constituição norte-americana, de onde veio a Carta Magna inglesa, dos políticos profissionais, ou de um impulso cultural, de um senso comum que os políticos apenas absorveram e transformaram em técnica jurídica e política de organização de Estado. A pergunta é retórica. Obviamente todo avanço que vimos no Ocidente, em termos que denominamos “política” e “civilização”, é antes um entendimento tácito que já habitava o consenso não dito dos indivíduos, nutrido naturalmente por meio de uma tradição comum de valores que se ajustam à práxis de cada um.
“Numa democracia funcional, é o indivíduo e sua cultura, crenças e ideias o centro de controle, a alma da nação”
O Estado, por exemplo, é uma emanação, e não um contrato; é uma necessidade surgida naturalmente, e, por isso, deve ser regulada para servir e não para ser servida. Numa democracia funcional, é o indivíduo e sua cultura, crenças e ideias o centro de controle, a alma da nação, e não a aplicação e a pura técnica política, seja de qual matriz for. Caso contrário, vertemos os polos do organismo da polis — e o que era instrumento passa a ser senhor, e quem era senhor, passa ser instrumento.
Liberais e conservadores
Acredito profundamente que a única forma de transformar o Brasil, deixando-o mais autônomo, livre e funcional, é justamente diminuindo a politização das decisões e das vidas dos homens comuns. E aí vem o principal e mais negligenciado papel daqueles jovens liberais: popularizar as tradições liberais que formaram nosso consciente ocidental. Estranho são as teses puramente coletivistas, o Ocidente medieval vem de um avanço da autonomia do indivíduo e rejeição da massificação; são as ideologias coletivistas os patógenos, as doenças laboratoriais criadas para desvirtuar nossos princípios. Por isso, reafirmo, os liberais, se quiserem que o liberalismo vença no Brasil, deveriam se tornar mais conservadores nesse aspecto.
Se aceitasse me tornar um técnico político — ou de políticos — estaria contradizendo meus valores. Temo que, assim como os marxistas raízes, que aceitavam o dogma de que tudo é intrinsicamente algo político, do coito à ajuda em trocar o chuveiro da vizinha idosa, os liberais começam a politizar tudo também.
“Reservo-me o direito de nunca ser um, de poder atravessar um idoso no sinal, ou pagar um café a uma senhora grávida na padaria, sem parecer que estou buscando votos ou likes“
Sou um conservador; se não acreditar que posso viver boa parte da minha vida sem a política, então serei um conservador hipócrita. Para Marx e Lênin, Mussolini e Franco, cada espirro ou aplauso poderia ser um levante ou uma oportunidade partidária. Se acreditar, por fim, que o bem-estar de meus filhos e mulher, que meu casamento e a segurança de minha casa, podem esperar em troca de oportunidade política e financeira, aí eu já teria me tornado aquele político profissional que tento não ser.
Minha missão primeva é educar bem minha prole e ser um bom marido, depois ser um bom leitor e em consequência um bom editor. Respeito mais do que parece aqueles bons políticos que temos, e falo isso com uma sinceridade profunda. Porém, reservo-me o direito de nunca ser um, de poder atravessar um idoso no sinal, ou pagar um café a uma senhora grávida na padaria, sem parecer que estou buscando votos ou likes. Reservo-me à simplicidade da existência comum, com pretensão de criticar sempre que eu veja meus ninhos — família, cidade, Estado, nação — ameaçados pela má política. Sei que agora pareço um perfeito purista, uma espécie de engenheiro de nuvens; que seja, esse é um modo de existir que me vocacionei para viver.

