Em um país cada vez mais polarizado, cresce o número de entidades de classe que decidem adotar posições políticas explícitas – a favor ou contra governos, partidos ou candidatos. Muitas vezes, isso é feito em nome da “defesa do setor”. Mas o resultado quase sempre é o oposto: a entidade acaba enfraquecida, dividida e perde capacidade de dialogar quando o poder muda de mãos.
Uma entidade setorial não existe para expressar a opinião pessoal de sua diretoria. Ela representa os interesses coletivos de empresas, produtores ou profissionais de um mesmo segmento – um público diverso. Dentro dele há quem vote à esquerda, à direita, ao centro ou em ninguém. Há concorrentes diretos que, apesar das disputas comerciais, se unem para buscar políticas públicas que favoreçam o setor como um todo. Essa união é a força das entidades. Quando escolhem um lado político, rompem esse elo.
Outro problema surge quando a entidade vira um “braço” de um grupo político: ela perde capacidade de diálogo com governos de outro campo ideológico. Quando a oposição vence, a entidade fica tolhida em seu papel. O setor perde voz justamente quando mais precisa — para negociar, propor mudanças, resolver crises ou construir soluções em conjunto com o governo.
Entidades de classe não são partidos políticos. Não disputam eleições. Sua missão não é “vencer” uma disputa eleitoral, mas garantir que o setor produtivo tenha sempre interlocução qualificada e respeitada – qualquer que seja o governo eleito.
Isso não significa omissão. Entidades sérias precisam se posicionar com clareza sobre políticas públicas que afetem o setor. Devem apoiar medidas que ajudem o desenvolvimento e criticar o que o prejudica, venha de quem vier. Mas há uma diferença fundamental entre ter posição sobre políticas e ter lado político. Um é papel legítimo e necessário. O outro é militância.
Quando a entidade confunde as duas coisas, o debate técnico vira slogan. A crítica fundamentada cede espaço ao ataque pessoal. A negociação madura se transforma em palanque. E as soluções para problemas reais se afastam.
É importante lembrar que as pessoas físicas têm opinião política – e devem ter. Presidentes de entidades, diretores, conselheiros, associados são cidadãos com direito de votar, militar, apoiar candidatos. Mas ao falar em nome da entidade, falam por todos. Representar significa moderar a voz para incluir diferentes perspectivas. Quem não entende isso acaba usando a instituição para expressar preferências pessoais, traindo sua função de representar o coletivo.
Em momentos de tensão política, cresce a tentação de “escolher um lado”. Mas justamente nesses momentos aumenta a responsabilidade das entidades em manter a isenção. Resistir à captura política não é fraqueza: é sinal de maturidade e compromisso com quem se representa. O setor produtivo precisa de entidades respeitadas por qualquer governo. Precisa de pontes – não de muros.
O Brasil já tem partidos políticos suficientes. O que precisa são entidades fortes, técnicas e capazes de dialogar com qualquer governo, apresentando dados confiáveis e propostas reais para problemas complexos. Quem abandona essa função para fazer campanha eleitoral pode até conquistar aplausos fáceis por um tempo – mas cobra um preço alto do setor que deveria defender.
No fim, quem paga a conta são todos os representados que, divididos, perdem força para enfrentar desafios concretos: burocracia, insegurança jurídica, custos elevados, falta de crédito, baixa competitividade.
Preservar a isenção institucional não é só uma escolha ética. É uma escolha estratégica. Quem busca resultados duradouros para seu setor precisa ter a coragem de não se alinhar a partidos – mas sim à missão de defender quem produz, investe, emprega e ajuda o país a crescer.


*Marcelo Lüders é presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), e atua na promoção do feijão brasileiro no mercado interno e internacional
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