André Marsiglia – 24/06/2025 13h44

Em um intervalo de poucas semanas, tivemos no Brasil a condenação de um humorista por piadas, a de jornalistas por excesso de ironia — em ação movida pelo ministro Gilmar Mendes —, a abertura de processo contra o presidente da JAC Motors, Sérgio Habib, por questionar uma política pública de isenção a deficientes e a tentativa da AGU de censurar um documentário da Brasil Paralelo que questionava a história de Maria da Penha.
Esses fatos, aparentemente desconectados, são sintomas de um fenômeno grave e crescente: o colapso da liberdade de expressão em seus terrenos historicamente mais seguros — a crítica, a ficção, o questionamento.
Durante décadas, esses três territórios representaram o que havia de mais sólido em matéria de proteção constitucional à liberdade de expressão. A ficção sempre pôde transgredir. O humor, por mais ácido, era acolhido. Até reis admitiam a troça de seus bobos da corte. O questionamento, mesmo das leis ou de políticas públicas, era um direito inerente à democracia. Hoje, tudo isso está sob ameaça. O humor virou risco jurídico. A crítica virou “discurso de ódio”. A dúvida virou afronta.
O animus jocandi, o animus criticandi, a intenção de brincar, questionar, que antes funcionavam como escudos protetivos da liberdade, hoje são irrelevantes. O que importa é se alguém pode ter se sentido ofendido com algo que foi dito.
Nos apegamos tanto à sensibilidade pessoal, que causar a alguém dor ou constrangimento virou crime. E isso tem raízes claras na sociedade egoísta em que vivemos. A subjetividade das pessoas é mais relevante do que a objetividade coletiva. Poupar minorias é mais importante do que a promoção do debate.
Se o que sou depende de como me sinto, se a forma como devem me tratar depende do que acredito que eu seja, a subjetividade impera, disciplinas advindas do conhecimento coletivo como a biologia e as leis, ou valores humanos como a liberdade devem se curvar à sensibilidade de cada um.
Como não há como todos terem sua sensibilidade respeitada, as minorias que estão no poder, ou a ele ligadas, acabam sendo privilegiadas mais que outras, criam-se castas de minorias mais minorias que outras, e até mesmo de minorias opressoras em relação a outras minorias fora do poder.
Esse universo que no Brasil podemos chamar de woke ou identitário é a mesma coisa que chamaremos no Irã de fundamentalismo religioso. Da mesma forma que no Brasil se instalou em boa parte dos gabinetes de promotores e juízes, também se instalou no dos líderes iranianos.
Um Estado forjado em subjetividade está pavimentado para a chegada de um regime totalitário. Uma ditadura como a do Irã não começou com tanques nas ruas. Começou com um Estado cada vez mais atento ao individualismo e subjetivismo dos líderes, com um Estado cada vez mais desprovido de valores coletivos, comuns e democráticos, como no Brasil.
* Texto originalmente publicado no Poder360.
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André Marsiglia é advogado, professor de Direito Constitucional e especialista em liberdade de expressão. |
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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