Em meio às polêmicas com a nova vocalista e o protesto de uma parcela dos fãs, a banda justifica os ingressos esgotados em 28 minutos em São Paulo
A última vez que o Linkin Park tinha se apresentado no Brasil foi em 2017, no Maximus Festival, que contou ainda com Slayer, Rob Zombie, Ghost e Prophets of Rage. Foi a última vez aqui e uma das últimas da banda, pois o vocalista Chester Bennington morreu cerca de dois meses depois, em 20 de julho daquele ano, em Los Angeles. Ele tinha 41 anos.
O Linkin Park foi uma das bandas mais influentes do começo dos anos 2000, e uma das responsáveis por trazer fôlego a um cenário até então carente de novas bandas, novas músicas e novas atitudes. Há quem diga que depois da morte da Kurt Cobain o rock ainda não tinha um substituto a altura. Até aquele momento. Sim, eu sei que uma é grunge e outra nu metal, mas vocês entenderam.
O petardo sonoro do primeiro álbum, Hybrid Theory (2000), é inesquecível, mas confesso que como um bom metaleiro (à época), torci o nariz quando o ouvi da primeira vez. Talvez as batidas de rap me fizeram comparar com Cypress Hill e Pavilhão 9, mas o Linkin Park ia muito além disso. O líder e fundador, Mike Shinoda participou do quadro “What’s In My Bag?”, da gigantesca loja de discos Amoeba, em São Francisco, onde convidam artistas a passearem por seus corredores e escolherem álbuns para depois explicar ao público o porquê, um dos títulos de Shinoda foi o The Shape Of Punk To Come (1998), da banda sueca Refused, e o músico comentou que “se não fosse o Refused, muito provavelmente o Linkin Park não existiria”, acrescentando ainda que a sonoridade de Hybrid Theory foi muito influenciada por The Shape Of Punk To Come.
Depois do álbum de estreia vieram Meteora (2003), Minutes to Midnight (2007) e A Thousand Suns (2010), todos estreando nas primeiras posições das paradas musicais de seus respectivos anos. Living Things (2012), The Hunting Party (2014) e o último com Chester Bennington nos vocais, One More Light (2017) fecha a discografia da banda até o anúncio, sete anos depois da morte de Bennington, da volta do Linkin Park com uma nova vocalista, Emily Armstrong e baterista, Colin Brittain.
O anúncio, feito em uma apresentação transmitida ao vivo pela internet, chacoalhou o marasmo musical e botou o Linkin Park novamente nas manchetes mundiais, primeiro pelo anúncio da volta em si e segundo pela nova vocalista. Sim, o machismo deus as caras novamente e dessa vez veio acompanhado de uma polêmica envolvendo a cantora com a cientologia.
Emily Armstrong tem a difícil missão de substituir Chester Bennington à frente do Linkin Park, o que está fazendo com louvor com base nos shows até agora com a banda. Armstrong era vocalista do Dead Sara, que fundou em 2002 junto com Siouxsie Medley (guitarrista), Sean Friday (baterista) e Chris Null (baixista). Juntos, gravaram 4 álbuns, o último lançado em 2021, e com sua entrada no Linkin Park a banda está em pausa, mas, a dizer por suas publicações nas redes sociais, o Dead Sara está apoiando a cantora nesse novo desafio:
“Quem adivinhou certo?! Nossa @emilyarmstrong !! Que foda e que performance ao vivo!! @linkinpark Estamos muito orgulhosos dela! Não se preocupe, não vamos a lugar nenhum. Nos veremos em breve. Mais coisas estão por vir…”[sic], publicou o perfil da banda no Instagram.
Mas nem tudo são flores, após o anúncio da nova vocalista os comentários negativos (a grande maioria pelo fato de ela ser mulher) vieram em peso e ratificados pela declaração do filho de Chester, Jaime Bennington, de que “a entrada dela na banda apagaria o legado do pai”, acusando a cantora de ter ligações com a Igreja da Cientologia e conexão com o ator Danny Masterson, condenado a 30 anos de prisão por estupro, Jaime ainda diz se sentir traído por Mike Shinoda que mesmo sabendo do passado de Emily a convidou para a banda. Armstrong respondeu às acusações em um post nas redes sociais dizendo que ela foi convidada a apoiá-lo no tribunal, já que eram amigos, mas depois viu que foi uma escolha errada, e finalizou: “Para falar da maneira mais clara o possível: Eu não tolero abuso ou violência contra mulheres, e eu tenho empatia pelas vítimas desses crimes”.
Além da nova formação, o Linkin Park anunciou o lançamento do oitavo álbum de estúdio, From Zero (2024) no dia 15 de novembro, mesmo dia do primeiro show na capital paulista, que os fãs brasileiros prometeram que “vão fazer tanto barulho que a banda nunca mais vai esquecer”. E fizeram.
O Allianz Parque estava completamente tomado quando a banda emergiu ao palco às 20h35, com “Somewhere I Belong”, do álbum Meteora (2003), seguida pela barulhenta “Crawling”, do Hybrid Theory (2000). Na sequência vieram “Lying From You”, do Meteora (2003), a novíssima e pela primeira vez tocada ao vivo “Two Faced”, From Zero (2024), “New Divide”, da trilha sonora de Transformers: A Vingança dos Derrotados (2009) e para fechar o Ato I, “The Emptiness Machine”, do From Zero (2024).
O Ato II começou com “The Catalyst”, do álbum A Thousand Suns (2010), “Burn It Down”, do Living Things (2012), “Waiting for the End”, do A Thousand Suns (2010), “Castle of Glass”, do Living Things (2012) e um solo de Joe Hahn nas picapes de DJ, para introduzir a dobradinha “When They Come for Me / Remember the Name”, do A Thousand Suns (2010) e cover do Fort Minor, respectivamente. Fechando o Ato II, os californianos tocaram “Casualty”, From Zero (2024) e “One Step Closer”, do Hybrid Theory (2000).
Para iniciar o Ato III, Mike Shinoda e Emily Armstrong fazem um belíssimo dueto de “Lost”, do Meteora (2003) para introduzir uma das mais aguardadas; “Breaking the Habit”, do mesmo álbum, seguida de “What I’ve Done”, do Minutes To Midnight (2007).
Caminhando para o final da apresentação, o Ato IV começa com “Leave Out All the Rest”, do Minutes To Midnight (2007), seguida pela acústica “My December”, do Hybrid Theory (2000), e “Over Each Other”, do From Zero (2024), com Emily na guitarra, abrindo caminho para o trio de ouro com “Numb”, do Meteora (2003), “In The End”, do Hybrid Theory (2000), em que Emily cantou apenas o último refrão, com praticamente toda a música nas partes em que Chester cantava, entoado pela multidão num momento apoteótico do show, e “Faint”, do Meteora (2003), para fechar o Ato IV.
A essa altura Emily já tinha conquistado o imenso público do Allianz, que cantava seu nome a plenos pulmões, numa clara validação de sua performance, e para o “Bis”, o Linkin Park trouxe “Papercut”, do Hybrid Theory (2000), “Lost in the Echo”, do Living Things (2012), “Heavy Is the Crown”, do From Zero (2024) e fechando a apresentação de forma brilhante, a porrada sonora “Bleed It Out”, do do Minutes To Midnight (2007).
Se ainda tinha alguém que duvidava que a banda ainda tinha gás, e que uma nova vocalista seria um tiro no pé, errou. E errou feio. O Linkin Park segue mais vivo do que nunca e essa apresentação lavou a alma de todo mundo que estava sedento por ver de novo uma banda que nunca deveria ter parado. Além de ser um tapa na cara dos machistas e puristas ao redor do globo.